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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Política anti-imigração: Barbarismo com aparência humana


Por Slavoj Žižek.
Traduzido do inglês por Leonardo Gonçalves.

Fatos recentes – como a expulsão dos ciganos da França, ou o ressurgimento do nacionalismo e do sentimento anti-imigração na Alemanha, ou o massacre na Noruega – devem ser vistos pelo viés de um rearranjo que vem ocorrendo há bastante tempo no espaço político da Europa oriental e ocidental.

Até recentemente, na maioria dos países europeus dominavam dois principais partidos que agregavam a maioria do eleitorado: um partido de centro-direita (democrata cristão, liberal-conservador, do povo) e um partido de centro-esquerda (socialista, social-democrata), com alguns partidos menores (ecologistas, comunistas) reunindo um eleitorado ainda menor.

Recentes resultados eleitorais na Europa ocidental e no Leste Europeu sinalizam o surgimento gradual de uma polarização diferente. Agora temos um partido predominante, de centro, atuando em prol do capitalismo global, geralmente acolhendo ideias culturalmente liberais (tolerância ao aborto, direitos dos gays, religiosos e minorias étnicas, por exemplo).

Em oposição a esses, tornam-se cada vez mais fortes os partidos populistas anti-imigração que, pelas beiradas, vêm acompanhados de grupos francamente racistas neofascistas. O melhor exemplo disso é a Polônia onde (após o desaparecimento dos ex-comunistas) os principais partidos são o liberal-centrista “anti-ideológico” do Primeiro Ministro Donald Tusk e o conservador Christian Law, e o Partido da Justiça dos irmãos Kaczynski.
Tendências semelhantes podem ser observadas, como já testemunhamos, na Noruega, na Holanda, na Suécia e na Hungria. Mas como chegamos a este ponto?

Após décadas de fé no estado de bem-estar social, quando cortes financeiros eram vendidos como temporários, e sustentados por uma promessa de que as coisas logo voltariam ao normal, estamos entrando numa época em que a crise – ou melhor, uma espécie de estado econômico de emergência, com sua necessidade de atendimento para todo tipo de medida de austeridade (cortando benefícios, diminuindo serviços de saúde e de educação, tornando os empregos mais temporários) – é permanente. A crise está se transformando num estilo de vida.

Depois da desintegração dos regimes comunistas, em 1990, entramos numa nova era na qual predomina a administração despolitizada de especialistas e a coordenação de interesses como exercício do poder de estado.

O único meio de introduzir paixão nesse tipo de política, o único meio de ativamente mobilizar o povo, é através do medo: o medo dos imigrantes, o medo do crime, o medo da depravação sexual ateia, o medo do Estado excessivo (com sua alta carga tributária e natureza controladora), o medo da catástrofe ecológica, assim como o medo do assédio (o politicamente correto é a forma liberal exemplar da política do medo).

Uma política assim se sustenta sobre a manipulação de uma multidão paranoica – a assustadora correria de homens e mulheres amedrontados. Eis porque o grande evento da primeira década do novo milênio se deu quando a política anti-imigração entrou para a prática corrente e cortou enfim o cordão umbilical que conectava-a com os partidos da extrema direita.

Da França à Alemanha, da Áustria à Holanda, no novo modelo de orgulho de sua própria identidade cultural e histórica, os principais partidos veem como aceitável insistir que os imigrantes são hóspedes que devem se acomodar aos valores culturais que definem a sociedade anfitriã – “este é o nosso país, ame-o ou deixe-o” é o recado.

Os liberais progressistas estão, é claro, horrorizados com esse populismo racista. Entretanto, uma olhada mais de perto revela o quanto compartilham sua tolerância multicultural e o respeito às diferenças com esses que opõem imigração à necessidade de manter os outros a uma distância apropriada. “O outro é bacana, eu o respeito”, dizem os liberais, “contanto que não interfiram demais no meu espaço pessoal. Quando fazem isso, eles me incomodam – eu apoio enormemente uma ação afirmativa, mas em momento algum estou disposto a ouvir rap a todo volume”.

A principal tendência dos direitos humanos nas sociedades do capitalismo tardio é o direito de não ser incomodado; o direito de manter uma distância segura em relação aos outros.

Um terrorista cujos planos fúnebres devem ser evitados permanece em Guantânamo, a zona vazia desprovida de regras da lei, e um ideólogo fundamentalista deve ser silenciado porque ele espalha o ódio. Pessoas assim são assuntos tóxicos que perturbam a minha paz.

No mercado atual, encontramos toda uma série de produtos despidos de suas propriedades malignas: café sem cafeína, creme sem gordura, cerveja sem álcool. E a lista continua: que tal sexo virtual, o sexo sem sexo? A doutrina Collin Powell de guerra sem casualidades – para o nosso lado, obviamente – como uma guerra sem guerra?

A redefinição contemporânea de política como arte da administração especializada, política sem política? Isto nos leva ao atual multiculturalismo liberal tolerante como uma experiência do Outro desprovida de sua alteridade – o Outro descafeinado.

O mecanismo dessa neutralização foi melhor formulado em 1938 por Robert Brasillach, o intelectual fascista francês, que via a si mesmo como um antissemita “moderado” e inventou a fórmula do antissemitismo razoável.
“Nós nos concedemos a permissão de aplaudir Charlie Chaplin, um meio-judeu, nos filmes; de admirar Proust, um meio-judeu; de aplaudir Yehudi Menuhin, um judeu; não queremos matar ninguém, nós não queremos organizar nenhum pogrom. Mas também achamos que o melhor meio de impedir as ações sempre imprevisíveis do antissemitismo instintivo é organizar um antissemitismo razoável”.

Não seria esta a mesma atitude que entra em funcionamento quando nossos governantes lidam com a “ameaça imigrante”? Após rejeitar diretamente, à moda da direita, o populismo como “irracional” e inaceitável para nossos padrões democráticos, eles endossam “racionalmente” as medidas de proteção racistas.

Ou, como Brasillachs atuais, alguns deles, mesmo os social-democratas, nos dizem: “Concedemos a nós mesmos permissão para aplaudir atletas da África e do Leste Europeu, doutores asiáticos, programadores de softwares indianos. Nós não queremos matar ninguém, não queremos organizar nenhum pogrom. Mas também achamos que o melhor meio de impedir as sempre imprevisíveis e violentas medidas de defesa anti-imigração é organizar uma proteção anti-imigração razoável.”

Essa ideia de desintoxicação do vizinho sugere uma passagem do franco barbarismo para o barbarismo com uma aparência humana. Revela que estamos saindo do amor ao próximo cristão e caminhando de volta para os privilégios pagãos de nossas tribos em detrimento do Outro, bárbaro. Mesmo que esteja sob a máscara da defesa de valores cristãos, esta é a maior ameaça ao legado cristão.
***
Texto publicado originalmente em ABC – Religion and Ethics, dia 26 de julho de 2011.
Fonte: Blog da boitempo

Fora do lugar

*Tory Oliveira
O computador chegou às escolas públicas, mas fica longe das classes e deixa professores inseguros.Foto: Ana Carolina Fernandes/Folhapress

Todas as escolas públicas estaduais e municipais estão equipadas com ao menos um computador, 92% dos quais com acesso à internet. Mas, apesar de ter chegado às instituições de ensino, a tecnologia está longe da maioria das salas de aula e, pior, é vista como intimidadora por boa parte dos professores. A revelação é de uma pesquisa inédita conduzida pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br), órgão do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que envolveu 1.541 professores, 4.987 alunos, 497 diretores e 428 coordenadores pedagógicos de 497 escolas de todas as regiões do País.

Entre os entraves para o uso e a apropriação das novas tecnologias, o estudo indica o número insuficiente de equipamentos por aluno, a baixa velocidade da conexão e o próprio contexto do professor (muitas vezes sobrecarregado e mal capacitado). “A infraestrutura chegou à escola, mas precisa avançar”, avalia Juliano Cappi-, coordenador- de pesquisas do Cetic.br.

Das instituições, 81% possuem laboratórios de informática e apenas 4% têm computadores instalados na sala de aula. Contudo, é nela que acontecem 18% dessas atividades. Ou seja, há, segundo o pesquisador, uma “demanda reprimida” dos docentes pela presença da tecnologia nas classes. Apesar de reconhecer a importância dos laboratórios, Cappi faz a ressalva de que talvez seja a hora de reavaliar tal política.

A insegurança ao lidar com a tecnologia foi um fator mencionado por grande parte dos professores de português e matemática (perfil escolhido para participar da pesquisa). Ainda que 90% deles possuam computador em casa e 41% levem o equipamento pessoal para a escola, mais da metade (64%) sente que os alunos dominam melhor as ferramentas. Outros 24% afirmam que não sabem o suficiente para usar a máquina na aula e 15% têm receio de utilizar a internet de modo geral.

A questão geracional ainda conta: 84% dos professores em atividade hoje na Educação Básica não são nativos digitais, apesar de 48% terem feito cursos específicos de informática. “O professor percebe que sua habilidade ainda pode melhorar”, explica Cappi. “O docente passou 30 anos trabalhando com lousa e giz, ele precisa ter tempo para pesquisar, discutir, preparar aulas e começar a incorporar novas iniciativas”, opina o pesquisador.

Apresentados à Secretaria de Educação Básica do MEC em agosto, os dados da pesquisa – que na próxima edição deverá incluir escolas particulares – devem servir de base para a construção de novas políticas públicas. Todos os dados estão em http://cetic.br/educacao/2010/.

*faz jornalismo na Cásper Líbero e é repórter das revistas Carta na Escola e Carta Fundamental.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Tornando educadores líderes da transformação na escola

*Helena Singer

A agenda da educação vem ganhando urgência no debate político mundial e, com ela, o reconhecimento da necessidade de transformação da estrutura obsoleta de todo o sistema. Alguns localizam nas empresas privadas o modelo a ser seguido, outros esperam das universidades a orientação dos processos, muitos depositam nos governos a expectativa da criação das bases que os possibilitem. Mas, o fato é que qualquer projeto de transformação das escolas dependerá necessariamente da liderança dos educadores.

Não são poucas as tarefas à espera do educador neste novo século. Mas, como formá-lo para assumir este lugar? Como formar professores e diretores hoje para que transformem as escolas no que elas precisam ser no século XXI? Os professores formados na estrutura obsoleta ainda vigente precisam transformar, acima de tudo, suas visões e atitudes. A primeira visão a ser transformada é em relação a sua própria capacidade de ser um bom professor, de adotar uma inovação pedagógica de qualidade. Os educadores precisam primeiro confiar em si para depois poderem confiar na humanidade, na capacidade de todos os seres humanos de se desenvolver e na capacidade da escola para apoiar este processo. O objetivo final a ser atingido é uma escola como um ambiente inclusivo, de confiança e acolhimento, em que as relações humanas estão no centro e a aprendizagem significativa e duradoura é resultado de tudo isso. Certo é que se o objetivo a ser atingido é este, o modelo empresarial que propõe rankings baseados em avaliações episódicas de desempenho em provas e bonificação por mérito não é o modelo a ser seguido. A inovação pela qual a escola precisa passar deve ser liderada por professores experientes, apoiados pela direção, e envolvendo os estudantes, os funcionários e a comunidade.

