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quinta-feira, 27 de março de 2014

Tatuagens marcam uma nova terceira idade


Idosos usam piercings e tatuagens como grito de liberdade na pele. Aos 82, Judith desfruta de nova vida entre baladas e jovens
 

 
Viúva há três anos, Judith Caggiano precisava aprender a sorrir e a sair de casa sozinha. Depois de cinco décadas dedicadas ao casamento, a morte do marido possessivo - mas excelente pai, ela garante - encerrou um ciclo. “Virei dona da minha própria vida aos 72 anos”, conta em entrevista ao Delas.

Como um inusitado contraste aos cabelos brancos, uma tatuagem tribal foi o desenho escolhido para marcar a fase. Na região da nuca, a “Liberdade”, como chama a primeira tatuagem, dividiria espaço, no futuro, com outras 67, que ela exibe hoje com orgulho, aos 82 anos. “Meu casamento foi maravilhoso, mas não era nada do que eu esperava. Ainda assim cumpri meu papel e criei nossos filhos”, desabafa Judith.

Mulher muito velha só fala de doença e dores. Fico com os jovens porque eles falam a minha língua, tá ligada?"


O novo visual, composto por 18 piercings, anéis em todos os dedos e um generoso decote, que certamente seria desaprovado pelo falecido marido, segundo ela, está muito longe dos hábitos que mantinha quando casada. A única peça que trouxe da antiga fase foi o saiote, uma espécie de forro que ainda usa por baixo de saias e vestidos.

Conhecida e com entrada liberada nas principais casas noturnas de Santo André, região metropolitana de São Paulo, Judith aprendeu a gostar de punk rock, reggae e samba ao lado de jovens de 19 anos. “Não tenho amigas com a minha idade, só conhecidas. Mulher muito velha só fala de doença e dores.

Fico com os jovens porque eles falam a minha língua, tá ligada?”, explica a senhora, exibindo um vasto cardápio de gírias jovens, todas coletadas nas baladas que frequenta.


No corpo, desenhos de estrelas cobrem o ombro e braço direito e representam os filhos, netos e bisnetos. Nas costas, leva uma fada e um sol durante o amanhecer. “Apresento ela como a safada. Falo tão rápido que ninguém percebe. E o sol representa o início da manhã, quando chego da balada”.

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Para Judith, a festa termina sempre às 6h30, horário que a padaria abre com a primeira fornada de pães. Ao chegar a casa, cruza com a filha mais velha Sirlei Caggiano, de 60, que assumiu já ter perdido o controle sobre as saídas da mãe. “Depois que ficou viúva, ela se libertou. Quando fala que vai viajar e passar uma semana fora, eu nunca sei se volta em três dias, uma semana ou três meses”, diz a filha.

Questionada se já sofreu preconceito pelo visual irreverente, Judith faz uma breve pausa e responde: “Se sofri, não percebi. Meu sorriso vai na frente”. Para ela, as tatuagens e os piercings não são fundamentais, mas ajudaram a expor ao mundo e aos familiares a real personalidade. Velhice e morte não ocupam o pensamento da dona de casa.




“Idade pra mim é um número e tatuagem é avanço. Morte? Sei que tenho um prazo de validade. Vou lá saber quando vou vencer, meu. Minha vida é linda.” Noel metaleiro

 
A relação entre Vitor Sanchez, de 59, e as tatuagens não começou na terceira idade, mas é um exemplo sobre o futuro dos jovens tatuados. A corriqueira pergunta “mas e quando você ficar velho?” não passou pela cabeça quando ele pisou num estúdio, aos 33 anos. Apaixonado por desenhos, Vitor iniciou sua saga com até três tatuagens por semana, entre 25 profissionais, até alcançar 94% do corpo tatuado. A dor e o longo processo de cicatrização valeram a pena para apenas ser um cara diferente na multidão.

“Foi uma febre e nunca gastei nada com isso. Eu olhava para a minha mão e pensava que no dia seguinte nasceria com outra”, conta.

Todos os desenhos são assinados por artistas, por isso, ele nunca gastou com tatuagens. O custo de todo o trabalho seria de aproximadamente R$ 80 mil, calcula. Entre a miscelânea de temas, o mais simbólico ocupa o braço esquerdo: figuras natalinas. Conhecido como o Papai Noel Tatuado na região de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, Sanchez vive a versão metaleira do bom velhinho. No final do ano, encarna o personagem em um shopping na zona norte da capital.


Ao contrário de Judith, Sanchez disse ter sofrido constrangimentos pelo visual que escolheu. “Trabalhava num escritório de publicidade e perdi o emprego por isso. Em outra ocasião, em um banco, fui acusado de fraudar um cheque. Tudo pela minha aparência”, explica. No entanto, ele acredita que o preconceito perderá força diante de tantos tatuados na sociedade.

“Vestidinho de papai noel [com as tatuagens cobertas] pais e crianças me adoram. Mas garanto que a reação não seria a mesma se meu corpo aparecesse”.

A paixão de Sanchez pelas tatuagens já conquistou seus dois filhos, de 21 e 14 anos. O mais novo promete que tatuar todo o braço quando alcançar a maioridade. Envelhecer com os desenhos é motivo de orgulho à Sanchez. “Se eu chegar aos 80 anos, como a Judith, vou ser um cara muito feliz”.

“Expressão na pele”

Para o experiente tatuador Sergio Maciel, o Leds, fundador do estúdio com o mesmo nome, na Zona Sul da capital, o número de velhinhos modernos e descolados irá aumentar.

 
“Tenho muitos clientes com mais de 60 e 70 anos, eles querem expressar liberdade. E o discurso é sempre o mesmo: queriam ter feito antes, mas esperaram por medo”. Estima-se que, entre os clientes que entram no estúdio por dia, ao menos três estão na terceira idade.


