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sábado, 25 de fevereiro de 2012

Cinema na Educação: Moça com brinco de pérola

*João Luís de Almeida Machado

Moça com brinco de pérola

Quando a arte enche as telas do cinema

Poucas pessoas percebem a importância e a riqueza do trabalho desenvolvido na produção de um filme pelos técnicos e especialistas que assinam a música, os efeitos sonoros, os figurinos, os efeitos especiais, a iluminação, a edição (ou montagem), os cenários ou a fotografia. Elementos essenciais para que qualquer produção possa atingir sucesso, acabam motivando a busca dos melhores e mais talentosos profissionais do ramo por parte dos produtores e diretores.

Quando o filme brasileiro “Cidade de Deus” foi indicado ao Oscar em quatro categorias, duas delas foram essencialmente técnicas, ou sejam a fotografia e montagem (César Charlone e Daniel Resende, respectivamente). Os responsáveis por esse trabalho foram imediatamente reconhecidos como profissionais de ponta e contatados para outros trabalhos.

Há filmes que acabam se tornando cult movies especialmente em função desses detalhes técnicos, que de tão bem produzidos se tornam co-estrelas da produção. O clássico “Metrópolis”, do alemão Fritz Lang, produzido na primeira metade do século XX é um desses casos (ficou conhecido mundialmente pela montagem, pelo roteiro originalíssimo e também pela fotografia). “Os Duelistas”, dirigido por Ridley Scott ainda nos anos 1970 também é uma dessas realizações celebrizadas por aspectos técnicos (uma das mais belas fotografias já produzidas pelo cinema).

Um trabalho de ponta nessas áreas técnicas garante ao filme muita visibilidade e, ao mesmo tempo, reconhecimento por parte do público e da crítica. Esse é o caso do filme “Moça com brinco de pérola”, do diretor inglês Peter Webber, que se baseia na vida de um dos mestres da pintura renascentista, nascido na Holanda, Johannes Veermer.

Um dos mais importantes e impressionantes trabalhos de fotografia produzidos pelo cinema nas últimas três décadas, o filme se torna literalmente uma obra-prima nesse quesito por dar a produção ares de pintura renascentista. Há diversas situações em que as tomadas nos causam a sincera impressão de quadros que poderiam facilmente estar em exposição nas grandes galerias e museus de arte da Europa ou das Américas.

Além disso, o filme traz a tona questões importantes da história daquele período ao abordar a difícil relação entre os mecenas (financiadores do trabalho dos artistas, cientistas, filósofos e literatos daquela época) e os grandes e temperamentais gênios com os quais se envolviam, caso do próprio Veermer. Recorte de época produzido com máximo esmero pelo diretor Webber e pelos produtores Paterson e Tucker, “Moça com brinco de pérola” ainda nos brinda com interpretações destacadas de Colin Firth e Scarlett Johansson (que possui grande semelhança com a moça do quadro original pintado pelo artista holandês).

Apesar de todos esses destaques e da riqueza de detalhes da produção (também percebida nos figurinos e nas locações), o filme tem roteiro consistente que desperta o interesse e a atenção dos espectadores ao longo de toda a projeção, misturando romance, drama, história e um pouco de suspense. É uma produção digna de nota e se enquadra, certamente, entre os melhores filmes produzidos recentemente.

O Filme

Griet (Scarlett Johansson em atuação destacada) é uma jovem camponesa que vai trabalhar na casa do mestre holandês Johannes Veermer (Colin Firth). Filha de um aspirante as artes plásticas, Griet carrega entre os pertences que leva para sua nova residência um azulejo que fora pintado por seu pai e toda a timidez de uma jovem que se vê vivendo num novo contexto ao atingir uma beleza que desperta a atenção de alguns homens que vivem ao seu redor.

Os hábitos e crenças dessa Holanda, em pleno Renascimento Cultural, ainda não são tão liberais que lhe permitam aspirar à independência que as mulheres daquele país hoje em dia possuem. Em vista disso, ela mantém distância e sobriedade para não tornar ainda maiores os interesses de homens de poder e importância como o próprio Veermer e o mecenas que o sustenta.

Prefere aproximar-se de um jovem de origem humilde como ela que trabalha na banca de peixes que abastece a casa de seu patrão. Nesse ínterim, a despeito da peleja que se trava nos bastidores e nas entrelinhas da história em virtude de sua bela figura, Griet é transformada em musa para a próxima produção de Veermer.

Desse encontro entre artista e inspiração surge uma nova percepção de mundo, talhada na capacidade de perceber as luzes, as sombras e as cores de uma forma privilegiada que apenas os artistas possuem. Nem o ciúme e a paixão são capazes de destruir essa nova relação da jovem serviçal com o mundo que a cerca. Será?

Filme destacado por suas qualidades técnicas, possuidor de roteiro inteligente e de grande sensibilidade, “Moça com brinco de pérola” é um filme que merece a atenção e o reconhecimento por parte de todos aqueles que amam as artes em sua essência e que reconhecem o brilhantismo de uma produção fora dos padrões. Não percam!

Aos Professores

1- Qual é a situação da arte nos dias atuais? Se antigamente existiam os mecenas que financiavam o trabalho dos grandes mestres (como o holandês Veermer), de que forma se incentivam os grandes talentos da atualidade? As comparações entre o ontem e o hoje constituem um dos melhores elementos para estimular a discussão sobre a história. Que tal propor a construção de um painel que apresente a evolução da produção artística nesses dois períodos da história e um exame dos processos de financiamento das artes nas Idades Moderna e Contemporânea?

2- Visitas a museus e a exposições devem acontecer com regularidade e, sempre que acontecerem, devem ser precedidas de trabalho árduo no sentido de esclarecer dados sobre os artistas e também sobre suas obras. Entretanto é necessário que o olhar dos nossos estudantes seja estimulado a perceber, de forma independente, as sensações que são apresentadas a nossa capacidade de percepção pelo trabalho dos artistas plásticos. Não podemos e não devemos pré-estipular as leituras que são feitas pelos alunos e devemos, por outro lado, levá-los a examinar em minúcias as obras em exposição. Isso permite que se estabeleça um diálogo intenso entre a obra produzida pelos artistas e as pessoas que visitam as mostras, fomenta debates em aulas posteriores e exige maior concentração no exame das obras pelos estudantes.

3- A Holanda do período de Veermer fervilhou em virtude do êxito comercial e financeiro de suas instituições. Sabemos, por exemplo, da parceria que se estabeleceu entre os batavos (holandeses) e os portugueses para o desenvolvimento da produção do açúcar no Brasil. Assim como Veermer, muitos outros artistas e intelectuais da época só puderam apresentar seus trabalhos em virtude do sucesso dos empreendimentos mercantis e bancários de seus países. De que forma seria possível estabelecer as relações entre desenvolvimento econômico e produção cultural naquele contexto? Seria possível perceber esse fenômeno na atualidade? Que tal propor esse trabalho de pesquisa para seus estudantes?

4- Um trabalho interdisciplinar envolvendo as artes e todas as outras matérias é um dos sonhos de qualquer educador sintonizado com as possibilidades que o uso e estudo da cultura permitem a educação. Criar projetos que coloquem as crianças e adolescentes em contato com exposições, mostras, apresentações teatrais, orquestras, óperas, danças e cinema têm que ser uma das prerrogativas do trabalho de atualização e modernização das escolas. Isso implica, a princípio, num trabalho a ser realizado em sala de aula para aguçar os sentidos e colocar os estudantes em condições de se sensibilizar em relação à arte. Num segundo momento significaria criar uma agenda cultural que permitisse o fortuito encontro entre educandos e produção artística... Será que isso é apenas um sonho?

Ficha Técnica

Moça com brinco de pérola
(Girl with a pearl earring)
País/Ano de produção: Inglaterra/Luxemburgo, 2003
Duração/Gênero: 95 min., Drama
Direção de Peter Webber
Roteiro de Olívia Hetreed baseado em livro de Tracy Chevalier
Elenco: Colin Firth, Scarlett Johansson, Tom Wilkinson,
Judy Parfitt, Cillian Murphy, Essie Davis, Joanna Scanlan,
Alakina Mann, Chris McHallen, Rollo Weeks.