A lógica do gestor que forma uma equipe imbuída de uma grande tarefa é apostar na capacidade de seus profissionais, oferecendo-lhes as condições necessárias e auxiliando na superação dos obstáculos. Ao contrário, os programas que obrigam professores a usarem apostilas e que medem o seu desempenho com base no rendimento dos alunos em provas teste apostam na incapacidade dos professores, os incumbem de tarefas bem limitadas, não lhes oferecem os recursos necessários e colocam vários obstáculos em seu caminho. Inverter esta lógica passa necessariamente pela transformação nos modos de recrutar, orientar, remunerar e avaliar educadores e diretores.

A docência é uma das profissões mais isoladas na atualidade. Enquanto nos outros ambientes de trabalho crescem em importância os processos colaborativos, na sala de aula, o professor está sozinho, não é parceiro das dezenas de estudantes a sua frente nem dos colegas que estão nas outras salas, também isolados diante de seus alunos. Para transformar esta cultura, é preciso criar um processo de base. Medidas verticais, impostas de cima para baixo, não conseguem transformar culturas.
No Plano Nacional de Educação (PNE) para o período de 2011 a 2020, construído nos dois anos anteriores durante as conferências municipais e estaduais e na Conferência Nacional de Educação, uma das estratégias previstas é o “programa de acompanhamento do professor iniciante”. Este propõe que o iniciante seja “supervisionado por profissional do magistério com experiência de ensino, a fim de fundamentar, com base em avaliação documentada, a decisão pela efetivação ou não-efetivação do professor ao final do estágio probatório.” Se não for burocratizada, esta estratégia pode ter bons resultados. Em outros países, existem programas de formação de educadores em serviço, como residência, por um ano, que organizam grupos pequenos de educadores recém-formados, cada um deles liderado por um educador mais experiente que, inclusive, pode entrar em suas aulas para auxiliá-los no que for necessário. Estes programas por vezes incluem também estímulos aos educadores que mais inspiram colegas para se tornarem diretores.

Não raro programas assim provocam rivalidade com as faculdades de educação. Mas é inquestionável a importância que a formação universitária pode ter no trabalho dos educadores. No PNE, uma das estratégias previstas é a reforma curricular dos cursos de licenciatura de forma a assegurar o foco no aprendizado do estudante. Algo um tanto genérico, mas que pode inspirar processos colaborativos entre universidades e escolas que criem programas de formação de educadores em serviço baseados em pesquisas consistentes que ajudem a definir um processo claro, estratégico e bem planejado. O PNE acerta ao e criar a estratégia de prever, nos planos de carreira dos profissionais da educação, licenças para qualificação profissional em nível de pós-graduação.

A avaliação dos docentes, para ser construtiva, deve se restringir a seu aprimoramento profissional, sem implicar premiações ou punições. As avaliações de professores por meio de provas de conhecimentos ou com base nos resultados obtidos por seus alunos em outras provas em nada contribuem para melhorar o ensino, servem apenas para desmoralizar os professores. No lugar destas avaliações verticais, há experiências com processos avaliativos pelos pares a partir de técnicas que promovem a colaboração e a construção coletiva de melhores desempenhos. Os estudantes também devem avaliar os educadores, colaborando ao apontar pontos positivos e pontos a serem melhorados.

Quando os educadores são avaliados pelos estudantes e os coordenadores são avaliados pelos educadores, cria-se uma cultura de aprimoramento contínuo. E todo o processo depende da liderança legítima de diretores comprometidos. A cobrança sobre diretores em relação a resultados dos estudantes em provas limita sua atuação a de gerenciamento, impedindo-os de assumirem a liderança de processos de efetiva transformação escolar. A possibilidade de diretores liderarem estes processos depende diretamente de terem maior autonomia sobre orçamento e estrutura da escola, para poderem assumir maior responsabilidade pelos resultados alcançados.

Para tornar diretores lideres, além da formação, da avaliação e da autonomia, é preciso refletir sobre a forma de selecioná-los – há muitas possibilidades hoje em dia, e certamente as melhores são as que combinam eleição pela comunidade com avaliações sobre seu aprimoramento profissional.

No PNE, a meta relativa à direção da escola é garantir a nomeação comissionada de diretores vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar. Melhor seria a determinação de eleições diretas de diretores, mas a garantia da participação da comunidade escolar no processo já é um ganho.
A liderança dos processos de transformação pelos quais a escola precisa passar não cabe mais a uma só pessoa ou um só segmento. Um projeto com tal complexidade e magnitude depende de uma equipe gestora articulada com lideranças da comunidade e com autonomia responsável, parcerias com universidades e compromissos expressos do governo.
*socióloga com pós-doutorado em Educação, é diretora pedagógica da Associação Cidade Escola Aprendiz.
Fonte: Portal do Aprendiz

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Instituição francesa tem de enfrentar colonialismo para dar honoris causa a Lula

Ao receber o título de doutor "honoris causa" da nesta terça-feira (27), em Paris, Lula foi o primeiro latino-americano agraciado pela Sciences Po (Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

Por: João Peres, Rede Brasil Atual

Diretor da Sciences Po é obrigado a lembrar aos que se indignam com o passado não acadêmico do ex-presidente que ele foi votado pelos brasileiros em eleições democráticas, e que mudou "o curso das coisas"

São Paulo – Richard Descoings, diretor da instituição que teve a ousadia de dar o título de doutor honoris causa a Luiz Inácio Lula da Silva, precisou passar por uma saraivada de críticas de indignados cidadãos que não se conformam com a decisão.
Em uma reunião realizada esta semana em Paris, Descoings, da Sciences Po, foi submetido a um interrogatório digno de um diálogo entre casa-grande e senzala, segundo registra o jornal argentino Página 12. O Instituto de Estudos Políticos de Paris resolveu conceder a Lula o 16º título honoris causa em 140 anos de história, o primeiro a um latino-americano.

Segundo o repórter Martín Granovsky, a primeira pergunta foi sobre como se pode premiar alguém que se orgulha de nunca ter lido um livro. Neste momento, Descoings olhou assombrado, lembrou que esta suposta fala de Lula não consta de registros oficiais e lembrou que o certo é que o ex-presidente não tem título universitário.
A seguinte questão foi sobre o porquê de premiar um presidente “que tolerou a corrupção”. “Veja só, a Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entram em análises morais, nem se conduzem conclusões precipitadas. Deixe para o balanço histórico este assunto (…) Que país pode medir moralmente a outro? Se não queremos falar destes dias, recordemos como um alto funcionário de outro país teve de renunciar por ter plagiado a tese de doutorado de um estudante”, afirmou, em referência a Karl-Theodor zu Guttenberg, ex-ministro da Defesa da Alemanha.

Questionaram ainda como o instituto poderia premiar a alguém que chamou por irmão a Muamar Khadafi, ex-presidente da Líbia. “Não desculpamos nem julgamos. Simplesmente não damos lições de moral a outros países”, apontou.

A historiadora argentina Diana Quattrocchi Woisson, que dirige o Observatório sobre a Argentina Contemporânea em Paris e que organizou o encontro, interveio para questionar quem havia comprado de Khadafi suas armas e que país refinava seu petróleo, além de comprá-lo – por sorte, registra o Página12, não foram citados nome e sobrenome de França e Itália.

Para Descoings, o honoris causa a Lula se deve a destacar “ao homem de ação que modificou o curso das coisas”, e que o intuito é reforçar a ideia de que os seres humanos não estão divididos entre “uns ou outros”, mas se compõe como “uns e outros”. “O mundo se pergunta tudo. E temos de escutar a todos. O mundo não sabe sequer se a Europa existirá no ano que vem”, argumentou o diretor da Sciences Po.

Um jornalista brasileiro presente à conferência perguntou, com ironia, se o honoris causa a Lula fazia parte das políticas de cotas do instituto. “As elites não são somente escolares ou sociais”, observou, com paciência, Descoings. “Os que avaliam quem são os melhores são os outros, e não os que são iguais a alguém. Se não, estaríamos frente a um caso de elitismo social. Lula é um torneiro mecânico que chegou à Presidência, mas, segundo tenho entendido, foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas.”

Clique aqui para acessar a íntegra do discurso de Lula
http://www.icidadania.org/wp-content/uploads/2011/09/discurso-lula-sciences-po-27-09-2011.pdf

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Linha dura é receita da 1ª colocada pública regular de SP no Enem

“Na minha escola não tem boné, celular e aluno matando aula”, diz diretora de colégio municipal de Taubaté

Depois, aparecem as públicas fora da rede comum, como as técnicas profissionalizantes e as ligadas a universidades. Os dois tipos se intercalam até a posição 640, quando aparece a primeira pública regular: a Escola Municipal José Ezequiel Souza, em Taubaté.

Consulte a nota de todas as escolas e o ranking das melhores e piores no exame

Ao ser informada do resultado pelo iG, a diretora Maria Aparecida Franco Moreira reagiu com uma meiguice que contrasta com a linha dura que adota. “Foi o melhor presente que recebi em 30 anos de carreira”, disse, resumindo sua receita em seguida: “Voz firme e exemplo”.

Convidada pela secretaria municipal de Taubaté a assumir a unidade há 11 anos, segundo ela própria “por sua fama”, ela conta que a unidade nem sempre teve sucesso. Apesar de receber os melhores alunos da rede municipal no último ano do fundamental, a instituição trabalha com todas as salas acima de 40 alunos e o ensino médio é noturno. "A diferença é o compromisso e a disciplina", diz.

“Aqui nós temos professores que vestem a camisa da Educação e, além da questão pedagógica, estamos sempre atentos à disciplina”, conta. Quem “sai da linha” vai para a sala dela – seja estudante ou professor. “Vocabulário, por exemplo, professor tem que ter auto-controle, não pode chamar aluno por apelido”, diz.
Para qualquer incidente, a escola faz boletim de ocorrência, abreviado lá, como nas delegacias, por BO. “É tudo xerocado e passado para pai, aluno, professor e direção, com isso a gente conversa e toma providências. Às vezes, até convido o aluno a se afastar um dia para pensar. Suspender não pode, mas eu convido”, conta.

Os pais são chamados frequentemente à escola para conversar sobre o comportamento dos filhos. “Semana passada, recebi 15 e um deles vai assistir à aula ao lado do filho a partir de segunda-feira”, afirma. “Os pais também sabem que podem contar com a gente. Outro dia um adolescente chegou em casa e disse para a mãe que não teve aula porque só tinha três alunos. Ela ligou para cá para confirmar e pedi que voltasse com ele para contarmos pessoalmente. Então, fomos até a porta da sala e disse: conte rapaz.”