Arquivo pessoal

Anderson Lopes diz que nunca se preocupou sobre como as tatuagens ficarão na 3ª idade

Leds acredita que a sociedade conviverá com tantos idosos tatuados que o cenário passará a ser comum, e deixará de despertar olhares tortos nas ruas. “Hoje já encontramos tatuagens em todos os segmentos, médico, chefe de cozinha, modelo e dona de casa. Ela nunca determinou o caráter ou potencial de alguém, mas virou um acessório, como uma joia”.

Um exemplo da futura terceira idade tatuada é Anderson Lopes, de 31, que atua como diretor de arte e leva ao menos15tatuagens pelo corpo. E ele começou cedo. Aos 17 anos, decidiu tatuar o personagem Alex, do filme Laranja Mecânica, no braço.

“Sempre escolhi os desenhos que representam filmes, músicas ou quadrinhos que gosto. Então não dá para enjoar deles, é muito pessoal”.

Apesar de já ter sido questionado sobre envelhecer com as suas tatuagens, Lopes afirma não ter nenhuma preocupação.

“Se estão ali representam um momento da minha vida. Não vou perder tempo pensando como ficarão enrugadas. Serão ainda mais importantes porque carregam uma história.”

Agradecimentos: Naya Vital (maquiagem)

 

 

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

“A chave para envelhecer bem é o autoconhecimento”, diz especialista


Com 30 anos de experiência, José Carlos Ferrigno lança livro e fala sobre o novo perfil da velhice: “O desafio maior é envelhecer em paz, sem a pressão de um ideal”

Renata Reif- iG SP

Caducou aquela ideia de que velhice é sinônimo de incapacidade. O termo “melhor idade” faz cada vez mais sentido para a sociedade contemporânea, que já entende o papel positivo dos idosos em benefício da coletividade. Autor de “Conflito e Cooperação entre Gerações” (Editora Edições Sesc SP), o psicólogo e especialista José Carlos Ferrigno explica que a experiência de vida do idoso é alimento para as novas gerações.
"Desafio maior é envelhecer em paz, sem ser pressionado por um ideal", diz José Carlos Ferrigno

 Influenciada pela situação socioeconômica, política e cultural, a relação entre gerações muda com a história. A partir dos anos 1990, os programas intergeracionais começaram a ganhar visibilidade no mundo. No Brasil, atividades culturais e trabalho voluntário integraram idosos ao convívio social, quebrando as barreiras da diferença de idade. “A riqueza cultural se dá quando há o convívio”, resume.

Apesar de a distância entre gerações não ser tão grande, o embate entre ideias novas e conservadoras ainda existe. E ele é essencial: “É o que cria a possibilidade de o mundo ser construído e reconstruído”. Confira abaixo a entrevista concedida por Ferrigno ao iG.



Getty Images
"Desafio maior é envelhecer em paz, sem ser pressionado por um ideal", diz José Carlos Ferrigno

José Carlos Ferrigno, autor de "Conflito e Cooperação Entre Gerações": a velhice não pode ser vista do ponto de vista das limitações, mas de suas potencialidades

iG: Como é a relação entre o idoso e o jovem?
José Carlos Ferrigno: O segredo é entender a fina dialética entre o velho e o novo. Afinal, um depende do outro. A transmissão dos mais velhos aos mais jovens é reelaborada para que os jovens apresentem a novidade. A esperança está sempre na inovação que as gerações vão trazendo. Na Alemanha e na Grã-Bretanha, por exemplo, as gerações trabalham lado a lado, ombro a ombro. O alvo dos programas intergeracionais não é beneficiar as relações em atividade, mas sim a comunidade. É um passo adiante.

José Carlos Ferrigno: Eles representam um norte, um ideal a ser perseguido. Não se trata mais de motivar os jovens e velhos a interagirem em atividades culturais. E sim ter o grupo intergeracional, formado e consciente de suas responsabilidades sociais, trabalhando para a comunidade. Eles têm como objetivo o desenvolvimento da amizade e da coeducação entre gerações. Isso significa que uma geração tem muito a ensinar a outras em função de suas experiências.

iG: O que uma geração pode agregar à outra?
José Carlos Ferrigno: O repasse dos mais velhos para os mais jovens tem a ver com a importância da tradição, do conhecimento, de valores éticos. Já dos jovens para os mais velhos tem a ver com novas tecnologias e com uma maior flexibilidade para lidar com questões mais polêmicas, como sexualidade e drogas.

iG: Quais são os maiores desafios da velhice hoje?
José Carlos Ferrigno: O desafio maior é envelhecer em paz, sem se sentir pressionado por um ideal, e ficar menos vulnerável à pressão de consumo. São muitos apelos por um envelhecimento saudável, mas percebe-se forte manipulação na mensagem dirigida aos idosos. Há uma indústria milionária vinculada a atividades físicas, cirurgias plásticas, cosméticos e medicamentos, que impactam fortemente a velhice.

iG: Isso significa que envelhecer bem tem mais a ver com a cabeça do que com o corpo?
José Carlos Ferrigno: A chave é o autoconhecimento e saber o que se quer para a velhice. Os budistas já diziam que não é possível desconsiderar a opinião dos outros, mas é possível minimizá-la e ganhar liberdade. Tem que haver esforço para a pessoa não ficar presa à aparência e necessitada da opinião alheia. Se a pessoa quiser malhar, tudo bem. E se ela quiser uma vida mais tranquila e parada, ela também merece respeito por sua decisão.

iG: São diferentes as velhices no Brasil?
José Carlos Ferrigno: Sim, há um contraste do ponto de vista cultural, econômico e de oportunidades. Além de pressões de ordem material, há os diferentes estilos de vida. A velhice de um trabalhador rural tem a grande vantagem do contato com a natureza mas, por outro lado, este velho pode perder experiências interessantes mais encontráveis em uma região urbana. E vice-versa. Portanto, o melhor lugar para um velho pode ser tanto a paz do interior, como a agitação das grandes cidades.