Links- http://www.girlwithapearlearringmovie.com (site oficial)
- http://www.adorocinema.com/filmes/moca-com-brinco-de-perola/moca-com-brinco-de-perola.asp
- http://www.cinemaemcena.com.br/FICHA_FILME.ASPX?ID_FILME=2844&aba=detalhe

* Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A “doutrina da pacificação”

O maior desafio da valorização capitalista das favelas por meio da ocupação territorial permanente da polícia não é, portanto, a ameaça de uma contraofensiva dos narcotraficantes desterritorializados, mas fazer com que os seus residentes aceitem os termos da nova situação imposta, “pacificá-los”.

Por Eduardo Tomazine Teixeira

A jornalista e escritora Naomi Klein publicou, em 2007, o best-seller crítico A doutrina do choque: A ascensão do capitalismo de desastre, no qual escrutina e denuncia a forma como Estados e corporações capitalistas se valem de desastres naturais, guerras e outras situações de choque para implementar políticas liberais, como, por exemplo, a privatização da educação pública de Nova Orleans após a passagem do furacão Katrina, ou as políticas neoliberais do Chile, viabilizadas pela derrubada do presidente democraticamente eleito, Salvador Allende, em 1973. A autora conclui que a doutrina do choque seria a fase superior daquilo que Schumpeter chamara de “destruição criativa” do capital. Em O novo imperialismo, David Harvey propõe, por sua vez, que uma das bases fundamentais da acumulação capitalista seria a espoliação (“acumulação por espoliação”), operada através da privatização dos recursos naturais, da formação de um proletariado sem-terra (e, pode-se acrescentar, de um proletariado urbano sem-teto), do combate a formas alternativas de produção e consumo, levadas a cabo, na maioria das vezes, mediante o “choque” ao qual se refere Naomi Klein. Desta maneira, a acumulação primitiva de capital não se restringiria ao período histórico de formação do modo de produção capitalista, sendo, antes, uma característica presente em toda a sua evolução e necessária para a sua reprodução.

Por mais criativas que sejam as modalidades de acumulação do capital que associem o choque e a espoliação, os seus efeitos destrutivos são geradores, indiscutivelmente, de uma instabilidade sistêmica a qual precisa ser regulada incessantemente pelos gestores capitalistas (inclua-se aqui o aparelho de Estado), sob pena de verem solapado aquele que é o principal motor da acumulação: a extração de mais-valia e a sua realização por meio do consumo de mercadorias. A dialética do choque e da espoliação se complementam, portanto, com engenharias de controle social em que coerção e consentimento estão muito mais próximos do que em momentos e locais nos quais a acumulação capitalista se dá apenas (ou majoritariamente) pela exploração, e nas quais o controle social é operado, em geral, por um consentimento ideologicamente produzido.

No presente artigo, proponho que está em vias de se estruturar no Rio de Janeiro um poderoso mecanismo de controle social de coerção-consentimento, e que um mecanismo nestes moldes é uma condição para o amadurecimento das relações capitalistas nesta metrópole. Trata-se do Programa de Pacificação de Favelas, encarnado pelas Unidades de Polícia Pacificadora (as UPPs), um mecanismo de controle social que vem acrescentar à violência e à espoliação históricas existentes nas favelas novas formas de controle e consentimento inseparáveis delas, fornecendo, assim, as condições para o avanço do capitalismo na metrópole fluminense. Chamo a esta modalidade carioca de controle social de “doutrina da pacificação”, a qual consiste em aplicar alguns dos fundamentos do peacekeeping das Nações Unidas e da nova doutrina de contrainsurgência dos EUA ao ambiente de uma metrópole sob uma “democracia” representativa e desprovida de uma verdadeira guerra, seja ela convencional ou civil.

As implicações econômicas da “pacificação” de favelas

Em um artigo anteriormente publicado neste Passa Palavra (aqui e aqui), destaquei algumas das motivações econômicas da implementação das UPPs em algumas favelas cariocas. Mostrei como as próprias autoridades responsáveis pela política de segurança pública no estado do Rio de Janeiro declaram abertamente, em diversos momentos, alguns dos objetivos das tais Unidades de Pacificação, como a criação de um “cinturão de segurança” para formar um “corredor turístico” na Zona Sul e no Centro da cidade, a viabilização do projeto de “revitalização” da Zona Portuária (o projeto Porto Maravilha), a valorização imobiliária do entorno das favelas “pacificadas” e a regularização de serviços privados nestes espaços, os quais eram, antes, consumidos de maneira clandestina. Argumentei também que o desenvolvimento de um mecanismo de ocupação permanente das favelas nos moldes das UPPs, o qual contrasta sensivelmente com as anteriores incursões violentas e corruptas do braço repressor do aparelho do Estado, respondem a uma exigência da nova dinâmica global da acumulação capitalista, o qual tem encontrado nas altas taxas de crescimento econômico dos países da semiperiferia uma tábua de salvação.

Disse que o estado do Rio de Janeiro, impulsionado pela atividade petrolífera e seu complexo industrial (público e privado) e pelos grandes investimentos do Governo Federal, e que a sua capital, com seu potencial turístico e com a perspectiva de realizar megaeventos internacionais, desempenham um papel importante na retomada do crescimento econômico nacional e no costuramento de uma aliança política capaz de promovê-lo e de capitalizar politicamente em função dele. Está a reverter-se, pois, um quadro de estagnação econômica e cacofonia política que afetou profundamente o estado e a cidade do Rio de Janeiro ao longo das décadas de 80 e 90, momento em que frações mais predatórias do capitalismo prosperaram, submetendo a produção espacial da capital fluminense à sua lógica: o tráfico de armas e de drogas e a “indústria da segurança e do medo”, com a proliferação de condomínios exclusivos, seguranças privados, sistemas de câmeras, carros blindados, etc.

Como a economia é amiga dos números, trago aqui alguns dados que nos ajudam a dimensionar o fluxo de capitais que dinamizam a economia fluminense atualmente.

Segundo um estudo realizado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), intitulado Decisão Rio 2010-2012, são previstos 123 bilhões [milhares de milhões] de reais em investimentos no estado até 2012, dos quais 74,9% serão provenientes do setor petroquímico [1]. Ainda segundo o estudo da FIRJAN, estes investimentos gerariam 360 mil novos empregos no estado e seriam responsáveis por aumentar a participação do Rio de Janeiro na composição do PIB brasileiro dos atuais 13% para 20%. Para a organização da Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 na cidade do Rio de Janeiro, prevêem-se investimentos de quase 30 bilhões de reais [2], destinados à reforma e ampliação dos aeroportos, à criação de duas novas linhas do metrô e de corredores expressos de ônibus, à construção de equipamentos esportivos e residenciais para os jogos, além da despoluição de lagoas e da Baía da Guanabara. Estima-se que a capacidade hoteleira da cidade passará dos atuais 24 mil quartos para aproximadamente 50 mil, valorizando a indústria hoteleira no Rio de Janeiro entre 15% e 20% apenas durante a realização das Olimpíadas.