Faltas são reprimidas com prova. Se Maria Aparecida descobre, por exemplo, que alguém marcou festa de aniversário em dia de semana, agenda os exames para os três dias seguintes. “Outra coisa que não existe na minha escola é parede (aluno faltar na sexta para emendar com o fim de semana). Nós marcamos todas as provas para sexta-feira”, diz. “Também não deixo usar boné e celular, coloco recados da proibição pelas paredes e na porta da secretaria, para os pais verem enquanto esperam.”
Segundo ela, o resultado vem no final de cada ano. “A recompensa vem no vestibular. Os alunos passam nas melhores faculdades.”
Fonte: Portal iG

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Projeto quer preparar Judiciário para cobrar qualidade de ensino

Promotores de Justiça e defensores públicos serão capacitados para exigir dos governantes cumprimento de direitos dos estudantes

Se, no início da década, as principais ações judiciais relacionadas à educação se resumiam à falta de vagas nas escolas, atualmente, o desafio do Judiciário é trabalhar na garantia de mais qualidade na oferta de ensino. O tema foi discutido... no Congresso Internacional Educação: uma Agenda Urgente, que acontece (u) em Brasília.(...)

Projeto anunciado durante o evento pretende qualificar os integrantes do Judiciário sobre os marcos legais da educação brasileira e levar à instância judicial o debate da garantia do direito à educação. A iniciativa é do movimento Todos pela Educação e da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP)

Em geral, quem atua quando o direito à educação de uma criança ou jovem é violado é o Ministério Público, que encaminha ao Judiciário ações cobrando o cumprimento desses e outros direitos. Por isso, a mobilização do Poder Judiciário pode ser uma ferramenta importante para cobrar dos governos a melhoria do ensino nas diferentes etapas, conforme observa a diretora executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz.
“Quando pensamos nos atores responsáveis pela qualidade da educação, temos clareza, logo, de quem é o Poder Executivo – MEC e secretarias de Educação – e o Legislativo, que, neste momento, está discutindo o Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional. Mas se pensa muito pouco no Judiciário e ele é igualmente importante na garantia do direito”, disse Priscila.

A ABMP já havia trabalhado pela capacitação de 3 mil promotores de Justiça sobre o marco legal da educação, em 2001. Agora, a associação e o movimento Todos pela Educação trabalham para definir de que forma se dará a capacitação dos promotores de Justiça e defensores públicos. É possível que se usem tecnologias de educação à distância, além de publicações específicas que possam orientar o trabalho dos operadores do sistema de Justiça brasileiro.

Para Luiz Antônio Ferreira, promotor de Justiça de São Paulo e representante da ABMP, o importante é levar à discussão aos ministérios públicos. Uma das dificuldades, segundo ele, é definir parâmetros claros do que é a qualidade da educação para permitir uma ação mais precisa da Justiça. “A Justiça cada vez mais está sendo chamada para discutir os problemas da educação. Essa evolução implica em atuar na questão da qualidade da educação e essa discussão não existe hoje no Judiciário”, aponta.

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) já organizou um livro com a principal jurisprudência da área educacional – desde a creche até o ensino superior – para orientar o trabalho dos promotores.

Do outro lado, gestores de pequenas cidades dizem, muitas vezes, estar de mãos atadas. A secretária de Educação de Santa Cruz do Capiberibe (PE), Maria do Socorro Maia, por exemplo, alega que os municípios são cobrados pelo Ministério Público, mas, quase não têm condições de atender às demandas apresentadas. “Todas as leis se efetivam é no município. É lá que tudo acontece. Mas, ao mesmo tempo em que a lei é criada, não chegam recursos para que ela seja implementada”, ponderou.

A diretora do Todos pela Educação reiterou que a intenção, ao capacitar integrantes do Judiciário, não é judicializar a educação, mas prevenir os litígios. “O litígio não beneficia ninguém. A intenção não é punir, mas responsabilizar”, disse Priscila. O promotor Luiz Antônio Ferreira também afastou a possibilidade de litígio entre prefeituras e o Ministério Público. Ele disse que é importante que secretarias de Educação estaduais e municipais encarem o Ministério Público como parceiro.
Fonte: Portal iG

domingo, 25 de setembro de 2011

“Escola deve ensinar alunos a enfrentar riscos”, diz pesquisador

Professor da Universidade de Harvard, Fernando Reimers teme que a escola atual prepare jovens para passado e não futuro

“Educar para quê?” A pergunta – apesar de básica, muitas vezes esquecida – deveria ser feita para nortear as decisões sobre o que deve ser ensinado em sala de aula. Essa é a opinião de Fernando Reimers, diretor do Programa de Política Educacional Internacional da Universidade de Harvard e professor da Educação Internacional da Fundação Ford.
“Para a vida”, responde de forma enfática o mesmo especialista em políticas educacionais que participou nesta quarta-feira, dia 14, de debate no Congresso Internacional “Educação: uma agenda urgente”, promovido pela organização Todos pela Educação, em Brasília. Isso significa “perceber que o contexto dos estudantes muda ao longo do tempo e rápido e que as metas mais importantes em educação são de longo prazo e difíceis de medir”, segundo ele.


O professor critica a falta de exposição dos estudantes a problemas reais e de estímulo para que eles usem a imaginação para criar alternativas para eles. O especialista, que participou de debate para discutir expectativas de aprendizagem, afirma que o ensino ainda prioriza o desenvolvimento de habilidades individuais em detrimento do trabalho em equipe, a capacidade de compreensão e não de expressão e transformação.

“Corremos o risco de preparar jovens para uma sociedade do passado e não de futuro. O mais importante que a escola pode ensinar às pessoas é enfrentar riscos. Nós só preparamos os alunos para o sucesso. Precisamos prepará-los para aprender com o fracasso e com os erros”, defende. Reimers acredita que a criatividade e a imaginação precisam estar no centro do processo de aprendizagem para que os jovens consigam lidar com as mudanças da sociedade.

Adepto da filosofia de menos teoria e mais prática, o pesquisador de Harvard falou a uma platéia de mais de 100 educadores brasileiros sobre a necessidade de diminuir a “contemplação” nas aulas. “A educação, em geral, contempla muito a realidade, fala e teoriza sobre ela, mas tem pouca ênfase pragmática. A capacidade de utilizar o conhecimento para criar e transformar a sociedade, como defendia Anísio Teixeira há quase 70 anos, deve ser uma premissa da escola”, diz.

De acordo com o professor, os estudantes precisam ser formados não só para aprender conteúdos, mas também desenvolver habilidades “cívicas e cidadãs”. “Eles precisam ser agentes de mudança da sociedade em que vivem, nacional e global. Para isso, uma educação baseada em projetos pode ser uma boa saída. Há muitas experiências sendo desenvolvidas por aí e é preciso criar um sistema para compartilhá-las”, pondera.

Avanços no Brasil

Estudioso da situação educacional brasileira, Reimers acredita que o País evoluiu nos últimos 15 anos. Ele atribui as mudanças à percepção de que a educação é um problema de toda a sociedade, às tentativas de avaliar resultados educacionais e a profissionalização da educação. Na opinião do professor, é preciso, agora, dar mais atenção à formação dos professores e desenvolver um currículo escolar de qualidade.

A definição dessas expectativas sobre o que deve ser ensinado nas salas de aulas do País, segundo Reimers, não deve ser feita a partir dos indicadores de qualidade apenas. “O Brasil fez um esforço para desenvolver instrumentos de avaliação de qualidade e construir uma cultura de transparência, mas é bom lembrar que há coisas mais fáceis de avaliar em sistemas do que outras. Esse tipo de prova nacional costuma olhar um baixo nível de habilidades cognitivas em algumas áreas e não todas. É preciso conhecer as limitações dos sistemas”, afirma.

Ele defende metas mais “ambiciosas” para a educação, em que as competências cognitivas sejam desenvolvidas nas crianças e adolescentes junto com habilidades científicas, tecnológicas e sociais. “Falta também uma concepção de que os alunos podem saber mais do que os professores em certos temas. É preciso criarmos uma rede onde os alunos possam ensinar a si mesmos e ensinar ao professor. Isso é parte da realidade contemporânea”, diz.
Fonte: Portal iG

sábado, 24 de setembro de 2011

Quando a floresta é a sala de aula

Entrada da Escola da Floresta.

Nada de salas fechadas, giz ou quadro negro. Pelo menos em um dia por ano, a experiência de estudantes do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental da rede de ensino público municipal de Santarém, além de alunos de outras instituições, educadores e universitários, muda completamente. Eles têm a possibilidade de sair do ambiente “cinza” do concreto urbano para aprender em meio ao verde da natureza, a céu aberto. Seu destino é a Escola da Floresta, coordenada pela Secretaria Municipal de Educação e Desporto de Santarém, em funcionamento desde junho de 2008. O espaço ecológico está localizado em uma área de 33 mil hectares, cedida pelo Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), em Alter do Chão, às margens do Rio Tapajós, que fica a 26 quilômetros da cidade.

Com vegetação de mata secundária e o terreno em processo de revitalização, a experiência demonstra como é possível dar destinação socioambiental a locais que anteriormente sofreram extração da mata nativa. É um exemplo interessante e simbólico, especialmente em 2011, que é o Ano Internacional das Florestas, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Nesse contexto, a educação ambiental ganha um reforço prático, ao propor o empoderamento dos estudantes, que veem na Casa de Farinha Artesanal, na horta, no viveiro, no apiário e nas trilhas, ligações próximas com as histórias de vida de suas famílias, pois muitos são filhos, netos ou bisnetos de ribeirinhos e caboclos. O reencontro com as próprias raízes faz toda a diferença no processo de aprendizado, como observa Clarice Rebelo da Silva, coordenadora pedagógica da escola.

A atmosfera caseira fica evidente logo na entrada da Casa de Farinha Artesanal, com seus artefatos de madeira e bacias, réplicas do que existe ainda em muitas comunidades rurais. Nesse cenário, olhos e ouvidos ficam atentos às lições ensinadas pela “gente da terra”. “Com um ano e meio de cultivo do roçado da maniva, surge a mandioca, que gosta de ambiente com chuva, parte de nosso clima tropical úmido. É dela que tiramos a nossa farinha, que não pode faltar à mesa”, conta a educadora ambiental Graciede Pedroso, 49, responsável pela produção local.

Nesse processo um tanto trabalhoso, nada é desperdiçado, o que infere que a sustentabilidade está inserida também em métodos considerados rudimentares. Dependendo do tipo da mandioca, é extraído o tucupi (parte líquida), além de um líquido que serve como repelente e para o controle de formigas. A famosa mandioca brava é destinada à fabricação de farinha. O que a diferencia é a raiz mais forte e de tom amarelo e com casca difícil de soltar. Já a macaxeira, utilizada para diferentes alimentos, tem caule escuro, folhas claras, e sua casca desprende com maior facilidade. Quem explica este processo é Joelson Pedroso Queiroz, 36 anos, técnico agrícola, filho de agricultores locais. Em exatamente três dias, ele diz ser possível produzir até 70 quilos de farinha. São 72 horas de muito esforço, geralmente feito sob calor intenso. “Ela é consumida pelos alunos ao se transformar em beijucica, bolo de macaxeira e tapioca. Com as folhas, ainda é feita a manissoba, outra comida típica paraense.”