Dani Sandrini
 
José Carlos Ferrigno, autor de "Conflito e Cooperação Entre Gerações": a velhice não pode ser vista do ponto de vista das limitações, mas de suas potencialidades



Convívio intergeracional estimula construção de identidade

iG: O que modificou o perfil da velhice?
José Carlos Ferrigno: Principalmente em classes médias e altas, que têm mais acesso ao consumo, há uma nova imagem de velhice. Nota-se uma outra postura, uma vontade maior de participação na sociedade e de experimentar novidades tecnológicas. Os velhos de hoje adotam um estilo de vida que pode aproximá-los dos jovens. Mais recentemente, esses movimentos começam a tornar menos intensa a separação das gerações.

iG: O que é “ficar velho” hoje em dia?
José Carlos Ferrigno: Os velhos e jovens se vestem de modo cada vez mais parecido. A própria internet cria situações em que um jovem pode se passar por um velho ou o contrário. Mas aproximar não significa conviver bem, os desafios se mantêm. O que está em jogo é a qualidade dessa relação, que precisa de boa vontade mútua.

iG: O que os idosos podem cobrar da sociedade?
José Carlos Ferrigno: Há vários problemas e um deles é econômico. A maioria dos idosos depende do INSS e recebe de um a dois salários mínimos, o que dá cerca de R$ 1.000. A complementação do INSS, como a previdência privada ou a poupança, fica restrita à classe média. Há também a questão da saúde. Ainda não existe atendimento digno na saúde deste país. E o atendimento de convênio custa caro e também deixa a desejar.

iG: E que espaço eles, os mais velhos, poderiam ocupar?
José Carlos Ferrigno: A gente tem uma perspectiva de que os velhos podem ter um papel e uma função social que não existia antes. Isso tende a crescer nos próximos anos. É a compreensão de que o envelhecimento não determina incapacidade e incompetência significativas. Também não se pode só dourar a pílula, há uma perda sim. Porém, a velhice não pode ser vista do ponto de vista das limitações, mas de suas potencialidades.

iG: Qual o cenário ideal?
José Carlos Ferrigno: Em vez de enfatizar o diabetes, a insuficiência cardíaca, aquilo que é precário, vamos olhar a funcionalidade do sujeito. Ou seja, não é a visão da doença, e sim da pessoa. A ênfase do papel social do idoso faz com que ele passe a se valorizar, evitando o desespero, aquela sensação de que está chegando no fim da linha. Essa postura da sociedade dá autoconfiança para o idoso superar as dificuldades.

iG: O velho é mais livre hoje em dia?
José Carlos Ferrigno: Com as atividade físicas e culturais, o velho passa a ter mais liberdade e menos tempo para a família. Não é que a avó deixou de gostar dos netos, mas agora ela tem uma agenda e tem que negociar os horários. Não está mais o tempo todo à disposição para ajudar ou ser mão de obra.

iG: Como lidar com idosos mais fragilizados?
José Carlos Ferrigno: Sugiro que os filhos e netos parem para pensar em tudo aquilo que esses velhos fizeram durante a sua vida e que levaram a família a estar onde está. Isso implica no desenvolvimento de empatia e compreensão, inclusive pensando na própria velhice. A questão é perceber a necessidade do outro, dialogar e se interessar pelo outro.

iG: Quais são os conselhos práticos?
José Carlos Ferrigno: O ser humano é o único animal que faz da refeição um momento de confraternização. Mas perdemos o antigo hábito de jantar em família. Hoje tem microondas e cada um tem seu quarto, sua TV. Cada pessoa chega em um horário, esquenta a comida no micro e vai para o quarto. O diálogo diminuiu, por isso as pessoas precisam conversar mais. Os finais de semana podem ser uma oportunidade de a família se reencontrar. Folhear álbuns de família também pode ser de muito valor para recuperar a história familiar e gerar o enraizamento dos mais jovens.


sábado, 4 de janeiro de 2014

Perspectiva 2014: a nova velhice


Um dos meus maiores problemas, que se tornou mais grave ao longo dos anos, são minhas noites de insônia. Não gosto de tomar remédios para dormir. Apesar de exausta, minha mente não consegue desligar, e passo horas pensando, escrevendo, lendo e, inúmeras vezes, só consigo dormir duas ou três horas por noite.

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Divulgação
Mirian Goldenberg é antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de “A Bela Velhice” (Ed. Record)

Durante muitos anos tive o hábito de anotar os meus sonhos. Acordava de madrugada e escrevia tudo o que havia sonhado. Depois de registrar o sonho tentava voltar a dormir, o que não era nada fácil. Como tenho muitas noites de insônia, decidi parar de escrever durante as madrugadas.

No entanto, recentemente tive um sonho muito especial. Enquanto sonhava, dizia para mim mesma: “Este sonho eu preciso anotar, é importante para as minhas reflexões sobre as diferenças de gênero e envelhecimento”. No sonho, eu estava dando aula e dizia para os meus alunos:

“A única categoria social que inclui todo mundo é velho. Somos classificados como homem ou mulher, homo ou heterossexual, negro ou branco. Mas velho todo mundo é: hoje ou amanhã. O jovem de hoje é o velho de amanhã. Por isso, como nos movimentos libertários do século passado do tipo Black is beautiful, nós deveríamos vestir uma camiseta com as ideias: “Eu também sou velho!” ou, melhor ainda, 'Velho é lindo!'”

Fomos em passeata até Copacabana, todos nós unidos, os velhos de hoje e os velhos de amanhã, vestindo camisetas e levando cartazes com as frases: “Eu também sou velho!” e “Velho é lindo!”. Na manifestação, inspirada em Martin Luther King, fiz um discurso apaixonado:

“Eu tenho um sonho que um dia o velho será considerado lindo, e que todos nós poderemos viver em uma nação em que as pessoas não serão julgadas pelas rugas da sua pele e sim pela beleza do seu caráter. Livres, enfim! Somos livres, enfim!”.