Em um evento recentemente realizado com centenas de empresários e personalidades da mídia, no Harvard Club de Nova Iorque, o Governador Sérgio Cabral empenhou-se em vender a importância econômica das UPPs, declarando que “esse combate à criminalidade não é apenas essencial para a manutenção da ordem e para a melhoria da qualidade de vida da população do estado, mas também um fator decisivo para o desenvolvimento econômico do Rio de Janeiro” [3]. No entanto, empresários “de visão” não precisaram aguardar a propaganda do governador para se aperceberem do enorme potencial econômico aberto pelas UPPs. A multinacional Procter & Gamble já instalou uma unidade produtiva na favela da Cidade de Deus, a qual recebeu uma UPP há dois anos, sendo estimulada, para tanto, com reduções de IPTU [Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, imposto municipal que incide sobre propriedades imobiliárias] e de ISS [Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, imposto municipal que incide sobre a prestação de serviços definidos por lei]. A Philips, por sua vez, consultou a Secretaria de Segurança do estado para saber se consta em seus planos instalar uma UPP no morro do Dendê, na Ilha do Governador, pois a referida empresa diz ter interesse em estabelecer uma fábrica por ali [4]. Pela escolha das duas multinacionais mencionadas, pressupõe-se que a vizinhança com favelas “pacificadas” parece oferecer uma significativa vantagem estratégica nas decisões locacionais do setor industrial, fornecendo terrenos a baixo preço em áreas centrais de uma metrópole em crescimento econômico e a poucos metros de abundantes bolsões de força de trabalho barata, revertendo uma tendência locacional histórica, em que as indústrias se deslocam para a periferia metropolitana ou mesmo para fora das metrópoles em busca, sobretudo, de terrenos menos valiosos e vantagens fiscais.
Mas a “pacificação” de favelas não vincula-se à valorização capitalista no Rio de Janeiro apenas por criar a tranquilidade necessária aos negócios. As quase mil favelas do município, com cerca de um milhão de moradores, constituem um enorme mercado consumidor pouco explorado, uma zona de sombra para a arrecadação de tributos para o município e uma força de trabalho pouco instruída, gerando um problema para o suprimento da demanda necessária ao crescimento econômico.
Não por acaso, o próprio site oficial do Programa de Pacificação de Favelas declara que, depois da polícia, vem a “invasão de serviços”. Deixam apenas de informar que tal “invasão” tem sido restrita aos serviços pagos, sobretudo a formalização do consumo de energia elétrica, TV a cabo e água. Cientes do grande potencial para a realização de negócios nas favelas “pacificadas”, os gestores capitalistas criaram, por iniciativa da Associação Comercial do Rio de Janeiro, um Conselho Empresarial de Parcerias Pró-Formalidade, conformado por um pool de agências estatais, empresas privadas e ONGs.

Àqueles que se mostrem ainda reticentes quanto ao potencial econômico da “reconquista” das favelas pela autoridade do Estado, vale a pena observar de que maneira a diplomacia americana avalia a questão. Em um telegrama recentemente divulgado pela WikiLeaks, num tópico intitulado Economia da pacificação de favelas, o despachante indica que
Além dos fatores de segurança envolvidos com o programa de pacificação, existem também interesses econômicos significativos em jogo. Alguns economistas previram, no caso de todas as favelas passarem para a autoridade do estado do Rio, um aumento de 90 milhões de reais em novas taxas sobre serviços e propriedade, os quais afluiriam para o governo municipal. O presidente da companhia provedora de energia elétrica no Rio, a Light, estimou que a economia do Rio de Janeiro poderia crescer em cerca de 38 bilhões de reais mediante o crescimento do comércio e dos novos empregos. De acordo com André Urani, um economista do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a Light perde, pelo menos, 200 milhões de dólares por ano em decorrência [do consumo de] energia clandestina nas favelas. […] Enfatizando o potencial de mercado das favelas, Urani declarou: “Imagine os ganhos em receita se a Light conseguisse transformar os um milhão de consumidores ilegais dos seus serviços em clientes”. [5]

De consumidores clandestinos a clientes: a contrainsurgência camuflada de “pacificação”

Transformar um milhão de consumidores clandestinos em clientes formais, a despeito da simplicidade da formulação, é uma tarefa extremamente delicada, exigindo a ruptura de um “pacto sócio-espacial” que tacitamente vigorava na cidade. Afinal, a produção de um espaço informal como o das favelas, nas proporções com as quais o fenômeno se desenvolveu no Brasil, pressupõe mais do que a incapacidade reguladora do Estado, mas a necessidade da informalidade para a manutenção da nossa formação sócio-espacial. Apenas com este tipo de “compensação”, isto é, a isenção de pagamento de impostos sobre a propriedade territorial (IPTU) ou de taxas para o consumo de serviços básicos como a energia elétrica e a água, além de outros menos básicos, mas centrais para a cultura contemporânea, como a TV a cabo, foi possível manter a reprodução de uma força de trabalho pessimamente remunerada pelo capital ou pelas relações de clientela (domésticas, porteiros, biscateiros, etc.) e pouquíssimo assistida pelo Estado. Somente assim permitiu-se, igualmente, a manutenção da “paz social”, embora tal estado de coisas abrisse inevitavelmente brechas ao desenvolvimento de atividades criminais territorializadas nos espaços segregados, como o comércio varejista [a retalho] de drogas que vimos proliferar.

A formalização das relações capitalistas nas favelas, para além de representar uma reconfiguração jurídica do estatuto daqueles que consomem serviços, pressupõe, pois, uma mudança na dinâmica territorial nestes espaços. Não simplesmente a expulsão de atores sócio-econômicos concorrentes, como os narcotraficantes, mas, principalmente, a aceitação de uma condição assimétrica entre deveres e direitos, traduzida pelo encarecimento do custo de vida na favela e por uma nova disciplina imposta pelo aparato repressor do Estado. Afinal, mesmo as atuais taxas de crescimento econômico do país não são suficientes para assimilar no circuito formal da economia, do dia para a noite (que é a escala temporal da “pacificação”), a massa de trabalhadores das favelas “pacificadas”, no que se acrescenta a incapacidade do Estado, seguindo o modelo econômico atual, de investir o suficiente em tão pouco tempo para remediar o passivo histórico de infraestrutura técnica e social nestes espaços segregados. O maior desafio da valorização capitalista das favelas por meio da ocupação territorial permanente da polícia não é, portanto, a ameaça de uma contraofensiva dos narcotraficantes desterritorializados, mas fazer com que os seus residentes aceitem os termos da nova situação imposta, “pacificá-los”.

Não é mero acaso que a diplomacia estadunidense reconheça as semelhanças entre o Programa de Pacificação de Favelas e a doutrina de contrainsurgência utilizada pelos EUA no Afeganistão e no Iraque, como demonstra o seguinte telegrama revelado pela WikiLeaks:

O Programa de Pacificação de Favelas compartilha algumas das características da doutrina e da estratégia de contrainsurgência dos EUA no Afeganistão e no Iraque. O sucesso do programa dependerá, em última instância, não apenas de uma efetiva e duradoura coordenação entre a polícia e os governos estadual/municipal, mas também da percepção dos moradores das favelas quanto à legitimidade do Estado. […] Outro fator significativo para que o projeto seja bem sucedido é o quão receptivos serão os moradores das favelas para assumirem as suas responsabilidades cívicas, tais como pagar por serviços e taxas legítimas. O lugar-tenente do BOPE, Francisco de Paula, o qual também é residente da favela do Jardim Batam [favela controlada por “milícias” antes da UPP], contou-nos que muitos da sua comunidade resistiam à ideia de terem que passar a pagar taxas mais elevadas por serviços como eletricidade e água, outrora providos por fontes piratas. Carvalho também disse que os seus oficiais encontraram uma confusão generalizada entre os moradores que, até agora, vinham pagando por eletricidade e TV a cabo providas por fontes clandestinas. “É muito difícil para eles ter que pagar, de uma hora para outra, por serviços que antes eles recebiam por menos ou até mesmo de graça”, disse ele. Carvalho também se lamentou pela mentalidade dominante entre os moradores de favelas que viveram por décadas sob o controle de grupos de narcotraficantes. “Esta geração está perdida”, disse ele. “Precisamos nos concentrar nas crianças através da promoção de programas de esporte e educação.” (Grifo [sublinhado] meu) [6].