“Com essa experiência, mostramos a importância da agricultura familiar, porque muitas pessoas deixaram de cultivar a terra. Em muitas ocasiões, os adolescentes ficam emocionados, pois relembram histórias de vidas de seus familiares. É uma forma de sensibilização ambiental”, diz a coordenadora pedagógica Débora Pereira.

Riqueza por trás da vegetação

A horta e o viveiro cultivados na Escola da Floresta destacam uma pequena amostra do que é a biodiversidade amazônica. Um aspecto interessante neste trecho é a fusão dos conhecimentos científicos com os populares. “Na parte medicinal, temos a hortelã e a japana, indicadas para dor de estômago; a esturaque, que facilita a expectoração, e a artemísia, utilizada no caso de varizes”, conta Graciede.

Para muitos, nomes tão peculiares como os dessas plantas talvez soem como algo estranho, mas para os amazônidas elas fazem parte do cotidiano. É o caso, por exemplo, da planta medicinal crajiru, indicada para o auxílio no combate a casos de dengue, malária e anemia, segundo os ribeirinhos. Já a fruta noni é utilizada para a produção de sucos fortificantes. Com certeza, um dia se torna pouco para aprender sobre tantas variedades, mas aguça a curiosidade a respeito dessas plantas, que muitas vezes estão, literalmente, no “quintal” dos moradores, que é a própria floresta.

Mais adiante, o visitante chega ao viveiro, que é resultado de pesquisa etnográfica, como explica o técnico agrícola Célio Malcher, 55. Segundo ele, a proposta é demonstrar como o vegetal emerge à custa de muito trabalho nessa região do país. “Achar que é só jogar a semente e que tudo frutifica é um mito. Adotamos a agricultura orgânica, que tem no esterco a fonte de nitrogênio. Estamos fazendo ensaios com esterco de aves e mistura com casca de arroz. Fugimos dos agroquímicos”, explica.

A poucos metros dali, outro destaque é uma área dedicada a pesquisas fitoterápicas. Lá está instalada a estufa do Projeto Farmácia Viva, coordenado pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). E, depois de passar por essa aula “verde”, os estudantes seguem para uma experiência literalmente mais doce: o meliponário, outro projeto desenvolvido na Escola da Floresta, com abelhas nativas. “Elas têm, na verdade, o ferrão atrofiado; por isso, são indicadas para atividades de educação ambiental. A proposta é explicar que a criação delas pode ser uma fonte de renda para o agricultor. Ao mesmo tempo, têm um papel importante no ciclo de vida da floresta”, diz Clarice.

Nessa programação variada, há espaço ainda para trilhas em meio à mata, como também na beira do Lago Verde de Alter do Chão, que margeia a área. Nessa etapa, os alunos recebem orientações sobre a importância das matas ciliares, do consumo consciente e da destinação correta do lixo, para evitar a contaminação das águas. Outro capítulo vivenciado pelos estudantes é a visita à Casa do Seringueiro, em homenagem a Chico Mendes, que estava em fase de reforma, no fim do ano passado, para reabrir neste ano letivo.

Depois desse contato próximo à natureza, os alunos da rede municipal têm um espaço na Escola da Floresta reservado para revelar o seu aprendizado e as impressões sobre tudo que observaram durante o dia. É o momento em que participam de gincanas ambientais e culturais, concursos de desenho, de paródias, poesias, entre outras atividades.

E, claro, o aprendizado não para por aí, segundo a coordenadora Clarice Rebelo Silva. “A proposta é que os educadores trabalhem de maneira transversal na sala de aula com o conhecimento obtido na prática. Entre as diferentes narrativas feitas por professores, alguns dos resultados são a criação de jardins nas escolas com o auxílio dos estudantes, como também da experiência levada por eles para casa, com o cultivo de hortas caseiras.” São aprendizados que não só os alunos, mas todos que participam da Escola da Floresta levam para sempre.
* Publicado originalmente pela Revista Fórum, edição 98, de maio de 2011.

Política de inclusão das pessoas com deficiência avançou

Lei de Cotas e incentivo à educação são ferramentas para inserção no trabalho

No dia 21 deste mês, celebrou-se o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência. Apesar de ainda existir um longo caminho para a inclusão plena deste público na sociedade, algumas conquistas já podem ser comemoradas.

Para Vinicius Garcia, economista e pesquisador da Facamp (Faculdades de Campinas), que ficou tetraplégico em consequência de uma lesão medular, as últimas décadas registram avanços importantes, tanto na percepção da sociedade sobre a temática da deficiência como na conquista de direitos.Foto: Danilo Chamas / Fotomontagem iG sobre SXC


Mudanças na regulamentação trouxeram avanços importantes para o acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho

“Em 2008, o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos das da Pessoa com Deficiência - aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas - e deu a ela status de emenda constitucional, o que significou um importante instrumento para o aperfeiçoamento da legislação nacional. Reconhecer tais conquistas, porém, não significa que já atingimos uma situação ideal, pois ainda existe muito a ser feito”, afirma Garcia.

Conquistas

Flavio Gonzalez, gerente de Processos de Inclusão da Avape (Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência), concorda que nos últimos 20 anos o tema da inclusão evoluiu.

“A década de 90 trouxe avanços mais legislativos do que práticos, mas que foram fundamentais. A Constituição de 1988, e o reconhecimento dos direitos inerentes à pessoa , passaram a orientar diversas ações no combate à exclusão e discriminação.

Em 1989, aprovou-se a lei 7.853, que caracterizou a discriminação ao trabalho da pessoa com deficiência como crime. Dois anos depois, em 1991, foi aprovada a Lei 8.213, a chamada Lei de Cotas, que, a exemplo do que acontece em inúmeros países, criou metas obrigatórias de contratação para empresas com 100 ou mais funcionários”, relata Gonzales.

O gerente acrescenta que, a partir do ano 2000, essas ferramentas legais passaram a surtir efeito prático, sobretudo após sua regulamentação pelo Decreto 3.296. “Com isso, até o momento mais de 300 mil pessoas ingressaram no mercado de trabalho em todo o país, o que é um avanço, mas cabe dizer que estamos ainda muito longe de resolver o problema”, afirma.

Trabalho e preconceito

Em sua tese de doutoramento pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Garcia aborda o tema da inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Em sua pesquisa, um dos principais obstáculos que esses profissionais enfrentam ainda é a desinformação, e até preconceito, de muitos empregadores.

Era o que sentia na pele o engenheiro Walter Pimentel, de 46 anos, todas as vezes em que buscou um trabalho. Ele tem atrofia no membro inferior direito, o que o obriga a usar uma muleta para andar. “Certa vez, ao fazer uma entrevista de trabalho, deixei a muleta no meu colo. O empregador não viu. Conversamos bastante e ficou tudo acertado para eu começar a trabalhar na semana seguinte. Quando me levantei para ir embora e ele viu que eu usava muletas, senti que quase voltou atrás. Felizmente, não chegou a fazê-lo”, conta.

Pimentel, que hoje é engenheiro eletricista de Furnas, foi contratado com base na Lei da Cotas. Ele diz que a realidade da pessoa com deficiência é muito dura. “O preconceito existe. Sou engenheiro e técnico, mas não posso atuar em diversos cargos. Por exemplo, não posso estar embarcado em uma plataforma de petróleo, porque alguém escreveu em algum lugar que pessoas com limitações físicas não podem trabalhar ali. Conheço minhas limitações, mas sei também das minhas competências”, afirma.

Novo olhar

Para Gonzales, da Avape, os direitos das pessoas com deficiência representam os direitos de todos. “Afinal, a cada 100 brasileiros, 14 têm deficiência. Aqueles que hoje não têm, poderão ver sua condição ou de um ente querido mudar amanhã. A deficiência é algo muito próprio da condição humana, uma possibilidade, entre tantas, sempre possível na vida de cada pessoa, de cada família.”

Gonzales espera que a sociedade aproveite o No Dia Nacional da Pessoa com Deficiência, 21 de setembro, para refletir e aprender a olhar para qualquer pessoa reconhecendo nela o potencial e capacidade de que é dotado cada ser humano, e não para sua condição física, sensorial ou intelectual como limites intransponíveis para uma vida produtiva e capaz de realizações.
Fonte: Portal iG

domingo, 18 de setembro de 2011

Letras em linhas tortas

Polêmica em torno da abolição do ensino de letra cursiva parte de desconhecimento do que é relevante para a alfabetização.
Clarice Cardoso
Foto: Danilo Verpa/Folhapress

Nos EUA, disseram que os americanos vão escrever de modo “infantil”. No Brasil, chamaram educadores às ruas caso tal medida chegasse ao País. Tudo porque o estado de Indiana tornou opcional o ensino de letra cursiva. Nos próximos anos, ela deve ser banida em definitivo, algo que pode ser seguido por outros 40 estados.
Polêmica em torno da abolição do ensino de letra cursiva parte de desconhecimento do que é relevante para a alfabetização.

Defensores da proposta argumentam que as comunicações por celulares e computadores tornaram quase desnecessário escrever com papel e caneta. Mas críticos veem nisso algo como um assassínio cultural em massa. Um exagero como a polêmica que envolveu o livro Por uma Vida Melhor, de Claudio Bazzoni, acusado de ensinar a “falar errado”, avalia Luiz Carlos Cagliari, professor da Unesp de Araraquara.

Isabel Frade, professora da Faculdade de Educação e pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da UFMG, diagnostica uma falta de análise mais aprofundada do que é relevante na cultura escrita. “Não podemos defender o ensino só por tradição, mas, sim, pensar se existe uma prática social em que ele se sustenta.”

Para ambos, a letra cursiva não é um fator essencial para a alfabetização. Cagliari, porém, é categórico ao determinar que ela não deve ser ensinada até que o aluno saiba ler. “A escrita da escola, além de ser cursiva, é manuscrita e concatenada. E, por ser concatenada, achamos problemas específicos na alfabetização.” Isso porque diferenciar os caracteres de uma palavra “na letra da professora” pode ser mais complicado para quem está sendo alfabetizado.
Frade avalia que mais importante que o formato é a legibilidade. Mas pondera: “Se pararmos de ensinar letra cursiva, os alunos vão dar conta de textos de gerações anteriores?”

A despeito das diferenças socioeconômicas e culturais que separam as escolas brasileiras das americanas, Cagliari diz não ver problemas no uso de computadores na alfabetização caso o modelo venha a ser adotado no País- algum dia. Todavia, a antecipação de uma possível escola toda digitalizada não é, para Frade, justificativa. “Não se pode pensar em rompimento histórico nas práticas de escrita. O que varia são os elementos usados para escrever: barro, terra, instrumentos -objetos, pena de ganso, caneta etc.”