Acordei de madrugada repetindo alegremente a frase: “Somos livres, enfim!”. E com vontade de ir para Copacabana me manifestar gritando: “Eu também sou velha!” e “Velho é lindo!”

“A beleza da velhice está exatamente na sua singularidade. E também nas pequenas e grandes escolhas que cada indivíduo faz

Uma semana depois do sonho, participei de um congresso internacional de moda no Rio de Janeiro. Nele, afirmei que o mercado continua reproduzindo as imagens dos velhos do século passado e não enxerga os “novos velhos” e as “novas velhas” que têm projetos de vida, saúde, amor, felicidade, liberdade e beleza. Convoquei o público do congresso a mudar essas representações negativas e participar da campanha “Velho é lindo” e “Velha é linda”.

Contei que muitas mulheres que tenho pesquisado, de mais de 40 anos, dizem que são ignoradas pelo mercado. Além de se sentirem invisíveis -- ou “transparentes”, como elas se percebem, pois não são mais olhadas ou elogiadas como quando eram mais jovens -- dizem que não encontram roupas adequadas para a sua idade.

Uma nutricionista de 47 anos disse:

“Sou magra e tenho um corpo bonito. Fui comprar uma calça jeans de uma marca famosa e a vendedora olhou para mim dos pés à cabeça como se dissesse: ‘Não temos roupas para velhas. Não queremos a nossa etiqueta desfilando em uma bunda de uma velha ridícula e sem noção’. Saí de lá arrasada, me sentindo uma velha ridícula”.

Outras querem se diferenciar das adolescentes, mas não querem se vestir como velhas. Uma professora de 41 anos contou:

“Não posso usar os mesmos jeans das minhas alunas. Tento encontrar um jeans que não seja colado e de cintura baixa, mas é impossível. Não quero parecer uma garotinha, mas também não quero parecer uma velha. As opções para uma mulher da minha idade são horrorosas”.

A grande dúvida é a de como se adequar à idade sem abrir mão de roupas bonitas. Elas mostram que o mercado está voltado para as mulheres jovens e magras e exclui aquelas que não se enquadram ou não aceitam essa padronização. Uma arquiteta de 56 anos afirmou:

“Sempre usei biquíni e minissaia. Agora não posso mais? Adorei quando a Betty Faria, depois de ter sido cruelmente criticada e chamada de ‘velha baranga, velha ridícula, sem noção’ por usar biquíni aos 72 anos, disse: ‘querem que eu vá à praia de burca, que eu me esconda, que eu me envergonhe de ter envelhecido?’.”

Em uma entrevista sobre a passagem do tempo, a atriz Marieta Severo, de 66 anos, disse:

“Vejo tanta gente preocupada em colocar botox na testa, eu queria poder colocar botox no cérebro. Tenho verdadeiro pavor de perder a capacidade mental, é isso o que mais me assusta quando penso na velhice. Quero ser uma atriz velha com capacidade de decorar um texto, quero ser lúcida na vida e na família”.

Como mostro nos meus livros, artigos e palestras, a “bela velhice” não é um caminho apenas para celebridades. A beleza da velhice está exatamente na sua singularidade. E também nas pequenas e grandes escolhas que cada indivíduo faz, em cada fase da vida, ao buscar concretizar o seu projeto de vida e encontrar o significado de sua existência.

De biquíni ou de maiô, minissaia ou calça jeans, salto alto ou sapatilha, o que interessa é que somos cada vez mais livres para inventar a nossa “bela velhice”. E para mostrar, aos velhos de hoje e aos velhos de amanhã que “velho está na moda!” e, mais ainda, que “velho é lindo!”.

 

 

 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Chéri


Sinopse

Léa ensina a Chéri, o mimado e inexperiente rapaz os caminhos do amor. Seis anos depois de iniciado o romance, a mãe de Chéri resolve combinar secretamente o casamento entre o seu filho e Edmée, filha de outra rica parisiense. A separação entre Léa e Chéri parece inevitável. Eles nunca pensaram quão profundas eram as raízes da sua vida de conforto e prazer e começam a perceber, talvez demasiado tarde, o que significam um para o outro...

Ficha Técnica

Realização


Interpretação


Argumento


 

Duração 92 m

Gênero Romance

Classificação M12

País Reino Unido

Ano 2009

 

sábado, 28 de dezembro de 2013

A dor e a performance


As taxas de suicídio se incrementam num contexto marcado pela incerteza e perplexidade, e os mais expostos são os jovens que, tendo de construir seu percurso em espaços de alta competitividade, infelizmente sucumbem

 Joel Birman - O Estado de S. Paulo

 A intenção deste artigo é a de colocar em pauta um conjunto de questões em decorrência do suicídio do músico Champignon, da banda Charlie Brown Jr., em seguida à morte por overdose do seu colega Chorão. A esse cenário trágico deve-se acrescentar o suicídio há alguns meses, por enforcamento, do músico Peu de Souza. A história de suicídio de Champignon se complica, já que esse músico, que substituiu o colega morto, foi seguidamente hostilizado por fãs da banda como traidor por ocupar sua posição em uma nova banda. Nessa medida, a tragédia em questão se situa numa linha tênue entre a dor pela perda do amigo e as múltiplas agressões verbais sofridas da parte de seus fãs. Isso porque tais agressões, nessas circunstâncias, tiveram possivelmente o efeito de incrementar a culpa que se coloca para qualquer sujeito na experiência do luto.

 


Reprodução
‘Preto e Branco’-Man Ray (1926)

 Um primeiro comentário sobre isso é que, paralelamente, no Rio de Janeiro, nos últimos meses alguns jovens de classe média alta se suicidaram de forma violenta e inesperada, causando uma grande comoção entre amigos e familiares. Da mesma forma como Champignon se suicidou abruptamente após um jantar afável com a mulher grávida e amigos, histórias parecidas ocorreram nos suicídios dos cariocas.