Em outro trecho, o mesmo telegrama relata as dificuldades encontradas pela polícia diante dessa situação:
Carvalho explicou, por exemplo, que os seus oficiais tiveram que conter uma revolta na favela do Chapéu Mangueira/Babilônia, após os seus moradores protestarem por não estarem recebendo benefícios em pé de igualdade com relação a outras favelas “pacificadas”. Carvalho culpou o governo do estado do Rio de Janeiro por falhas no provimento de serviços essenciais, dizendo “Não há serviços lá, e o estado não é suficientemente organizado para provê-los”. Representantes das favelas, embora geralmente apoiem o programa de pacificação, sempre mencionam a necessidade de mais programas sociais e serviços básicos. [7]

O autor do telegrama comenta, ao final, que
Assim como na contrainsurgência, a população do Rio de Janeiro é o verdadeiro centro de gravidade. […] Um dos principais desafios deste projeto é convencer a população favelada que os benefícios em submeter-se à autoridade estatal (segurança, propriedade legítima da terra, acesso à educação) superam os custos (taxas, contas, obediência civil). Assim como para a doutrina de contrainsurgência americana, não devemos esperar por resultados do dia para a noite. […] Se, contudo, o programa conquistar “mentes e corações” nas favelas e continuar a gozar do apoio genuíno do governador e do prefeito, amparados pela empresas privadas seduzidas pela perspectiva de reintegrar um milhão de moradores das favelas para os mercados formais, então este programa poderá refazer o tecido econômico e social do Rio de Janeiro. O posto [diplomático] irá trabalhar ao lado das autoridades estatais relevantes para facilitar trocas, seminários e parcerias institucionais visando este fim. [8]

Intrigado por saber que a diplomacia dos EUA vê claras semelhanças entre a “pacificação” de favelas, no Rio de Janeiro, e a doutrina de contrainsurgência estadunidense no Iraque e no Afeganistão, fiz uma rápida pesquisa sobre tal doutrina. Encontrei, na Military Review, um artigo do General Huba Wass de Czege, sugestivamente intitulado Como manter amigos e conquistar aliados, em que o autor relata, de maneira desassombrada, as especificidades da doutrina:

As técnicas de contrainsurgência mais severas da Guerra Fria e de outras épocas da história estão obsoletas — incluindo os deslocamentos forçados de populações, o recrutamento obrigatório da população local para as forças de segurança, os rígidos toques de recolher e até a pressão letal sobre os civis para se colocarem do lado do governo. A combinação da habilidosa propaganda internacional feita pelos insurgentes com a cobertura onipresente da mídia significa o fim dessas táticas que funcionaram nas selvas obscuras das Filipinas, Java Ocidental, Malásia, Vietnã e outros lugares.

O uso dessas táticas hoje ocasionaria a perda de aliados e a condenação internacional, prejudicando o alcance de objetivos nacionais vitais em outras partes. Entretanto, isolar a população dos insurgentes continua a ser um princípio consagrado das operações de contrainsurgência. Como já não é mais uma opção deslocar aldeias inteiras para locais que permitam melhor controle, a tarefa torna-se muito mais intensiva em relação à quantidade de tropas e de policiais. A nova doutrina de contrainsurgência, baseada em amplos estudos históricos, ensina que o controle e a proteção da população durante períodos conturbados, como durante uma insurgência ativa, exigem 20 soldados de segurança confiáveis para cada 1.000 habitantes.

Os soldados têm de ser capazes de reconhecer estranhos, viver entre a população local, estar presentes à noite e ser respeitados pelo menos tanto quanto os insurgentes. Os recursos necessários para tanto não parecem razoáveis para um público ocidental acostumado a níveis de policiamento de cerca de 3 homens por cada 1.000 pessoas, em um dia normal. […] Com o desenrolar dos fatos, o objetivo das relações públicas militares entre a população local é o de oferecer uma narrativa coerente e digna de crédito do sucesso, do progresso e das consequências positivas, que vá além do alcance da própria presença física do comando. Dada a natureza das operações militares, essa ampliação do alcance representa um trabalho difícil, mas é cada vez mais essencial para o sucesso. [9]

Que a “pacificação” se assemelha em muito à doutrina de contrainsurgência, disto não tenho dúvida. Resta saber quem são os insurgentes no Rio de Janeiro para justificar o emprego de recursos que “não parecem razoáveis para um público ocidental”. Ora, sabemos muito bem que os narcotraficantes não são insurgentes, mas criminosos inseridos na parte mais vulnerável do circuito internacional do comércio de drogas e armamentos. Apesar de agirem ao arrepio da lei, tais criminosos não questionam o Estado estabelecido, não querem impor um novo governo, não têm pretensões políticas.

Não são, pois, insurgentes. Muito embora as quadrilhas de narcotraficantes desafiem o monopólio estatal do uso da violência legítima (ou da sua outorgação) sobre os microterritórios que são as favelas, não parece ter sido esta a razão pela qual o Estado brasileiro tenha negligenciado o exercício de algumas das suas prerrogativas, como o fornecimento de infraestrutura técnica e social adequada, a regularização do uso do solo que permitiria legitimamente cobrar impostos sobre ele, ou, ainda, a capacidade de gerir conflitos (não há, até hoje, delegacias [esquadras] nas favelas, o que significa que o braço civil da polícia não se faz representar nestes espaços). Ao contrário, é fácil presumir que o não exercício de tais prerrogativas levou o Estado a ter o seu monopólio desafiado nas favelas.

Ademais, após os dois anos de implementação das UPPs, não presenciamos uma contraofensiva dos narcotraficantes para retomar o controle das favelas das quais foram expulsos, de maneira que o emprego de um efetivo tão elevado de policiais para o controle diuturno das favelas “pacificadas” não parece ser, parafraseando o general de Czege, razoável. Ou, ao contrário, pode ser perfeitamente razoável se considerarmos que a população favelada, esta “geração perdida”, para usar os termos do lugar-tenente do BOPE, é potencialmente insurgente. Como não temos um verdadeiro inimigo interno no Brasil, a questão é controlar de perto a sua população oprimida para que assumam as suas “responsabilidades cívicas”; isto é, para que aceitem pagar contas e taxas enquanto aguardam a duvidosa contrapartida em serviços públicos gratuitos, convencendo-os (e toda a sociedade) que tamanha presença policial e vigilância explicam-se exclusivamente para evitar o retorno da presença ostensiva das quadrilhas armadas de narcotraficantes. Eis a “doutrina da pacificação”, que começou a ser esquadrinhada no Haiti, nas “obscuras” ruas de Porto Príncipe (onde tampouco há insurgentes, mas pobres completamente desprovidos de serviços), longe da “cobertura onipresente da mídia”, para instalar-se nas favelas do Rio de Janeiro, onde as relações públicas militares e da polícia, do governo do estado e a grande mídia se esforçam por “oferecer uma narrativa coerente e digna de crédito do sucesso, do progresso e das consequências positivas, que vá além do alcance da própria presença física do comando”. Do Rio de Janeiro, é fácil imaginar que a “doutrina da pacificação” seja exportada para outras metrópoles (semi)periféricas, lá onde a incorporação de novas camadas da população pobre no circuito formal do capitalismo demandará a ruptura brutal de outras estratégias de sobrevivência.

Notas
[1] Estudo disponível no site www.firjan.org.br
[2] http://www.brasilwiki.com.br/noticia.php?id_noticia=15513
[3] http://oglobo.globo.com/rio/mat/2010/12/18/cabral-mostra-transformacao-da-seguranca-publica-no-rio-investidores-estrangeiros-em-nova-york-923322695.asp
[4] http://oglobo.globo.com/rio/mat/2010/12/13/apos-anos-de-esvaziamento-pacificacao-atrai-empresas-para-areas-proximas-favelas-923280376.asp
[5] Viewing cable 09RIODEJANEIRO329, COUNTER-INSURGENCY DOCTRINE COMES TO RIO’S FAVELAS, disponível em http://wikileaks.ch/cable/2009/09/09RIODEJANEIRO329.html .
[6] Ibid.
[7] Ibid.
[8] Ibid.
[9] General Huba Wass de Czege, 2009: Como manter amigos e conquistar aliados. In: Military Review. Setembro-outubro, p. 62-73. Disponível na Internet em http://usacac.army.mil/CAC2/MilitaryReview/Archives/Portuguese/MilitaryReview_20091031_art010POR.pdf

Fonte: Passa Palavra

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Número de brasileiros sozinhos triplica em 20 anos

Pela primeira vez na história, o número de pessoas morando sozinhas ultrapassou o das famílias com cinco integrantes

A família tradicional, com pai, mãe e três filhos, está cada vez mais rara no Brasil. Pela primeira vez na história, o número de pessoas morando sozinhas ultrapassou o das famílias com cinco integrantes. Hoje, os domicílios com apenas um morador já são 12,2% do total, ante 10,7% das residências com cinco pessoas. Os brasileiros solitários já somam 6,9 milhões - quase três vezes mais que os 2,4 milhões de 1991.