O que ficaria de fora, nessa hipótese, seria o lado artístico. “A caligrafia tem importância artística, mas a aula de artes terá de dar conta disso”, diz Cagliari, que aconselha: “O melhor é entender a situação. Ser prudente e não covarde. Queremos viver no mundo dos nossos filhos
Fonte: CartaCapital

sábado, 17 de setembro de 2011

Não basta ampliar jornada escolar sem melhorar o uso do tempo

Tema de congresso internacional em Brasília nesta quinta passada(15/09/2011), ampliação da carga horária escolar foi defendida pelo ministro Haddad

Aumentar o tempo que as crianças e os adolescentes passam nas escolas é uma tendência no mundo. A afirmação é do professor Sergio Martinic, da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Chile. Estudioso do fenômeno em diferentes países, Martinic defende que as aulas sejam estendidas para cerca de cinco ou seis horas em todas as escolas, mas faz um alerta: o uso qualificado desse tempo é um grande desafio.

Dois dias depois de o ministro da Educação, Fernando Haddad, ter afirmado que o MEC estuda a ampliação da carga horária anual dos alunos no Brasil, Martinic lembrou que não há consenso sobre parâmetros ideais para esse movimento. Segundo ele, os sistemas têm oferecido de 800 horas e, em alguns casos, como na Argentina, chegando a 1,2 mil horas. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) os alunos têm entre 180 e 200 dias letivos.

O especialista participou nesta quinta-feira do Congresso Internacional “Educação: uma agenda urgente”, em Brasília. Martinic falou sobre a necessidade de se ampliar as horas de estudo oferecidas nas escolas e dos desafios que a ampliação da jornada escolar e o aumento de escolas integrais significam para os sistemas de ensino.
“O importante não é o tempo físico, objetivo, racional e administrativo. Já estamos em outra fase de discussão, que é o tempo relativo. Precisamos analisar de forma qualitativa como essas horas são utilizadas na escola. Essa deve ser a preocupação. As políticas precisam ser flexíveis e vincular essa extensão às realidades locais das crianças”, pondera o professor. Martinic ressaltou que a Finlândia possui carga horária escolar menor e bom desempenho educacional.

Na opinião do professor, as crianças e os adolescentes precisam estar mais expostos a espaços de aprendizagem que incluam atividades culturais, artísticas, esportivas e sociais. “Mas é preciso garantir aos estudantes descanso, tempo com a família e interação com a comunidade em que vive”, diz. Ele reitera ainda que as horas diárias de trabalho nas escolas não são gastas com aprendizagem. “Se perde muito tempo com outras coisas também”, comenta.

Vicent Defourny, representante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, lembrou que não basta deixar o estudante mais tempo na escola. Para ele, é preciso repensar a configuração da escola e construir uma proposta pedagógica integrada à comunidade em que ela está inserida.
“Não basta ter aulas chatas de manhã e capoeira à tarde. Precisamos educar de forma integral utilizando esse tempo expandido na escola”, completou Priscila Cruz, diretora-executiva do Movimento Todos pela Educação.

Desafios dos gestores

Sem surpresas, as dificuldades apontadas por gestores e especialistas para tornar esse tipo de projeto uma realidade em todas ou na maioria das escolas brasileiras são as mesmas já enfrentadas atualmente por elas. Proposta curricular de qualidade, formação de professores, investimentos, infraestrutura escolar com quadras esportivas e equipamentos são desafios que precisam ser vencidos para colocar esse tipo de proposta em prática. “Temos de lembrar que há uma dificuldade de gestão do tempo escolar. O tempo já garantido não é respeitado e isso deve ser considerado na elaboração de projetos”, defendeu Anna Helena Altenfelder, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).

Danilo de Melo Souza, secretário estadual de Educação do Tocantins, ressaltou que, muitas vezes, as crianças brasileiras passam mais tempo se locomovendo para a escola do que dentro dela. “Os sistemas são muito irracionais e as escolas e os professores distribuem mal o tempo de aulas. É importante pensar no contexto dessas crianças, tão comprometidos com ações irracionais, para não nos prendermos aos formalismos da lei”, afirmou.
Fonte: Portal iG

Lei Maria da Penha e a violência simbólica. Entrevista especial com Patrícia Mattos

“O aparato do Estado deve ser ampliado para ter condições efetivas de atender adequadamente às mulheres vítimas de violência doméstica”, enfatiza a socióloga.

Instituída há cinco anos, a Lei Maria da Penha já resultou em mais de cem mil sentenças por agressão contra as mulheres e é considerada um avanço na legislação brasileira “ao diferenciar a violência sofrida pelas mulheres das outras formas de violência. Dá visibilidade à violência doméstica e familiar e chama atenção para sua especificidade”, avalia a professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São João Del-Rei.

Apesar de existir uma lei para proteger as mulheres contra a agressão física, ainda não existe uma norma que dê conta de combater a “violência simbólica (...), que não é percebida pelas próprias mulheres”. A pesquisadora explica que o conceito de violência simbólica demonstra que existe uma “dominação masculina”, a qual “reproduz os esquemas de pensamento, comportamento e avaliação relacionados a um tipo de visão de mundo que essencializa as disposições ‘masculinas’ e ‘femininas’”. Patrícia Mattos desenvolve pesquisas com mulheres da classe média e diz que os relatos “indicam a recorrência da violência simbólica nas relações e práticas sociais e institucionais”.

Ao avaliar a efetividade da Lei Maria da Penha, na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, a socióloga menciona que alguns magistrados consideram a lei “inconstitucional e que em algumas delegacias de polícia evita-se fazer o registro da violência contra mulheres”, o que gera um “constrangimento”.
Patrícia Mattos é graduada em Ciência Política pela Universidade de Brasília – UnB, mestre e doutora em Sociologia pela mesma instituição. Atualmente, coordena o Núcleo de Estudos de Gênero – Nege da UFSJ. É autora dos livros As visões de Weber e Habermas sobre Direito e Política e A Sociologia Política do Reconhecimento: As contribuições de Charles Taylor, Axel Honneth e Nancy Fraser.
Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que consiste a violência “simbólica” e por que as mulheres têm dificuldade de identificá-la?

Patrícia Mattos – Violência simbólica é aquela forma de violência “suave”, que não é percebida enquanto tal pelas próprias mulheres. Pierre Bourdieu utilizou esse conceito para ressaltar a força da dominação social injusta, isto é, como ela ganha o coração e a mente dos dominados. Em outras palavras, com o conceito de violência simbólica é possível averiguar, no caso da dominação masculina, as razões da submissão feminina ao jogo da dominação masculina. Esse tipo de violência é “suave” porque reproduz os esquemas de pensamento, comportamento e avaliação relacionados a um tipo de visão de mundo que essencializa as disposições “masculinas” e “femininas”.
Não há dúvida de que a essencialização dos gêneros, que está por trás da divisão social dos papéis sociais “feminino” e “masculino”, está baseada num sistema de classificação/desclassificação social que coloca as características tidas como tipicamente masculinas como a supremacia da razão sobre os sentimentos e as emoções, tidas como tipicamente femininas, como sendo socialmente mais valorizadas. Ainda que os papéis sociais “masculino” e “feminino” venham passando por constantes questionamentos e transformações, que nos levam a investigar a pertinência do diagnóstico de Bourdieu a respeito da supremacia do “inconsciente androcêntrico”, tenho percebido em minha pesquisa com mulheres de classe média relatos que indicam a recorrência da violência simbólica nas relações e práticas sociais e institucionais das mulheres entrevistadas.
Em várias situações, a violência simbólica aparece travestida sob a forma de um elogio às mulheres. Lembro-me da reação de indignação da Manuela D’Ávila, candidata à prefeitura de Porto Alegre em 2008, ao dar uma entrevista a um jornalista do jornal Zero Hora. Ao ser questionada se ela achava que sua beleza poderia favorecê-la na disputa eleitoral, Manuela respondeu ao jornalista, em tom de indignação, que esse tipo de pergunta ele jamais faria a um homem que também estivesse na disputa. O reconhecimento da beleza feminina nesse contexto é sempre ambíguo, uma vez que coloca as mulheres no papel de depositárias das virtudes do corpo, onde as virtudes que realmente valem são as do “espírito”, da racionalidade. Podemos citar vários exemplos que ilustram essa ambiguidade e tornam difícil o reconhecimento da violência simbólica para as próprias mulheres. No caso citado, Manuela D’Ávila percebeu e denunciou a violência. No entanto, na maioria das vezes, ou as mulheres não a percebem, ou quando percebem têm receio de denunciá-la, de serem acusadas de mal-agradecidas, ressentidas, problemáticas.

IHU On-Line – É comum mulheres registrarem queixas nas delegacias e depois retirá-las. As mulheres têm dificuldade de enfrentar as ações de violência?

Patrícia Mattos – Certamente. E isso pode ser explicado por várias razões. O medo da vingança dos seus companheiros, a falta de um aparato do Estado que lhes garanta a proteção contra seus agressores, a interdependência econômica e emocional delas em relação a eles são algumas das razões que levam as mulheres a retirar as queixas contra seus agressores. Sem falar na estigmatização que elas podem sofrer ao denunciá-los. A publicização das dores e dos dramas das mulheres vítimas de violência doméstica gera, em muitos casos, estigmatização e preconceito em relação a essas mulheres.
Recordo-me de uma conversa com uma de minhas entrevistadas, mulher de classe média, na qual ela me contava que havia despedido a sua empregada depois de ter descoberto que ela – a empregada – apanhava do marido. Ainda que ela não tivesse nenhuma reclamação com relação aos serviços prestados pela empregada, ela não hesitou em demiti-la sob alegação de proteção da própria família. E, assim, cria-se um círculo vicioso no qual a vítima de violência física é punida duplamente. Ao ser demitida, aumenta a relação de interdependência entre ela e seu agressor na medida em que ela não pode garantir as condições materiais para a sobrevivência dela e de seus filhos. Ela é rotulada como “mulher problema”, sendo ainda culpada, aos olhos de sua patroa, por não denunciar as violências sofridas.

IHU On-Line – Ao não denunciarem os agressores, as mulheres acabam reafirmando a violência sofrida?

Patrícia Mattos – Sim. No entanto, não devemos colocar a culpa pela omissão exclusivamente nas mulheres, sob pena de culparmos e responsabilizarmos as vítimas pela permanência da violência doméstica. Devemos procurar entender as razões que explicam esse fato. A começar pela reprodução do “inconsciente androcêntrico” nas delegacias de polícia, desencorajando e desestimulando as mulheres a denunciar seus agressores. Em geral, esse campo é dominado por homens que, muitas vezes, tendem a ver a violência contra a mulher como um problema “menor”, de foro íntimo.
Há magistrados que consideram a Lei Maria da Penha inconstitucional e se sabe que em algumas delegacias de polícia evita-se fazer o registro da violência contra mulheres. Sem falar nos acordos intersubjetivos que se colocam tacitamente no âmbito das delegacias de polícia e que expressam os julgamentos machistas que responsabilizam as mulheres pelas violências sofridas. Esse é apenas um dos constrangimentos sofridos pelas mulheres. É necessária a ampliação do aparato do Estado. A expansão das delegacias especializadas em atendimento à mulher, dos centros de referência, dos abrigos temporários para receber as mulheres vítimas de violência doméstica e a punição administrativa aos agentes do Estado que não cumprem a lei são algumas medidas que me parecem relevantes para estimular a denúncia dos casos de violência doméstica.