Portanto, a primeira questão que se impõe é por que tantos suicídios acontecem com jovens bem-sucedidos na atualidade. Isso não quer dizer, evidentemente, que não ocorram suicídios como esses em faixas etárias outras. Porém, o fato de ocorrerem com jovens tem a potência de nos consternar particularmente, pois se trata de pessoas que tinham uma vida pela frente e muitas possibilidades de resolução dos impasses existenciais que se colocam para todos nós. Por que então esses jovens são lançados abruptamente para o gesto fatal contra si mesmos, sem reconhecerem os horizontes que ainda existiam para eles?

Para responder a isso, é necessário o reconhecimento de que se trata de um fenômeno complexo, que exige uma reflexão que lance mão de um conjunto de saberes, para que não se caia numa banalização psicologista e psicopatológica desse acontecimento limite. Com efeito, é preciso aludir não apenas à teologia e à política, como também ao arsenal das ciências humanas.

Como se sabe, os suicídios não são geralmente divulgados pela mídia. Existe uma interdição em relação a isso, pois se supõe que as narrativas de suicídios possam gerar outros, numa espécie de reação em cadeia. Além disso, essa interdição visa a proteger os familiares dos suicidas, em decorrência do estigma presente nesse tipo de ato fatal.

Contudo, não se pode esquecer que o suicídio é um ato proibido por uma longa tradição religiosa no Ocidente, pois, se Deus nos concedeu a vida, só ele teria o poder de retirá-la. O que implica dizer que, nessa tradição, o indivíduo não teria a liberdade de decidir sobre a própria vida/morte, de forma que se impõe a ele ter que suportar as angústias da existência, inventando formas de lidar com elas.

Esse imperativo religioso foi refundado com a constituição da sociedade moderna, de acordo com Foucault em Vigiar e Punir. Segundo ele, a modernidade se forjou pelo imperativo de promover a vida e afastar a sedução da morte, na medida em que a vida se transformou no campo fundamental para o exercício do poder. Com efeito, se pelo poder disciplinar e pelo biopoder a vida é promovida e a morte apenas acontece quando se torna inevitável, no poder soberano pré-moderno o soberano fazia morrer e deixava viver. Foi em decorrência disso que a modernidade foi marcada por uma intensa e disseminada medicalização do espaço social, na medida em que a saúde foi transformada num dos indicadores fundamentais da qualidade de vida da população e da riqueza do Estado-nação. Daí porque a eutanásia foi proibida em nossa tradição, interdição essa que se mantém ainda hoje, não obstante as múltiplas reações provocadas face a isso na atualidade, em decorrência dos sofrimentos de doentes terminais.

Como se pode reconhecer, a interdição do suicídio conjuga intimamente uma dimensão religiosa com uma dimensão política, de forma que a vida seria regulada pelo poder de Deus e do Estado. Não é, pois, espantoso que o suicídio seja objeto de estigma, provocando horror na população em geral e nos familiares e amigos dos suicidas. No que concerne a isso, é preciso reconhecer que se a perda de alguém que nos é próximo, seja amigo ou familiar, nos é sempre dolorosa, a morte por suicídio é trágica. Com efeito, para esses casos a pergunta que sempre se impõe é se não poderíamos ter impedido o desfecho trágico, se não ficamos cegos e surdos aos múltiplos sinais enviados pelo sujeito. Portanto, a culpa é inevitável entre aqueles que foram próximos dos sujeitos que se mataram, culpa essa que vai marcar suas vidas. Enfim, se os suicidas tiveram que fazer a transgressão limite para realizarem seu ato fatal, pelos interditos religiosos e políticos que delineiam o campo dessa experiência, os familiares e amigos se sentem igualmente responsabilizados por não terem impedido o desfecho.

É inegável que na nossa tradição o ato suicida implica uma situação limite para o sujeito, que se reconhece encontrar num beco sem saída para realizar tal ato. O que implica dizer que, para perpetrar tal transgressão, o sujeito atravessa uma profunda experiência de angústia indizível. Porém, pode-se dizer também que essa experiência se conjuga com o estatuto do individualismo moderno, na medida em que o sujeito aqui em causa não se inscreve numa totalidade social que o subsuma, como ocorria nas sociedades pré-modernas. Nessas, a morte e mesmo o suicídio se inscrevem numa gramática coletiva, ganhando assim foros de heroísmo e grandiosidade, sendo o ato de tais personagens marcados pela coragem e pelos valores éticos superiores. Não é isso que ainda vemos e podemos constatar em diversas culturas asiáticas e árabes, onde os homens-bomba e os camicases se transformam em heróis de suas comunidades, louvados pela coragem e pelos valores fundamentais que os impulsionaram para a morte.

Foi na tradição individualista moderna que o suicídio se transformou num ato maldito. Em decorrência disso, a figura do suicida se transformou na figura do anti-herói e mesmo do covarde, isto é, daquele que não teve coragem para suportar os obstáculos que a vida lhe impôs. Por isso mesmo, nessa configuração antropológica o ato suicida foi transformado num sintoma grave de perturbação psíquica, associado principalmente à experiência da melancolia, mas podendo também ser inserido em outras psicoses.

Em sua leitura do sujeito moderno, Freud procurou pensar a melancolia e o suicídio a partir da experiência do luto. Vale dizer, em face da perda de um objeto amado ou de um ideal, o sujeito vive uma experiência de luto, numa espécie de confrontação ética com a figura do morto, num acerto de contas com suas memórias face ao objeto perdido. Dessa maneira, a melancolia seria uma impossibilidade para o sujeito de aceitar a perda do objeto de amor e dele se separar, de forma a ficar identificado com a figura do morto. Enfim, o ato suicida poderia ser então um ato fatal do sujeito para arrancar de si o objeto que se perdeu, ou então continuar a ele ligado para sempre pela morte.