Os dados constam de um recorte inédito feito pelo Estado nos dados do Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa revela que o País está seguindo uma tendência internacional: há cada vez menos gente dividindo o mesmo teto. Em 1960, a média de moradores por domicílio era de 5,3 pessoas. Cinquenta anos depois, caiu para 3,3. Ainda assim, é bem maior do que a proporção em países europeus e nos Estados Unidos: por volta de 2,5.

Existem, porém, duas grandes diferenças no aumento dos "solitários" brasileiros registrado na última década. A primeira é a intensidade - de 2000 para cá, o ritmo de crescimento dos domicílios com apenas um morador foi cerca de 15% maior do que na década anterior.

A outra é a participação das cidades médias: morar sozinho era um comportamento mais restrito às grandes cidades. Mas, nos últimos dez anos, o avanço de casas e apartamentos com apenas um morador foi quase 40% maior em cidades de 100 mil a 500 mil habitantes que nos grandes municípios. As principais explicações para esse fenômeno são o crescimento no número de idosos e o aumento na renda média do brasileiro.

Fonte: Portal iG

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O inquestionável poder da mulher fatal

Ela é dominadora e habilmente induz o homem a fazer o que deseja

*Regina Navarro Lins

Cleópatra seduziu Júlio Cesar e Marco Antônio, os dois homens mais poderosos de sua época. O poder que teve sobre Marco Antônio foi tanto que, quando Roma toda ficou contra ele, o suicídio foi a única saída. Na História encontramos muitos exemplos de mulheres fatais. A primeira e a mais competente de que se tem notícia parece ter sido mesmo Eva. Ao tentar Adão, teria provocado a desgraça, não só para ele, mas para todos nós.

No início do século 20, algumas cortesãs se misturavam com a alta sociedade e era chique um jovem ser arruinado por uma delas. Quanto mais dilapidavam uma fortuna, mais eram valorizadas. O rei Eduardo VIII, da Inglaterra, foi vítima dessa perigosa atração ao desistir do trono, em 1936, para se casar com uma divorciada americana. E há quem atribua à atração que Yoko Ono exerceu sobre John Lennon, na década de 70, o lamentável fim dos Beatles. Essas histórias são antigas, mas até hoje mulheres fatais parecem continuar por aí.

Foto: Getty Images/A perigosa Cleópatra foi vivida no cinema pela atriz Elizabeth Taylor

Eneida, uma mulher de 65 anos, me procurou no consultório por se sentir abalada com o novo relacionamento amoroso de seu filho, Walter. Ele, um médico de 40 anos, segundo ela, sempre foi muito sensato. Há dois anos, porém, sua mulher quis a separação e Walter sofreu muito com isso. Saiu de casa deixando o apartamento para a ex-mulher e as filhas e, não tendo alternativa, foi morar com a mãe.

“Agora, depois de tantos anos, tenho acompanhado mais de perto a vida cotidiana do meu filho. Estou horrorizada. Há alguns meses, após todo o drama da separação, Walter arranjou uma namorada. No início, fiquei até contente, afinal, ele estava muito sozinho, com a autoestima bastante abalada. Só que aos poucos fui percebendo que a namorada não passa de uma oportunista. Ela lhe pede presentes caríssimos; até empréstimo em banco descobri que ele pediu para não decepcioná-la numa viagem que ela sugeriu para Fernando de Noronha. Mas o pior de tudo é que ele passou para o nome dela o único bem que lhe restou – um belo sítio em Teresópolis. Ela o domina completamente. Não adianta eu tentar fazê-lo enxergar o que está acontecendo. Walter simplesmente não me ouve. Não reconheço mais o meu filho e não sei como devo agir.”

Quantos homens foram vítimas de femme fatales? Sempre se contaram histórias de homens que perderam tudo, ficaram na miséria tentando satisfazer todos os desejos da mulher amada. Elas exigiam apartamentos, joias, casacos de pele; e eles nem titubeavam, compravam tudo para elas. As mulheres “respeitáveis” observavam de longe e se perguntavam: “O que elas têm que eu não tenho?” E como o sexo devia ser contido para estas, era natural imaginarem que a resposta estava no prazer especial que as outras sabiam proporcionar aos homens. Mas será que o motivo dessa paixão obsessiva pode ser atribuído somente ao sexo? É pouco provável.

A ideia que se tem da mulher fatal é a de uma mulher atraente, tão irresistível que faz o homem abandonar tudo por sua causa e depois, então, acaba com ele, muitas vezes provocando tragédias. Dizem alguns que a femme fatale clássica se torna prostituta de categoria depois de ter sido abandonada por um namorado e dedica o resto da vida a se vingar nos homens que conhece. Mas, afinal, o que faz essas mulheres terem tanta força? Como conseguem dominar homens poderosos e submetê-los aos seus desejos?

Talvez a explicação se encontre na forma como as crianças são educadas na nossa cultura. Desde cedo o homem é ensinado a não precisar da mãe para não ser visto como frágil, “filhinho da mamãe”. Para isso, aprende a considerar a mulher inferior, a desprezá-la. Entretanto, essa atitude não passa de uma defesa por ter sido afastado da mãe quando ainda precisava de seus cuidados e carinho. A mulher, por sua vez, deve ser submissa ao homem, deixar que ele domine a relação e decida as coisas.

A mulher fatal, ao contrário, é forte, dominadora e habilmente induz o homem a fazer o que deseja. Desta forma, não é difícil ele se tornar dependente por encontrar nela a satisfação das necessidades reprimidas desde a infância: ser cuidado e dirigido por uma mulher. Com ela, pode se tornar menino, se sentir protegido. E é claro que sexualmente ela o satisfaz, já que não mede esforços para tê-lo nas mãos. A entrega dele é total. Não há dúvida de que a mulher fatal do século 21 é bem diferente das suas antecessoras, mas o fascínio exercido sobre o homem que a deseja não é em nada menor. Dificilmente ele resiste, é capaz de qualquer loucura por ela.

Fonte: Portal iG

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

De volta para casa


por Inés Benítez, da IPS

Málaga, Espanha, 14/2/2012 – “Mas o que acontece na Espanha?”, pergunta Hernán Bocchio, arquiteto argentino com três filhos, há quatro anos sem emprego e que estuda uma oferta que recebeu do Brasil. Bocchio, de 43 anos e que desde os 17 vive na Espanha, fala de compatriotas que já partiram e de outros que preparam o regresso ao seu país natal porque apenas conseguem pagar o aluguel de onde moram.

Pela primeira vez na década, a emigração da Espanha supera a imigração, devido à crise econômico-financeira que afeta severamente este país e o resto da União Europeia. Dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatistica (INE) indicam que 507.740 pessoas, em sua maioria estrangeiros, saíram da Espanha no ano passado, enquanto 457.650 chegaram.

O informe detalha que, do total de emigrantes, 445.160 eram restrangeiros residentes, em sua maior parte da América Latina. Entre 2004 e 2007 houve saldo positivo de 600 mil pessoas por ano, mas agora a Espanha perde população castigada por uma das piores crises de sua história.

Nos últimos anos, a quantidade de equatorianos e bolivianos residentes na cidade de Málaga caiu 30%, afirmou à IPS o porta-voz da Federação de Associações Latino-americanas (Fedesur), Gerardo Valentín. O desemprego, que chega a 21,2% da população economicamente ativa da Espanha, afeta especialmente muitos imigrantes de Equador, Bolívia e Colômbia, que trabalhavam principalmente na construção e na hotelaria.

Valentín, natural da Bolívia e radicado na Espanha há 24 anos, disse que o retorno de imigrantes acontece devido à confluência de uma série de “circunstâncias sociais, políticas e psicológicas”, entre as quais cita “o temor das medidas sobre imigração” que possam ser tomadas pelo novo governo do Partido Popular (PP, centro-direita).