IHU On-Line – Como compreender a violência contra a mulher em uma época em que ela já conquistou diversos direitos?

Patrícia Mattos – A universalização dos direitos foi, sem dúvida, uma conquista importante das lutas feministas. No entanto, a manutenção da dominação masculina ultrapassa de muito a esfera jurídica formal. O reconhecimento social através do direito não garante efetivamente a supressão das desigualdades de fato. Uma das formas mais eficazes de manutenção da dominação social injusta, como bem denunciaram todos os movimentos de minorias – com destaque para o movimento feminista –, é quando os dominantes recorrem ao universalismo, à igualdade de direito para reproduzir e legitimar a desigualdade de fato. Para compreender adequadamente a permanência das desigualdades existentes entre homens e mulheres, é necessário discutir as bases implícitas, pré-reflexivas do “contrato” entre homens e mulheres que é atualizado e recriado em suas relações e práticas sociais e institucionais.

IHU On-Line – A violência simbólica se manifesta de maneira diferente entre mulheres de classes média e alta e mulheres de classe baixa?

Patrícia Mattos – Creio que quanto mais subimos na hierarquia social, mais “sutis” são as formas de violência contra mulher, mais forte é a ideologia da igualdade entre os gêneros. Com isso não estou dizendo que não há mudanças significativas nas relações entre homens e mulheres, mas que é necessário fazer a distinção entre as mudanças reais e as mudanças aparentes, que representam, na verdade, a continuidade da dominação masculina sob aparência de mudança. Ainda que valores machistas possam ser encontrados nas relações e práticas sociais e institucionais de homens e mulheres em geral, de forma transclassista, acredito que na classe baixa o sexismo e o machismo sejam encontrados de maneira mais caricata, mais bruta do que nas classes média e alta.
O fato de as mulheres entrarem no mercado de trabalho, seu maior acesso à instrução formal e sua consequente independência financeira tendem a gerar fricções que podem questionar a “ordem natural dos sexos”, gerando, assim, a possibilidade de mudanças no regime de gêneros. E, nesse caso, as mulheres das classes média e alta, devido ao seu posicionamento social, são privilegiadas em relação às mulheres da classe baixa e tendem a ter relações mais equilibradas com os homens. Isso não significa afirmar, de modo algum, que os padrões de percepção, avaliação e comportamento machista e sexista não estejam presentes nas relações e práticas sociais e institucionais dessas mulheres privilegiadas.
Tenho notado em minhas pesquisas com mulheres de classe média que aquelas que conseguiram uma colocação bem-sucedida no mercado de trabalho, em muitos casos, tendem a apagar as desigualdades de gênero e ressaltar toda a ideologia meritocrática, ainda que elas relatem sofrer, das mais variadas maneiras, violência simbólica. Já com as mulheres de classe baixa, as violências manifestas, abertas, efetivas são mais evidentes e expostas. Com isso, não estou dizendo que as mulheres das classes média e alta não sofram violências físicas, abusos e explorações, mas que esse tipo de violência, nesses estratos sociais, não tem a mesma visibilidade que possui a classe baixa.

IHU On-Line – Que avaliação faz dos cinco anos da instituição da Lei Maria da Penha? Quais os avanços e limites?

Patrícia Mattos – Sem dúvida, a lei representa um avanço ao diferenciar a violência sofrida pelas mulheres das outras formas de violência. Dá visibilidade à violência doméstica e familiar e chama atenção para sua especificidade. Com isso, é tematizada a necessidade de políticas públicas de prevenção e enfrentamento da violência contra mulher. O recado dado aos agressores é que o Estado irá, como disse a ministra Iriny Lopes, “meter a colher em briga de marido e mulher” para protegê-las. As ações punitivas em relação aos agressores questionam a certeza da impunidade e podem ser um instrumento eficaz no combate à violência contra as mulheres
No entanto, há muito a ser feito ainda. O aparato do Estado deve ser ampliado para ter condições efetivas de atender adequadamente às mulheres vítimas de violência doméstica. Faltam delegacias especializadas e centros de referência no atendimento à mulher, abrigos temporários, enfim, são necessários mais investimentos, mais políticas públicas de prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher.
Fonte:IHU On-Line

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Organizações civis lançam rede em prol da educação na América Latina

Treze países assinarão compromisso na manhã desta sexta-feira( 16/09/2011), durante Congresso Internacional "Educação: uma agenda urgente", realizado em Brasília

Entidades de 13 países decidiram unir esforços para melhorar a educação na América Latina. Na manhã desta sexta-feira, representantes de associações de empresários, pesquisadores, professores e educadores vão assinar um compromisso para formar uma rede de ação e cooperação. A proposta é trocar experiências e exigir de seus governantes providências que garantam uma educação de qualidade a todas as crianças e os adolescentes do continente.
Durante todo o dia, os parceiros vão discutir meios para tornar a rede realidade durante o Congresso Internacional "Educação: uma agenda urgente", realizado em Brasília pelo Movimento Todos pela Educação.

Para Fernando Carrillo-Flórez, representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil, é importante promover o diálogo entre a sociedade civil a respeito do tema e o Brasil pode contribuir muito nesse sentido. "Esse é o país da América Latina que obteve os melhores indicadores de inovação nos últimos anos. Precisamos criar espaços diálogo e trocas de boas práticas para fazer a diferença nas mudanças que queremos", afirma.

Mais do que recursos para financiar projetos, Carillo-Flórez acredita que o BID pode contribuir disseminando informações e conhecimento entre os países. "A educação não pode ser monopólio do setor público se quisermos garantir inovação. É ela que promoverá o fim da desigualdade e inequidade entre as pessoas", analisa.

Jorge Gerdau, presidente do Conselho do Todos pela Educação, concorda que a sociedade precisa assumir tarefas de cobrança e promoção da educação. "Esse é um problema das famílias, das comunidades, dos professores, dos governantes, do Estado", comenta. Para ele, o desenvolvimento do País depende da educação e qualquer "esforço e inteligência política feitos para o desenvolvimento da educação é pouco".

As instituições que vão participar da rede são: Asociación Empresarios por la Educación (Peru), Educa (República Dominicana), Eduquemos (Nicarágua), Empresarios por la Educación (ExE - Guatemala), Fundación Educación 2020 (Chile), Fundácion Empresarial para el Desarrollo Educativo (Fepade - El Salvador), Fundación Empresarios por la Educación (Colômbia), Fundación Educativa Ricardo Ernesto Maduro Andreu (Ferema – Honduras), Grupo Faro (Equador), Mexicanos Primero (México), Proyecto EducAR 2050 (Argentina), Unidos por la Educación (Panamá) e o Todos pela Educação.
Fonte: Portal iG

Una nueva Cultura del Tiempo



Programa de televisión.

Fecha de emisión: 01-04-2011
Duración: 23' 25''

El tiempo, ese hilo irrompible, inasible y aparentemente infinito, es uno de los conceptos que más controversias ha suscitado, en la urdimbre social de todas las comunidades humanas... Alumbrados por preceptos astrológicos y religiosos, las culturas que inauguraron la historia de la humanidad, lograron atrapar el tiempo en la estructura del calendario. Así, los egipcios dieron 24 horas al día y 365 días al año, los babilonios, 12 meses al año y 30 días al mes y, los romanos, 7 días a la semana. Y no sería hasta la Modernidad, en el s. XVII, con la Revolución Industrial auspiciada por la moral calvinista y protestante, cuando el tiempo comienza a asociarse al trabajo productivo y a convertirse, en un valor económico.

El Movimiento Slow, con un número creciente de seguidores a nivel internacional, propone la valoración de los procesos que llevamos a cabo para alcanzar los fines.

No tanto la lentitud del hacer como la consciencia en las cosas que hacemos. No tanto el deseo del beneficio último como el beneficio integral de todos los factores involucrados. En España, la asociación Slowpeople apoya este movimiento.

Intervienen:
María Novo Villaverde, Catedrática de Educación Ambiental UNED y presidenta Show People;
Carlos Montes, Catedrático Ecología UAM;
Mª José Bautista, Profesora Educación Ambiental UNED.
Producción y realización: CEMAV.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Experiência brasileira de inserção de pessoas com deficiência no ensino será apresentada na ONU

Renata Giraldi
Repórter da Agência Brasil

A experiência brasileira de garantir escola para mais de 232 mil crianças, adolescentes e jovens com deficiência vai ser apresentada em um debate promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, nos Estados Unidos. Na 4ª Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência, o programa do Brasil servirá de exemplo a ser seguido por países em desenvolvimento que queiram adotar o modelo existente em 2.622 municípios brasileiros.

A diretora da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Maria José de Freitas, disse à Agência Brasil que, apesar dos avanços, o desafio brasileiro é atingir 475 mil beneficiários até 2014 por meio do fim do preconceito e unindo forças para assegurar a melhora da qualidade de vida para as pessoas com deficiência.
“É necessário mudar a cultura que, infelizmente, ainda há de alguns setores sobre a incapacidade das crianças e adolescentes com deficiência. Trabalhando o fim do preconceito e mostrando que apenas ações coordenadas surtem efeitos é que conseguiremos atingir as metas. Quando se trabalha isoladamente, tudo fica mais difícil”, disse Maria José Freitas, que apresentará a experiência brasileira na próxima quinta-feira... (passada) (8).

A diretora vai detalhar o programa denominado Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social na Escola (BPC). Pelo programa, a criança, o adolescente e o jovem com deficiência devem ter garantida a matrícula na escola da sua comunidade. No entanto, dos 5.565 municípios brasileiros, apenas 2.622 aderiram ao projeto. Segundo a diretora, a meta é atingir todas as localidades em quatro anos.

Maria José Freitas disse que a ampliação é fundamental para que o programa consiga ser executado, pois a prática mostrou que apenas por meio parcerias é possível atender todos os jovens, adolescentes e crianças com deficiências. “Há um conjunto de ações que têm de ser trabalhadas, desde a garantia de transporte até a segurança da matrícula”, acrescentou ela.
Apesar dos desafios que ainda têm pela frente, os órgãos do governo que comandam o programa comemoram os resultados dos últimos três anos. Pelos dados, o programa conseguiu triplicar a inserção de crianças e adolescentes com até 18 anos no sistema de ensino, por meio de uma parceria do MDS com os ministérios da Educação e Saúde e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

O reconhecimento do sucesso dessa iniciativa se deve, principalmente, ao aumento de 21% para 52,61% no índice de presença na escola de jovens atendidos pelo BPC. Em 2007, dos 375.340 crianças e adolescentes beneficiários, 78 mil estavam na escola. Em 2010, esse número saltou para 232 mil dos 475 mil atendidos nessa faixa etária.
Edição: Juliana Andrade



sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Volta às aulas no maior campo de refugiado do mundo

Primeiro dia de aula para estas meninas refugiadas na nova escola primária do campo de Ifo 2, em Dadaab.