Contudo, toda essa discussão na atualidade assume novos aspectos cruciais, considerando-se as condições psíquicas do sujeito na contemporaneidade. Assim, face à feroz competição generalizada que existe hoje no contexto social do neoliberalismo, em que a performance se colocou como um imperativo fundamental, a promoção de si mesmo se impôs como uma marca indiscutível da subjetividade contemporânea. Superar os adversários se transformou numa moral disseminada, implicando uma aceleração das formas de viver que são correlatas da aceleração do tempo que se impõe no fluxo das mercadorias e das informações em escala global. Nesse contexto, cada indivíduo se transformou numa microempresa para promoção de si mesmo e da venda de seus produtos, sejam esses materiais ou imateriais, numa multiplicação assintótica de suas performances.

Não é por acaso que o consumo de drogas, sejam essas lícitas ou ilícitas, se transformou numa forma de vida. Com efeito, por esse consumo os indivíduos procuram promover sua performance para estar à altura da competição frenética existente no espaço social. Face a esse excesso intensivo, o sujeito fica turbinado, mas, em contrapartida, nem sempre dispõe de instrumentos simbólicos para lidar com isso. Os efeitos disso são múltiplos, nas tentativas dos sujeitos de lidarem com tais excessos. Se esses forem descarregados sobre o corpo podemos reconhecer a origem das múltiplas doenças psicossomáticas na atualidade, assim como da síndrome do pânico. Contudo, se forem descarregadas para o exterior teremos uma chave para a compreensão da multiplicação da violência e da crueldade na atualidade, assim como para a disseminação das adicções no contemporâneo, que se realizam com diversos objetos, num eixo que se polariza entre a comida e as drogas. Além disso, esse excesso intensivo pode se fazer presente como um corpo estranho para o sujeito, que perde assim suas referências identificatórias, sendo lançado em situações melancólicas.

Assim, pode-se depreender facilmente dessa cartografia como a morte nos assalta como possibilidade, de múltiplas maneiras. Isso porque o excesso como dor não pode ser transformado e metabolizado como sofrimento, pela fragilidade dos operadores simbólicos de que o sujeito dispõe. Com isso, o desamparo que é constitutivo do sujeito, segundo Freud, se transforma em desalento, pois num espaço social permeado pela competição generalizada o sujeito não pode mais contar com o outro como amigo e aliado.

Não é espantoso que as taxas de suicídio se incrementem nesse contexto, marcado pela incerteza e perplexidade. Além disso, não é inesperado que os jovens estejam mais expostos a esses processos, pois tendo que construir seus percursos no espaço de alta competitividade, muitos deles infelizmente sucumbem.
 
JOEL BIRMAN É PSICANALISTA, PROFESSOR TITULAR DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA UFRJ E PROFESSOR ADJUNTO DO INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL DA UERJ

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Solteiros convictos pegaram solidão e transformaram em solitude, diz psiquiatra


Homens que casam mais tarde ou simplesmente não casam são tendência, segundo especialistas, e viram público alvo, ao lado das mulheres solteiras, do mercado imobiliário. "Acho bonito, mas não sinto nenhuma falta de filhos", diz empresário de 42 anos, solteiro

Brunno Kono| iG São Paulo

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George Clooney, símbolo máximo do solteiro convicto que não pensa em se casar ou ter filhos

Tido como um dos solteiros mais cobiçados de Hollywood, George Clooney, de 52 anos, já foi – e poucos devem se lembrar – casado. A relação com a atriz Talia Balsam durou quatro anos (1989-93), e desde então Clooney não subiu novamente ao altar e parece que nem deve fazê-lo. Em entrevista à revista norte-americana Esquire no início de 2012, o ator afirmou que não fala sobre casamento e filhos porque simplesmente não pensa sobre isso. A rotina do duas vezes ganhador do Oscar é diferente de praticamente todos os homens que você conhece, mas sua realidade, de solteiro convicto, não é tão distante assim e tem crescido, segundo especialistas.

 “O que tenho observado é o distanciamento cada vez maior da idade para casar. Homens estão se casando e se tornando independentes mais tarde. Muita gente tem casado em situações excepcionais ainda, como quando a mulher engravida, é casamento de urgência. Estão adiando o máximo possível e alguns optam pelo não casamento, ter parceiros estáveis, mas nada de casar, morar junto e criar família. Embora os comerciais de manteiga e peru de Natal continuem mostrando a família feliz, isso cada vez mais se comprova como uma mentira”, diz Eduardo Ferreira Santos, psiquiatra e autor do livro “Casamento: missão (quase) impossível”.

Ele aponta ainda o trabalho como um dos responsáveis. “Há uma exigência de mercado. Hoje em dia é raro encontrar uma pessoa que está 100% satisfeita com aquele emprego de 8h, com aquele salario. Quase todos nós trabalhamos à noite, fazemos curso, doutorado, mestrado em busca de uma posição na sociedade e uma posição econômica mais confortável. E aí cai no velho ditado, trabalha, trabalha, trabalha para ganhar dinheiro, ficar velho e pagar as doenças.”

Ailton Amélio da Silva, psicólogo, professor da USP e especialista em relacionamentos amorosos, vê uma tendência similar: “Tem um número crescente de pessoas que está optando por não constituir parceria fixa duradoura. Para eles o comprometer-se com alguém traz mais prejuízo do que benefício”. Não que isso seja necessariamente ruim para quem escolhe esse caminho, avalia o especialista. “Tem gente que vive bem sozinho.”

“O que a gente está percebendo é que as pessoas estão perdendo o medo da solidão e a transformando em solitude, na capacidade de viver sozinho, consigo mesmo. A família está passando para o segundo plano”, destaca o psiquiatra. “E acho que tende a aumentar. A imagem da família feliz está se deteriorando”, completa.