Muitos trabalhadores latino-americanos não querem continuar na Espanha “ganhado menos e sofrendo mais” e optam por voltar ao seu lugar de origem, se beneficiando do programa de ajuda a esse fim impulsionado pelo governo espanhol desde 2008. O Plano de Retorno Voluntário inclui cerca de 20 países de fora da União Europeia com os quais assinou convênio bilateral em matéria de Seguridade Social, entre os quais 11 nações latino-americanas.

Segundo este plano, os imigrantes desempregados que desejam voltar podem optar por cobrar antecipadamente toda prestação e computar os pagamentos feitos na Espanha à seguridade social em seus países de origem para efeitos de aposentadoria. A maioria dos estrangeiros residentes na Espanha procede de Brasil, Equador, Bolívia, Colômbia, Peru e Argentina, segundo dados do INE de 2011.

Por sua vez, a presidente da Associação de Uruguaios de Málaga, Patricia Rusmigo, assegurou à IPS que “muitos compatriotas voltaram ao nosso país porque a situação ali já não é tão dramática como antes e agora há mais oportunidade de trabalho”. Rusmigo, que vive há 11 anos na Espanha com seus três filhos, reconhece como é difícil fazer as malas e voltar para recomeçar, e destacou que muitos uruguaios resistem e buscam novas possibilidades de trabalho na Espanha para não precisar retornar.

A decisão não é fácil. Os níveis de desigualdade e violência na América Latina são muito grandes e por isso muitos tentam aguentar, segundo afirmaram à IPS outros imigrantes. “Teria que estar em uma situação bastante drástica para voltar ao Uruguai”, afirmou Rusmigo, que trabalha na área administrativa.

Joaquín Arango, diretor do Centro de Estudos sobre Migrações Internacionais e Integração Social do Instituto Universitário Ortega e Gasset, considera que ao falar de emigração “se exagera a magnitude, porque há certa fascinação pela novidade”. À IPS afirmou que, “embora pareça claro e certo que há mais emigração da Espanha do que antes, até agora os números são modestos e, considerando o pano de fundo da magnitude da crise. houve uma mudança de tendência comedida”. Para Arango, embora o saldo migratório seja negativo, a diferença entre só que retornam e os que chegam, tanto em época de bonança como no presente, é pequena.

O alto índice de desemprego e a falta de expectativas também obrigam um bom número de espanhóis, na maioria jovens qualificados, a partir rumo ao estrangeiro. María Ángeles Sánchez, engenheira espanhola de 39 anos que perdeu o emprego depois de uma década de trabalho ininterrupto, disse à IPS que terá que procurar outro país, e para isso aperfeiçoa seus conhecimentos de inglês para procurar ofertas de trabalho na Austrália, Europa oriental ou Emirados Árabes Unidos.

Os profissionais espanhóis que mais emigram são engenheiros, arquitetos, médicos e pessoal sanitário, e um de seus destinos preferidos é a América Latina, até agora resistente à crise que sofrem os países ricos.

Fonte: Envolverde

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Livro conta detalhes sobre vida amorosa de muçulmanas dos EUA

"Love, InshAllah" reúne 24 histórias sobre paquera, namoro e sexo contadas por mulheres muçulmanas

The New York Times

Zahra Noorbakhsh tinha 14 anos quando sua mãe, uma imigrante iraniana, descobriu que estava desafiando a proibição de sua família ao andar com meninos: um deles a acompanhou ao cinema, junto com quatro amigas.

Por isso, a conversa sobre sexo que teria esperado até sua noite de núpcias caso ainda morasse na cidade santa de Qom, aconteceu no estacionamento de um shopping em Danville, na Califórnia.
"Zahra, você tem um buraco", sua mãe começou. "Para o resto de sua vida, os homens vão querer colocar seu pênis em seu buraco. Não importa quem você é, como você é ou quem é seu amigo".

A jovem Zahra saiu do carro pensando: "Eu tenho o quê? Um buraco? Será que foi algo que comentaram no dia que faltei na aula de educação sexual?”


Foto: NYT/Ayesha Mattu, uma das editoras do livro "Love, InshAllah", que conta a vida de muçulmanas americanas, posa para foto em sua casa em São Franisco (21/01)

Esse tipo de conversa é contada em uma nova antologia de ensaios sobre paquera, namoro e sexo publicada nesta semana sob o título "Love, Inshallah: The Secret Love Lives of American Muslim Women" (Amor, se Alá quiser: A Vida Amorosa Secreta da Mulher Muçulmana Americana, em tradução livre).

As duas editoras, Ayesha Mattu e Nura Maznavi, quiseram criar um livro que desmentisse o estereótipo de que as mulheres muçulmanas não têm voz e são oprimidas. Elas reuniram 24 relatos de vidas privadas que expõem um grupo em muitos casos explicitamente encoberto. Eles ilustram como as americanas muçulmanas lidam com questões comuns.

"Inshallah", a palavra árabe para a expressão "Se Deus Quiser", foi colocada no título porque "capta a ideia de que todo mundo está procurando por amor", disse Maznavi.

A antologia faz parte de uma série de livros publicados nos últimos dois anos por mulheres muçulmanas americanas falando sobre suas vidas.

"A imagem que as pessoas têm é de que somos submissas e que nos dão em casamento para homens velhos e barbudos", disse Mattu, 39, consultora de desenvolvimento internacional, "quando a verdade é que a maioria das mulheres americanas muçulmanas são criativas, engraçadas, inteligentes e opinativas."

Desde os ataques de 11 de Setembro de 2001, os muçulmanos americanos estão em conflito sobre ficar calados ou convencer os outros americanos de que não são tão diferentes assim. Controvérsias aparecem até mesmo por causa de um simples programa de televisão como o "All-American Muslim" (Muçulmanos Completamente Americanos, em tradução livre), que contou com a participação de cinco famílias muçulmanas que vivem em Dearborn, Michigan, e as retratou de maneira que os americanos pudessem entender e ver como qualquer outra família.

Até mesmo as editoras deste livro, ambas americanas e filhas de imigrantes, tiveram problemas para combater a tendência da sociedade em considerar todos os muçulmanos extremistas. Elas tiveram que lutar contra uma proibição cultural que impede o ato de descrever a vida privada em público. "Não existe espaço dentro da comunidade muçulmana americana para que as mulheres possam falar sobre suas vidas amorosas", disse Maznavi, 33, uma advogada de direitos civis.

Foi muito difícil conseguir publicar o livro. As mulheres consideraram a ideia cinco anos atrás quando tomavam um café em São Francisco e discutiam de maneira brincalhona como seria uma comédia romântica muçulmana. Seu agente não foi adiante com a proposta, pois muitas editoras sentiram que o livro não se encaixava em uma categoria específica como religião, didático ou romance.

Então elas esperaram até o Pitchapalooza 2010, um evento anual que faz parte do festival literário de Litquake da cidade, onde escritores tem alguns minutos para expor a ideia de seu livro a um painel de especialistas da indústria.

Na noite em que elas participaram mais de 50 autores apareceram, e como não havia espaço para que todos pudessem expor suas ideias, nomes foram sorteados de um chapéu. As duas mulheres presenciaram cerca de 15 autores expondo suas ideias antes que o nome de Maznavi fosse sorteado.

Por estar nervosa, Maznavi acabou improvisando. O público foi à loucura e alguns homens se aproximaram dizendo coisas como: "Não sabia que era permitido tocar em você."
Elas conseguiram novos agentes naquela noite e no mês seguinte tinham um contrato com a Soft Skull Press, uma pequena editora de Berkeley, na Califórnia.

Elas solicitaram histórias do país inteiro, principalmente através do Facebook e do Twitter, e tiveram que selecionar os 24 relatos que melhor representam as mulheres que têm origens da África Oriental e ao Oriente Médio, bem como uma mistura de idades, profissões e orientações sexuais.

Algumas experiências falam de questões que vão além das preocupações das muçulmanas americanas, como a mulher que descobre que seu amor de longa data já tem uma filha ou a mulher que decide revelar sua orientação sexual para pais, apenas para descobrir que eles estavam lendo seu blog há anos.