O novo ano acadêmico começou na última segunda-feira (05/09) no maior complexo de campos de refugiados do mundo, com cerca de 43 mil crianças somalis indo para a escola em Dadaab, no nordeste do Quênia.

Algumas, especialmente as que chegaram nos últimos três meses, frequentarão a escola pela primeira vez. Porém, a taxa de matrícula entre as crianças em idade escolar é relativamente baixa nos campos de Dadaab. Estima-se que 156 mil crianças vivam no complexo, que conta com 19 escolas primárias e seis escolas secundárias.

Muitas das crianças que frequentarão as escolas estão entre os mais de 100 mil refugiados somalis que chegaram a Dadaab desde junho, após fugirem de conflitos, seca e fome em sua terra natal, aumentando a população de refugiados para 470 mil.

“Essas crianças precisam da rotina e da proteção que a escola oferece”, disse Linda Kjosaas, a oficial de educação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) em Dadaab. “As circunstâncias aqui estão longe de serem ideais e nós deveríamos estar fazendo muito mais. Porém as crianças estão felizes e, ao conversar com os pais, fica claro que eles valorizam muito a educação”.

Atualmente, existe apenas um professor para cada 100 alunos. Em algumas escolas, professores trabalham em turnos duplos, lecionando para um grupo de crianças pela manhã e para outro grupo à tarde. Em sua maioria, os professores também são refugiados. Para os adolescentes, existem poucas oportunidades para começar ou continuar a educação formal.
(ONU Brasil)

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

"Geração N": estamos criando jovens incapazes?

Autor norte-americano critica exagero dos pais em relação ao estímulo positivo dos filhos. O resultado? Uma geração de narcisistas

Foto: Getty Images


Geração N: jovens que acham que não precisam se esforçar para nada
ob Asghar, ensaísta e articulista norte-americano, aponta em um artigo recente no Huffington Post o surgimento do que ele chama de "geração N", formada por jovens narcisistas. Para ele, os pais norte-americanos, atormentados pela culpa por trabalhar muito ou por optar pelo divórcio, estão criando filhos sem limite algum. Inseguros, eles temem que o filho não goste deles, cedem a qualquer pedido das crianças e celebram toda e qualquer "conquista" do filho - até uma formatura de pré-escola.

O resultado é uma geração que se sente no direito de tudo, sem precisar trabalhar duro por nada. Rob cita uma pesquisa desenvolvida em conjunto pela San Diego State University e pela University of South Alabama, que concluiu que o narcisismo dos jovens norte-americanos cresceu nos últimos 15 anos - e que os Estados Unidos podem passar por problemas sociais quando estes jovens chegarem à idade adulta e assumirem cargos de poder.

O estudo, que envolveu dezenas de milhares de jovens universitários, detectou traços de "auto-respeito exagerado" e de um "infundado senso de merecimento". Alguns pesquisadores chegaram a afirmar que a crise econômica mundial recente, desengatilhada por decisões de alto risco, já seja um resultado do narcisismo da geração.

Para Maria Irene Maluf, especialista em Psicopedagogia e em Educação Especial, esse cenário é comum aqui no Brasil também. Os pais que temem perder o amor dos filhos representam uma inversão absoluta de papéis. "Na minha época - eu tenho 57 anos e minha filha, 32 - eram os filhos que temiam perder o amor dos pais", contrapõe. Hoje, este temor influencia até na transmissão de valores.

Oprimidos pela culpa ou afundados no próprio narcisismo, os pais temem colocar limites em seus filhos e criam crianças que serão eternamente dependentes deles. Sem parâmetros claros, as crianças crescem sem valores: não sabem respeitar os pais, pois nunca ouviram uma repreensão simples como "enquanto uma pessoa fala, a outra escuta". Se alimentam mal e só comem quando querem, pois jamais os pais foram firmes e exigiram que ela se sentasse à mesa durante uma refeição. "Limite é a ética em ação", explica Maria Irene. "Pais e mães narcísicos criam fracos", resume.

Idade da influência

O psicólogo Caio Feijó, autor de "Pais Competentes, Filhos Brilhantes" (editora Novo Século), ressalta a importância do papel de pais e mães nas expectativas e na autoimagem da criança - e alerta que esse poder é limitado pelo tempo. "Os pais só têm uma influência grande sobre os filhos até antes da puberdade, por volta dos 10 ou 11 anos. Depois disso, vem o resultado", diz.

"Dependendo de como os pais conduzem essa influência, eles criarão expectativas nos filhos sobre o que eles podem ou não alcançar", continua. E o estímulo em excesso pode prejudicar tanto quanto chamar seu filho de "burro" ou de "inútil", especialmente quando este estímulo indica uma projeção - por exemplo, aquele pai que é dentista e sempre comenta que o filho "vai ser um dentista genial, igual ao papai", ou aquela mãe que sempre quis ser bailarina, mas não pôde estudar quando pequena, então matricula a filha em aulas diárias da dança, ainda que a menina não mostre o menor talento ou interesse pelas sapatilhas. "A superproteção traz consequências tão graves quanto o abandono", finaliza.

Características da "Geração N":

- Não têm noção de limite
- Acham que são merecedores de tudo
- Não sabem se esforçar para conseguir algo
- Não sabem como agir em situações adversas
- São criados por pais narcisistas, que competem entre si
- Não respeitam os outros

Outro artigo que possa interessar

9 passos para impor limites

Terapeuta, autora, mãe e avó, Diane Levy separa as atitudes que valem a pena das que só gastam energia e compartilha sua fórmula para ter filhos disciplinados

Ler na íntegra: http://delas.ig.com.br/filhos/educacao/9+passos+para+impor+limites/n1237982354564.html
Fonte: Portal iG

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Saber a origem das coisas muda os hábitos de consumo?

Do Blog do Sakamoto

Muitos me perguntaram por que os flagrantes de escravos produzindo para a Zara ganharam repercussão tão grande, uma vez que a mídia já havia divulgado em outras ocasiões resgates semelhantes envolvendo empresas como a Marisa, a Pernambucanas, a 775, entre outras. As razões são múltiplas, dentre elas a mais relevante: quem compra Zara?

Classe média, média alta; que está na internet e usa redes sociais como Twitter e Facebook. Vale ressaltar, aliás, que nesse grupo estamos nós jornalistas. No momento em que a denúncia era Trend Topic global no Twitter, muitas redações constatavam que todas, senão, todos tinham peças da loja no armário de casa ou as vestiam naquele momento. Esse público, por fim, também assiste a “A Liga”, programa que trouxe a denúncia junto com a Repórter Brasil e a BBC, e acessa o Uol – primeiro portal que distribuiu a informação completa. Esse grupo faz barulho e é mais ouvido, consome mídia e notícias com voracidade, possui formadores de opinião entre suas fileiras.

(No momento em que a algo vira TT global, torna-se pauta. Mesmo que isso não represente, nem de longe, a opinião pública brasileira, pois envolve uma parcela muito, mas muito, pequena de sua população, que está no microblog Twitter. Se, por um lado, isso é bom para furar bloqueios de divulgação, por outro lado pode gerar distorções do que realmente é relevante para a população.)

E não estamos falando de uma fazenda de gado em Tucumã, no Pará, mas sim de uma loja que está no shopping center do lado de casa que foi diretamente responsabilizada pelo governo federal pela situação encontrada. É fácil ignorar aquilo que está distante e chega a nós por caminhos muitas vezes tortuosos e mal explicados envolvendo frigoríficos e supermercados. Ou quando falamos de gente morena de sol amazônico que está em algum mato por aí a milhares de quilômetros da minha churrasqueira. Mas vira um incômodo quando são um grupo de imigrantes pobres trabalhando na zona Norte da minha cidade, distantes uma passagem de ônibus da nossa casa.

A Zara não comercializa roupa. Da mesma forma que a Coca-Cola não oferece refrigerante. Eles vendem estilos de vida. Comprando determinado vestido ou camisa, você está adquirindo um jeito alegre, descolado, desprendido, exclusivo, cool, hype, fashion de se viver. A roupa está te “conferindo” isso, o que – grosso modo – é construído ao longo do tempo pelas empresas e aceito por todos que reconhecem determinada marca. Quando, de repente, esse estilo de vida é manchado com degradação, cerceamento de liberdade, humilhação, superexploração, o que era orgulho pode-se tornar vergonha. Pelo menos publicamente, porque entre quatro paredes muitos dos que se dizem embasbacados acabam, por optar pelo “Meu Deus, a Zara tá em promoção depois dessas denúncias! Não posso ficar fora dessa!”

Publicidade é fundamental, então isto não é uma crítica generalizada, mas apenas de certos usos que se fazem dela. Sobre o que você realmente compra, vale se deter um pouco mais. Alguns anúncios nos passam a impressão de que se eu não tiver um possante ultrajantemente rápido, não conseguirei correr o suficiente para fugir da lembrança de um dia ruim de trabalho. Ou como vou poder compensar uma vida infeliz, um casamento de merda e um emprego que só me traz gastrite se não tiver um carro rápido? Afinal de contas, ao adquiri-lo estou comprando um estilo de vida, um estilo sem preocupações. Só velocidade.

Dentro de nossa sociedade, a busca pela felicidade passa pelo ato de comprar. E a satisfação está disponível nas gôndolas, prateleiras e araras a uma passada de cartão de distância. Muitos de nós ficam tanto tempo trabalhando que tornam-se compradores compulsivos, adquirindo estilos de vida em forma de símbolos daquilo que não conseguirão obter por vivência direta. Através desses objetos, enlatam a felicidade – pronta para consumo, mas que dura pouco.

Nada disso é novidade, é claro. Mas fico me perguntando quanto tempo vamos levar como sociedade para regular verdadeiramente a publicidade que consumimos diariamente e passivamente.

Não quero abrir uma discussão sobre liberdade de expressão, pois ela deve ser a mais ampla possível sempre, para todo mundo e não apenas meia dúzia de pessoas. Mas lembrar que há limites do que se pode fazer ou falar, estabelecidos através da análise do que podemos causar de dano real à vida de outras pessoas.