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"As pessoas estão perdendo o medo da solidão e a transformando em solitude", diz psiquiatra Eduardo Santos

“ESTABILIDADE É MOMENTÂNEA”

Ricardo Eirado é um exemplo do que Santos classificou como “casamento de urgência”. Quanto tinha 21 anos, o executivo e microempresário se viu em uma situação comum, porém não muita desejada quando não há planejamento: sua namorada estava grávida. “Na época eu me casei porque achei que era o correto, foi por uma questão de valores, hoje eu não faria isso”, diz.

Sete anos após o “sim”, veio o fim, e de lá para cá já são duas décadas como solteiro, “mais tempo divorciado do que casado”, brinca. O tempo como marido, no entanto, serviu para lhe mostrar que ele não iria se casar pela segunda vez. “Depois disso, procurei deixar claro em todos os relacionamentos”, comenta. Em alguns casos a escolha por não trocar mais alianças e ter filhos tornou-se um impeditivo para o andamento da relação, mas nada o fez mudar de ideia: “Descobri que não acredito em relações estáveis e duradouras dentro daquele modelo patriarcal. Não acredito em uma relação duradoura, acho que a estabilidade é momentânea, ainda que meu pai e minha mãe estejam juntos há 40, 50 anos. Não acredito que sirva para mim”.

Mas, ao contrário do que muitos pensam, estar solteiro não significa uma vida de constantes aventuras, apesar de algumas mulheres com quem o executivo se relacionou tenham sugerido uma relação aberta e colocado em cheque a monogamia. “Estou falando de mim. Não tem nada a ver com viver aventuras, eu gosto de namorar, de um relacionamento estável, agora, que esse namoro necessariamente me conduz ao casamento, aí já não sei”, relata Ricardo, que namora há um ano e oito meses, e cuja filha, de 26 anos, curiosamente, está casada: “Ela entendeu que o perfil do pai dela não é esse”.

“O CACHORRO ME FAZ PENSAR EM TER E NÃO TER FILHOS”

Eirado afirma que os amigos não estranham e que vários deles estão em situações parecidas. Um dos solteiros convictos, mas sem experiência prévia como noivo, é Flávio Moreira, de 42 anos. “Tenho períodos de união estável, mas nada de casamento formal e tradicional dentro dos moldes que as pessoas estão acostumadas”, diz o empreendedor, que vê em seu trabalho um dos motivos para nunca ter iniciado uma família. “Eu trabalho muito à noite, viajo para palestras, cursos. Não gostaria de viajar e deixar minha esposa em casa cuidando dos filhos, seria injusto com ela, contribuo para gerar o filho e depois ganho o mundo? Acho que ter filhos tem muitas coisas bonitas, mas ao mesmo tempo você tem perdas, e pensando de forma mais abrangente, não me senti motivado a tê-los.”

Ricardo também fala em “perda” e sugere que suas noites gastas em natação e outras atividades que não estão relacionadas ao trabalho poderiam ser afetadas. “Não é nada muito extremista. Por exemplo, eu dou aula na PUC-SP, sempre à noite. Não é uma profissão, vejo como um adicional. Vou nadar às 23h, chego em casa à 1h30 da manhã. Seria complicado fazer isso três vezes por semana se eu fosse casado naquele modelo tradicional.”

Diferente do amigo, Flávio diz que sempre se relacionou com mulheres, às vezes por dez, oito anos – a atual namorada está com ele há cerca de dois –, que compartilhavam da sua opinião. “Nunca houve um conflito. A relação terminava por outras razões”, conta.

Um companheiro, entretanto, já o fez pensar, ao mesmo tempo, em ter e não ter filhos. É um dogo argentino que atende pelo nome de Zero. “Sempre tive cachorro desde os 16 anos. Ele me faz pensar em ter e não ter [filhos]. O cão também te dá muito trabalho, esse tem energia, então eu passeio, escovo, dou banho, vou ao parque. Muitas vezes eu já faço isso por uma questão de rotina e sei que se não fizer ele vai roer todas as coisas aqui em casa. Por mais que, digamos, eu o trate com todo o amor possível, com uma criança é muito maior. É esse cuidado vezes dez”, explica o empreendedor.

O que pode parecer um sinal de arrependimento, entretanto, desaparece quando Moreira é questionado se chega a sentir algum tipo de remorso quando vê uma família. “Eu lido bem com isso, não sinto falta, não chego a pensar sobre o assunto. Tenho muitos amigos, gosto de sair, tenho uma vida muito ativa, pratico esportes. Não sinto falta, nada, mesmo quando vejo a situação família. Olha, acho agradável, muito bonito, mas eu não sinto nenhuma falta.”

Divulgação/Coelho da Fonseca
Até 40% dos lançamentos da Coelho da Fonseca têm como alvo os solteiros, diz diretora do grupo

DE OLHO NOS SOLTEIROS

A conta é bastante simples. Um casal geralmente significa uma moradia, seja casa ou apartamento. Dois solteiros representam dois imóveis. É de olho nessa fatia da população que tem crescido, segundo especialistas, que o mercado imobiliário tem criado opções com características específicas para o solteiro, não só o homem.

Segundo Fátima Rodrigues, diretora geral de vendas e lançamentos da Coelho da Fonseca, entre 35% e 40% dos lançamentos da empresa são voltados para o solteiro “de 28 anos até de idade mais avançada”. “Em cima de pesquisas e observando o próprio mercado, nós identificamos uma boa liquidez, uma velocidade nas vendas nesse tipo de apartamento, de acordo com a região.”

Ela conta que eles começaram a perceber este público nos últimos dois anos e que entre as especificações dos edifícios pode-se encontrar metragens reduzidas, na faixa de 50 m² a 70 m², localização próxima de centros comerciais e de metrôs e serviços como manobrista, camareira e academia. Fátima chama isso de “um novo jeito de morar”. Uma curiosidade é que os prédios em questão não possuem espaço para crianças.