Mas muitas questões lidam com assuntos específicos de sua religião, como o que fazer quando o seu namorado decide lhe fazer uma surpresa ao lhe dar uma garrafa de champanhe de presente e você precisa explicar que os muçulmanos não podem beber álcool. Mesmo em famílias que não seguem a questão do casamento ao pé da letra, muitas mulheres têm problemas para lidar com relações sexuais antes do casamento.

Uma judia convertida ao Islã detalhou a dor que sentiu ao se afastar de seu pai por sua opção religiosa, enquanto outra falou com entusiasmo sobre a experiência de ingressar em uma família poligâmica.

Angela Collins Telles, 36, outra convertida ao Islã, descreveu a inacreditável maneira como superou todas as barreiras do destino para poder encontrar seu marido brasileiro, incluindo seu comportamento anti-islâmico, que começou com um primeiro encontro ao acaso em um bar e seguiu para outro em um quarto de hotel que durou a noite toda.

"Sei que minha história não vai ser bem vista pelas pessoas que eu conheço, mas não me importo", disse Collins Telles, ex-diretora de uma escola primária, principalmente agora que seu marido também se converteu e eles têm dois filhos pequenos.

A coleção inclui apenas um conto verdadeiramente triste, o de uma mulher que descreveu a perda de seu noivo italiano porque ele condenou sua fé, dizendo que todos os muçulmanos são terroristas. Ela já havia largado o emprego em Nova York e estava pronta para se mudar para a Europa quando teve a discussão com seu noivo.

"Tive uma experiência muito ruim e que deixou cicatrizes", disse a mulher, que escreveu sob o nome de Leila N. Khan. "Sempre existe esse medo de que irão lhe dizer: 'Eu te avisei, você não deveria ter ido contra a sua própria fé'."

As experiências difíceis foram as mais complicadas de serem escritas, pois, segundo as editoras, poderiam servir de munição para as pessoas que retratam todos os muçulmanos como antiamericanos.

"É ainda mais difícil para as mulheres muçulmanas, porque queremos reclamar dos nossos homens sem que as pessoas em nossa volta digam: 'Olha lá, eu sabia que eles eram todos terroristas loucos'", disse Noorbakhsh, uma comediante de 31 anos, que além de descrever suas aulas de educação sexual também conta em detalhes sua experiência de perder a virgindade na faculdade. "Você se coloca em uma posição na qual fica vulnerável para que as pessoas utilizem o que você disse para atacar sua comunidade. Por isso que, normalmente, ficamos sem dizer nada.”
Por Neil Macfarquhar
Fonte Portal iG

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Tosca - Giacomo Puccini

Tosca - Giacomo Puccini

Floria Tosca - Maria Guleghina
Mario Cavaradossi - Salvatore Licitra
Il barone Scarpia - Leo Nucci
Il Sagristano - Alfredo Mariotti
Cesare Angelotti - Giovanni Battista Parodi
Spoletta - Ernesto Gavazzi
Sciarrone - Silvestro Sammaritano
Un pastore - Virginia Barchi
Un carceriere - Ernesto Panariello

Conductor - Riccardo Muti

Orchestra - Teatro alla Scala

Chorus - Teatro alla Scala

http://www.youtube.com/watch?v=NcqvghXaQ0Q&feature=related

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Masculino e feminino não existem

Manter os conceitos de feminino e masculino aprisiona ambos os sexos a estereótipos

*Regina Navarro Lins


Foto: Getty Images
Os padrões de comportamento são distintos e determinados para cada um dos sexos. E isso é só o início.

“A mulher pode ser feminina e ao mesmo tempo ser autônoma?” Fiz essa pergunta para mais de cem pessoas, homens e mulheres com idades variando de 20 a 55 anos. As respostas foram instantâneas e veementes: “claro”, “lógico”, “óbvio”. Em seguida coloquei a segunda questão: O que é uma mulher feminina? O comportamento de todos foi semelhante. Silêncio por algum tempo, como se tivessem sido pegos de surpresa. Hesitantes e confusas, as pessoas tentavam explicar.

Reunindo todas as respostas, surgiu o perfil da mulher feminina: delicada, frágil, sensível, cheirosa, dependente, pouco competitiva, se emociona à toa, chora com facilidade, indecisa, pouco ousada, recatada. Concluí, então, que a mulher considerada feminina é uma mulher estereotipada. Por isso, uma mulher não pode ser autônoma e feminina ao mesmo tempo.

Autonomia implica ser você mesma, sem negar ou repudiar aspectos de sua personalidade para se submeter às exigências sociais. Mas isso não é uma tarefa fácil.

A primeira coisa que se quer saber quando um casal vai ter um filho é o sexo da criança. Mesmo antes do nascimento o papel social que ela deverá desempenhar está claramente definido: masculino ou feminino. Os padrões de comportamento são distintos e determinados para cada um dos sexos. Os meninos são presenteados com carrinhos, revólveres e bolas, enquanto as meninas recebem bonecas, panelinhas e mamadeiras. E isso é só o início.

A expectativa da sociedade é que as pessoas cumpram seu papel sexual, que sofre variações de acordo com a época e o lugar. Até algumas décadas atrás, não se admitia que um homem usasse cabelo comprido e muito menos brinco. Eram coisas femininas. As mulheres, por sua vez, não sonhavam usar calças, nem dirigir automóveis. Era masculino.

Na realidade, a diferença entre os sexos é anatômica e fisiológica, o resto é produto de cada cultura ou grupo social. Tanto o homem como a mulher podem ser fortes e fracos, corajosos e medrosos, agressivos e dóceis, passivos e ativos, dependendo do momento e das características que predominam em cada um, independente do sexo. Insistir em manter os conceitos de feminino e masculino é prejudicial a ambos os sexos por limitar as pessoas, aprisionando-as a estereótipos.

Na Suécia há uma tentativa de combater os estereótipos dos papéis sexuais. Uma pré-escola do distrito de Sodermalm, de Estocolmo, incorporou uma pedagogia sexualmente neutra que elimina completamente todas as referências ao sexo masculino e feminino. Os professores e funcionários da pré-escola "Egalia" evitam usar palavras como "ele" ou "ela".

A professora Jenny Johnsson, de 31 anos, disse que “a sociedade espera que as meninas sejam garotinhas gentis e elegantes, e que os meninos sejam viris, duros e expansivos. Egalia lhes dá uma oportunidade fantástica de ser quem quer que eles queiram ser”.

A diretora Lotta Rajalin disse que a escola contratou um “pedagogo de diversidade sexual” para ajudar os professores e funcionários a remover as referências masculinas e femininas na linguagem e conduta, indo ao ponto de garantir que os jogos infantis de blocos Lego e outros brinquedos de montagem sejam mantidos próximos aos brinquedos de utensílios de cozinha a fim de evitar que algum papel sexual tenha preferência.

As crianças poderão imaginar que possuem características consideradas masculinas e femininas, e isso amplia a perspectiva delas. Além disso, não há livros infantis tradicionais como Branca de Neve, Cinderela ou os contos de fadas clássicos, disse Rajalin. Em vez disso, as prateleiras têm livros que lidam com duplas homossexuais, mães solteiras, filhos adotados e obras sobre “maneiras modernas de brincar”. A diretora dá um exemplo concreto: “Quando as meninas estão brincando de casinha e o papel de mãe já foi pego por uma, elas começam a disputar. Então sugerimos duas ou três mães e assim por diante”.

Fonte: Portal iG

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A importância do livro para a educação e o desenvolvimento

No final de 2011, quando as agências internacionais noticiaram que a economia brasileira já era a sexta do mundo, ultrapassando a da Inglaterra, num primeiro momento houve euforia. A seguir, analistas nacionais e internacionais ponderaram que ainda falta muito para o país chegar ao nível de qualidade de vida e infraestrutura existentes nas nações mais desenvolvidas.

Ao lado de fatores como renda per capita muito mais baixa e problemas com transportes, saneamento (como mostram as recentes inundações, que se repetem todos os anos), um especial se destacou: a educação. Hoje, no Brasil, um dos aspectos que ainda retardam o crescimento é a falta de mão de obra especializada e um ensino de alta qualidade. Ora, todos sabemos que só por meio do aprendizado conquistamos a verdadeira plenitude, que alia a qualidade de vida profissional e pessoal e nos completa como cidadãos.