Um exemplo são os anúncios publicitários de produtos gordurosos ou com muito açúcar cujo consumo em excesso por trazer riscos à saúde. As ações da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para garantir que eles tragam informação dos danos que podem causar não agradaram nada as empresas de refrigerantes, sucos concentrados, salgadinhos, biscoitos e de bebidas com muita cafeína. Ou seja, tudo aquilo que a molecada adora, mas que pode contribuir com doenças cardíacas, hipertensão, diabetes. A Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação defendeu que alimentos e bebidas como refrigerantes e sucos concentrados não estão previstos como itens que podem receber advertências (como álcool e tabaco), que publicidade teria que ser normatizada por lei federal e que isso não vai dar certo porque a ação não educaria o consumidor. Uma justificativa burocrática, uma vez que o ideal seria a própria empresa informar ao consumidor sem ser obrigada a isso.

Em fóruns empresariais sobre liberdade de expressão, essa discussão é taxada superficialmente como uma tentativa de enfraquecer a imprensa através do bloqueio de seu financiamento. Novamente a palavra mágica “auto-regulação” é lançada no ar, ou seja, que o Estado fique longe, deixando a sociedade (leia-se mercado) resolver. Reclama-se que as propagandas têm o direito de se expressar ao vender seu produto da mesma forma que os jornalistas o têm ao noticiar algo.
Pergunto-me, então, se isso significa que as agências de publicidade vão começar a dar os “dois lados” ao vender um produto (não que reportagens sempre dêem os dois lados, mas pelo menos isso está lá nos manuais). Afinal, ter informação é fundamental para poder ter liberdade de escolha. E comprar é um ato político, pois ao adquirir um produto você dá seu voto para a forma através da qual uma mercadoria foi fabricada e mesmo o que ela representa. Se isso ocorresse, seria mais ou menos assim:
“Este carro chega a 330 km/hora. Com ele, você vai esquecer todas as frustrações do seu dia-a-dia. Não inclui, contudo, o valor da fiança que terá que pagar caso atropele alguém por não conseguir frear a tempo.”
“Este refrigerante contém bastante sódio, o não é muito bom para o coração. E engorda. E favorece as cáries. Mas é uma delícia! E tem bolhas.”

“Este novo modelo de celular também é MP3, máquina fotográfica, agenda, acessa a internet, lava, passa e cozinha. Mas a cada 1000 produzidos, um deles tem uma bateria que vai estourar provocando graves queimaduras. Alguns dizem que o uso contínuo pode levar ao desenvolvimento de câncer. Mas não há estudos conclusivos a respeito.”

“Essa bolacha recheada é um fenômeno. Gosto incrível, textura incrível e o recheio, hummmmm, super fofinho. Tão fofinho quanto você vai ficar se comer um pacote inteirinho toda a vez que lembrar deste anúncio. Ah, e é enriquecida com vitaminas B5 e B12.”

“O combustível é ótimo, faz com que o motor do seu carro dure 30% a mais. Só tem um efeito colateral: ele possui tanto enxofre na fórmula que contribui mais do que qualquer coisa com a poluição das grandes cidades. Mas quem se importa com isso? É só fechar o vidro para a fumaça ficar do lado de fora.”

E, é claro:
“A calça é para quem tem estilo. Apesar do seu custo de produção ser baixo, por ter sido feita por bolivianos escravizados em São Paulo, jogamos o preço para cima. Dessa forma, você pode ficar tranqüilo que não vai ver um pobre pé-rapado usando mesma o mesmo vestido. Nunca.”
Esse “capitalismo self-service” brasileiro, em que não se cumprem todas as regras do jogo, mas, pelo contrário, deixa-se de lado o que não convém, irrita muito. Pois não se está pedindo a proibição de nada, apenas exigindo que seja informado o que determinada mercadoria contém e se ela foi produzida dentro de padrões de qualidade técnica, trabalhista e sócio-ambiental. Se alguém não se importar em consumir, ótimo, compre. Mas se não quiser, este tem o direito de saber.

Como resposta, empresas dizem que têm o direito de não fazer campanha contra o seu próprio interesse. Ou seja, de não jogar contra o patrimônio. Não espero que uma loja como a Zara passe a colocar em seus anúncios coisas do tipo “Zara – porque a liberdade passa longe daqui” ou “Compre Zara: usamos menos escravos do que no ano passado”. Mas a empresa deve assumir publicamente o problema (o que, em parte, fez) e divulgar um cronograma do que será feito (o que deixou a desejar). E caso se negasse a prestar informações sobre a situação real, esses dados poderiam ser fornecidos pelo próprio governo e divulgados à sociedade através desse espaço publicitário. Afinal, de acordo com o Código de Defesa do Consumir, temos esse direito. É justo saber o que está se comprando. É fundamental transparência.

Tudo bem, isso é apenas um exercício de imaginação, ninguém é inocente aqui. Mas com os anunciantes assumindo, por bem ou por mal, os impactos causados pela cadeia produtiva das mercadorias que vendem a nós, teremos um país mais consciente na hora de comprar e, portanto, um desenvolvimento mais sustentável.

domingo, 4 de setembro de 2011

Por que é domingo Barry White

Just the way you are



Love's Theme


Educador

Se existe alguém que pode fazer a diferença na vida das nossas crianças, somos nós, educadores. Podemos corrigir os roteiros, “deletar” as cenas que estragaram suas vidas e refazê-las, podemos trocar a trilha sonora e melhorar a edição

*Junior Silveira
Todas as vezes que assistimos a um filme, mesmo que seja num momento de entretenimento e lazer, vamos nos deparar com histórias que retratam situações desafiadoras, dramas a serem vencidos e lições a serem aprendidas. O cinema, desde a sua criação, vem retratando realidades a serem vivenciadas, mesmo quando o filme é uma ficção, algo que não é “tão real”. Raramente, assistiremos a um filme que em seu conteúdo não venhamos identificar lições e indagações para a nossa própria vida.

São dramas familiares, dramas entre amigos, situações que relatam a busca pela identidade e pela felicidade, dificuldades diversas e as indecisões nas escolhas e atitudes que devem ser tomadas para se chegar ao final feliz. Na verdade, em todo filme essa é a grande questão: chegar a um final feliz.

Olhando a nossa vida e fazendo uma breve reflexão, podemos muitas vezes nos enxergar no filme que assistimos, podemos nos ver vivendo as situações no lugar das personagens, bem como nos colocar no lugar delas, passando a refletir qual seria nossa atitude se estivéssemos passando por determinada situação, drama ou desafio.
Outras vezes, as personagens e seus dramas desafiadores são tão reais que chegam a parecer conosco e com nossa vida e, a partir de suas histórias, encontramos respostas, conforto e muitas vezes soluções para nossa própria história. Assim como nos filmes, nós lutamos por um final feliz, ainda que a vida seja feita de muitos finais e recomeços.

Enquanto educador, todos os dias me deparo nas salas de aula com histórias dignas de cinema. Na verdade, todo professor ou profissional na área da educação poderia escrever um verdadeiro roteiro cinematográfico, uma vez que todos os dias vivenciamos um desafio de cinema.

Ao entrar pelos portões de uma escola, encontramos ali crianças que são vítimas de sua própria existência. Alunos que são vítimas do descaso social, da violência, vítimas até mesmo de suas próprias famílias. São crianças que crescem todos os dias assistindo de olhos bem abertos a todo o caos estabelecido numa sociedade que a cada dia perde os valores do amor, da família e da educação. Crianças que ainda tão novas já perderam sua inocência e que têm sua identidade violada.

Em sala de aula, eu já vivenciei histórias de diversos gêneros, fui espectador de histórias que são verdadeiras comédias, as crianças enchem nossos olhos de alegria e nos surpreendem com sua espontaneidade, criando situações que nos arrancam risos. Crianças são surpreendentes, como os filmes; são seres inspiradores e envolventes. Eu gostaria de poder escrever que eu nunca vi numa sala de aula um drama ou um terror, mas, infelizmente, mesmo eles sendo tão novos já têm em suas vidas cargas suficientes pra um filme de drama e, muitas vezes, até mesmo de terror.

E chegamos ao ponto comum de um filme: como chegar ao final feliz? Seria isso possível? Ou um final feliz só acontece em histórias de cinema? Como alguém, enquanto educador, pode contribuir para que a vida dos seus alunos siga um caminho até um final que faça com que a plateia aplauda de pé? Como colaborar com o “roteiro” da vida desses alunos? O que pode fazer um educador para “dirigir” a vida desses pequenos “protagonistas” a um final feliz, digno de filmes de cinema? Como fazer da vida do nosso aluno um espetáculo?

O filme “Escritores da Liberdade” (Freedom Writers - EUA/Alemanha 2007) conta a história real da professora Erin Gruwell, uma fantástica e inspiradora história de vida que nos mostra como as palavras podem libertar as pessoas e de como a educação, a cultura, o incentivo, a dedicação e o conhecimento são bases para que um mundo melhor aconteça e de fato se estabeleça.

A Professora Erin Gruwell teve que travar grandes batalhas em favor de seus alunos, desafiou o sistema, lutou contra o preconceito e, quando todas as pessoas olhavam para seus alunos como jovens sem futuro, ela remou contra a correnteza e se desafiou a cumprir seu papel e dar aos seus alunos a felicidade de uma vida bem-sucedida. Da experiência em sala de aula, surgiu o livro que mais tarde virou filme; e muito mais do que isso, hoje “Escritores da Liberdade” é uma fundação que auxilia diversos projetos educacionais, tudo baseado no processo vivido pela professora.

Talvez assistindo a esse filme venhamos a enxergar algumas respostas, não só para nós, enquanto educadores, mas também enquanto seres humanos, enquanto pais, enquanto filhos, enquanto amigos. Podemos tomar como lição de vida a força que a professora tem ao lutar por aquilo que acredita, paciência e compreensão para enfrentar as dificuldades e diferenças, o empenho em se doar por inteira para que seus alunos pudessem sentir, de alguma forma, que ela acreditava neles e desejava oferecer a eles um ensino de qualidade.

Ser educador é um desafio de cinema, uma verdadeira história cheia de emoções, comédia, dramas, terror, aventura e, acima de tudo, muita ação. Aliás, é exatamente esse o gênero que deveria ser o carro-chefe da vida de um educador: a ação. Nós só vamos assistir a um final feliz se houver ação. É o tempo de o educador agir. Se existe alguém que pode fazer a diferença na vida das nossas crianças, somos nós, educadores. Podemos corrigir os roteiros, “deletar” as cenas que estragaram suas vidas e refazê-las, podemos trocar a trilha sonora e melhorar a edição, levar conhecimento, incentivo, força, alegria e motivação para que nosso aluno alcance o seu final feliz.

A vida de todo educador é um desafio de cinema, mas a vantagem é que de nós serão produzidos muitos finais felizes. Cada um dos que passarem pela nossa sala de aula poderá ser uma obra de arte se nós fizermos a nossa parte, que é fazer mais do que somente o que nos cabe. Assim, aplaudiremos em pé muitos finais felizes, inclusive o de nossa própria vida.
*Júnior Silveira é Pedagogo, formado em Artes Cênicas; atua como Mediador de Formação em Cinema e Teatro da empresa Planeta Educação (www.planetaeducacao.com.br) no município de Votorantim, São Paulo.
Fonte: Brasil 247