Diretor geral da imobiliária Itaplan, Cyro Naufel Filho, confirma que “há muita procura” por parte das pessoas solteiras, apesar dele também incluir os mais jovens na conta, e diz que a “praticidade”, observada em comandos no apartamento por celular e ar condicionado dentro do imóvel, por exemplo, é um “conceito importante para este público”.

MAIS VIÁVEL VIVER SÓ

Além das tecnologias citadas por Fátima e Cyro, Ailton Amélio acredita que as redes sociais, de uma certa forma, ajudam a tornar “mais viável viver só”, embora ele defenda que no último caso, o efeito de ferramentas como Facebook seja apenas paliativo. “Existem produtos voltados para quem é só. Os motivos para casar diminuíram, você pode comprar a granel uma porção de coisas que vinham no pacote, mas muita gente gostaria de comprar um casamento e não consegue”, ressalta o psicólogo.

Amélio se diz preocupado com os solteiros não por opção, mas “por distorção”. “Existem pessoas com trauma, incapazes de se comprometer, tímidos demais, que gostariam de ter uma relação e não conseguem. Temo que muita gente é só devido a problemas. É um bom motivo para procurar ajuda. Quem está bem, equilibrado, não procura, não vem”, diz.

E QUEM CUIDA NA VELHICE?

Outra preocupação, esta levantada por Eduardo, é quem cuida dos solteiros na velhice, tarefa que normalmente seria atribuída aos filhos. “Percebo que o pessoal está com essa de vida auto-suficiente, mas lá na frente, quem cuida? Não vai ter filhos, não vai ter ninguém”, questiona.

Ao ouvir exatamente essa pergunta, Flávio Moreira diz não pensar no assunto: “Vou pagar meu plano de saúde para não precisar. Se eu pensar na quantidade de amizades profundas que tenho hoje, tenho certeza que os amigos cuidariam de mim se eu estivesse com meu sistema biológico falhando”.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Amarcord



 
 















Ano:1973
Direção e Roteiro:Federico Fellini


Fotografia: Giuseppe Rotunno
Musica:Nino Rota
Duração:127 min.
Locação:Rimini e Estudio Cinecittá, Roma, Itália.
Elenco: Pupella Maggio, Armando Brancia e Magali Noel
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1976.
Bodil Festival 1975, Melhor Filme Europeu.
DVD:Criterion Collection, lançado em 1998.
 
Federico Fellini deixou o mundo em 1993 e atrás de si um legado cinematográfico de 23 ótimos filmes que realizou entre 1950 e 1980.
Dos filmes que realizou destacam-se "Estrada da Vida"(1954),"As Noites de Cabíria"(1957),"La Dolce Vita"(1960),"Boccacio"(1962),"Oito e Meio(1963),"Julieta dos Espíritos(1965),Satyricon(1969),"Amarcord"(1974),"Casanova"(1976),"LaNave Va"(1983),"Ginger e Fred"(1985),"Entrevista"(1987).
 
 
Amarcord foi feito no ápice de sua carreira , na graça do ano maravilhoso que foi 1973; e é um dos filmes mais delicados, bem humorados e fantásticos onde a poesia é um registro obrigatório em todo os fotogramas de um filme.
 
O tema da película é a cotidiano da vida humana e Fellini se tornou notável por produzir películas que tratavam deste tema com soltura, leveza , humor e crítica; questionando nossa condição emocional, sexual e política.
 
Amarcord é uma palavra do dialeto Emilico-Romano que significa Me Recordo. Neste filme, o diretor retratou suas memórias autobiográficas de um período de sua adolescência através do olhar de um rapaz chamado Totti em Rimini sua viela natal beira mar, no ano de 1930 quando o Fascismo de Mussolini começava a dominar a Itália.O filme descreve de forma deslumbrada, mas não exagerada, o relacionamento do rapaz com a viela, seu mundo e personagens que ao longo do filme vão se tornando mais e mais universais.
 
Esta é a magia que Fellini sempre empregou em seus filmes e em Amarcord consegue de forma sublime; colocando o espectador em situações de contento, admiração e prazer.Fellini como ninguém soube retratar o charme das pessoas.
 
O ponto inicial da película é o adolescente descobrindo o sexo e sexualizando suas relações. O filme começa com uma cena antológica que mostra numa noite um carro estacionado chacoalhando; dentro dele o rapaz e seus amigos se masturbando. Amarcord nos coloca numa trama simples do cotidiano da vila durante um ano e vai nos revelando a vida e os eventos de seus personagens como o padre severo, a louca da praia, o louco da cidade,as irmãs solteironas, a prostituta, o principe aristrocata, o comerciante, a mulher mais bonita da cidade , a comerciante gorda e outros que a câmera sempre mostra com distânciamento e delicadeza e que dão fluência peculiar filme.Há um personagem numa bicicleta que eventualmente e sempre ao fundo, quando surge, para diante da camara e começa a falar como se fosse com alguém que estivesse atrás da câmera, o espectador, e fala sobre o tempo ou sobre uma qualidade da vila Cria-se um clima surreal confortável.
 
A fotografia nesta película com movimentos sutis e lentos; e seu distanciamento provocam a sensação onírica no filme. Amarcord é um filme que conduz o espectador num embalo do começo ao fim. A musica circense de Nino Rota é elemento fundamental.
 
Cenas como a do silêncio total em torno de um pavão na borda de uma fonte congelada abrindo a sua cauda e das pequenas barcas a noite em alto mar levando os moradores da viela excitados esperando pela passagem de um Transatlântico, apenas para acená-lo são impossíveis de se esquecer depois de assistir a este filme.
 
Fellini foi um dos grandes da sua geração e talvez um dos últimos poetas cinematográficos destes tempos racionais que vivemos.
 
A sorte, no entanto, está ai em DVD; pode-se ainda ver Amacord e outras pérolas de Fellini e sonhar, sonhar ao som de uma sanfona numa canção de Nino Rota.
 

Fonte: No escurinho do cinema