Felizmente, nos últimos anos, notícias como a de que o brasileiro comprou mais livros em 2010 – segundo dados da CâmaraBrasileira do Livro (CBL), ou que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) fechou, em agosto passado, negociação para a compra de 162,4 milhões de livros didáticos a serem utilizados por alunos da rede pública neste ano de 2012 – mostram que os brasileiros estão atentos a esse aspecto.

Karine Pansa, presidente da CBL, declarou recentemente que “é gratificante observar que o preço do livro no Brasil vem mantendo uma tendência de queda. Isto estimula o crescimento do número de leitores e desenha um futuro com mais educação, cultura e efetivo desenvolvimento”. A indústria gráfica brasileira está atenta e preparada para essa demanda da sociedade. Sabemos que um dos itens importantes de um país educado é o hábito da leitura.

Nesse sentido, o livro impresso, a despeito das mídias digitais, continua sendo o mais importante, completo e abrangente meio para a difusão de conhecimento com conteúdo didático, científico e literatura, contribuição para um país mais competitivo e com melhores condições de conseguir o verdadeiro progresso.
Tal condição é referendada em matéria no jornal New York Times de 20 de novembro de 2011, contendo a opinião de famílias e especialistas sobre as vantagens dos livros impressos. O jornal ouviu vários pais que, embora usem em sua vida diária os tablets, fazem questão que seus filhos pequenos sejam cercados por livros impressos, para que possam virar as páginas e ter a mesma experiência física com que eles mesmos aprenderam formas e cores.

Junlo Yokota, professor e diretor do centro de ensino por meio de livros infantis da National Louis University, em Chicago, afirma que a forma e o tamanho do livro são muitas vezes parte da experiência de leitura. Páginas mais amplas podem ser usadas para transmitir paisagens amplas, ou um formato mais alto pode ser escolhido para histórias sobre arranha-céus, por exemplo.

O jornal termina a matéria com o que acreditamos seja um dos maiores elogios ao livro impresso como indutor de educação. Mateus Thomson, de 38 anos, executivo de um site de mídia social, acredita que seu filho de cinco anos vai aprender a ler mais rápido no papel impresso: “os sinos e assobios de um iPad se tornam mais uma distração. Quando vamos para a cama, ele sabe que é a hora da leitura. Se pegar o iPad, ele vai querer jogar um jogo. Desta forma, a concentração pela leitura sai pela janela”. Melhor explicado, impossível.

* Dieter Brandt é presidente da Heidelberg América do Sul.
(O Autor)

Fonte: Envolverde

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Falta interatividade

A inclusão de computadores e tablets nas escolas não acompanha a formação de professores.
Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress

A notícia de que o Ministério da Educação vai distribuir tablets, computadores pessoais- portáteis do tipo prancheta, reacendeu a discussão a respeito da invasão das novas tecnologias no ambiente educacional brasileiro.

O objetivo do novo programa, que deve entrar em vigor em 2012, segundo o (ex) ministro Fernando Haddad, é universalizar o acesso dos alunos à tecnologia. Em paralelo aos esforços do MEC, persiste um abismo entre a chegada dos aparelhos às escolas e a sua efetiva utilização pelos docentes.

Uma recente pesquisa, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil com 1.541 professores de 497 escolas de todas as regiões do País, revelou que 64% dos professores sentem que os alunos dominam melhor as ferramentas do que eles. Outros 24% afirmam que não sabem o suficiente para usar a máquina na aula. Sociólogo e doutor em Educação, o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Marco Silva, 56 anos, discute com Carta na Escola a presença dos computadores e tablets nas escolas.

Nesta entrevista, o autor do livro Sala de Aula -Interativa critica políticas governamentais como o programa Um Computador por Aluno e questiona a inexistência de uma “injeção de ânimo financeiro” para o docente aprender a utilizar novas tecnologias. Silva também elenca outros entraves: a baixa velocidade da banda larga, a falta de formação efetiva dos docentes e a inexistência de um profissional capacitado para fazê-la.

Carta na Escola: Levantamento do Comitê Gestor da Internet do Brasil revelou que os computadores estão em praticamente todas as escolas públicas brasileiras, com 90% deles conectados à internet. Entretanto, a mesma pesquisa revelou que o professor ainda não se sente preparado para utilizar a tecnologia em sala de aula. Quais são as razões dessa contradição?

Marco Silva: A resposta é muito simples. Há uma política de inclusão de computadores nas escolas, mas não há política de formação de professores para seu uso. Os programas de inclusão dos computadores das escolas do governo cometem esse grande erro. Nas particulares ocorre o mesmo. As pessoas acreditam que basta colocar o computador na escola para que ele imediatamente passe a interferir na mudança curricular. Não é suficiente colocar o computador num laboratório para que o professor possa incluí-lo em sua prática docente. O computador pode interferir profundamente no conceito de currículo, que está muito centrado no professor. Com o computador, a postura docente se tornará mais flexível, no sentido de os alunos ganharem mais participação e importância no processo- -docência-aprendizagem. Se o professor não tem uma formação adequada para o uso do computador, ele ficará alheio a essa possibilidade e o computador ficará, lamentavelmente, como já está, no laboratório, separado da prática docente.


Para o sociólogo Marco Silva, redes pública e privada falham ao não pensar a tecnologia dentro das práticas docentes. Foto: Marcelo Carnaval

CE: Como se deu a implementação do programa Um Computador por Aluno? Os resultados foram condizentes com a expectativa do lançamento?
MS: Não. Esse projeto nunca foi adiante. Ele aconteceu em um ou outro lugar.
Primeiro, houve grande expectativa em relação ao computador custar 500 reais. As empresas que negociavam o computador nunca conseguiram efetivar esse valor. A segunda impossibilidade foi de que o computador chegou à escola, mas ela não sabia muito bem o que fazer com ele. Isso foi constatado em uma pesquisa na Uerj realizada pela professora Edneia Santos. Quando os computadores chegaram às escolas cariocas, uma das docentes disse: “O que eu vou fazer com essa caixa vazia?”. A professora imaginava que o computador chegaria como um livro ou apostila, cheio de conteúdo para ser aplicado e de informações para o aluno trabalhar. Na verdade, ela teria de incluir conteúdos diversos. Essa foi outra falha do governo: deveria oferecer o computador, formar o professor para seu uso integrado ao currículo escolar e, ao mesmo tempo, ensiná-lo a “encher” aquela máquina com conteú-dos importantes.

CE: O ministro da Educação, Fernando Haddad, anunciou que vai distribuir tablets em escolas públicas. Esses equipamentos vão ajudar no processo educacional ou são mais um produto tecnológico da moda, como foi o notebook?
MS: O tablet é muito mais prático, barato e fácil de ser utilizado do que o computador. Ele rompe com o laboratório de informática, que fica separado da sala de aula, o que, às vezes, impede os professores de se deslocarem com uma turma de 40 alunos. A presença do tablet pode superar essas dificuldades. Mas continuo insistindo no mesmo problema inicial: não adianta chegar o tablet se permanecer o erro de não preparar o professor para usá-lo.

CE: Quais os desafios para o professor formado no modelo em que ele era praticamente o único detentor do saber diante de alunos que dominam ferramentas de busca como o Google ou a Wikipedia?
MS: O conceito de docência será o primeiro a ser questionado, uma vez que o computador, por distinção, é uma máquina interativa, ainda mais quando vinculado à web e às redes sociais. Ele é uma máquina de colaboração, uma máquina de autoria, uma máquina de inteligência coletiva. E o professor não está acostumado a trabalhar com essas posturas. O currículo é muito centrado em sua autoria: docente é o detentor do saber e transmite esse pacote de informação. Essa lógica está estruturada em concordância com a lógica dos meios (de comunicação) de massa, ou seja, a televisão, os impressos, o quadro-negro e até mesmo o PowerPoint. O computador tem uma lógica diferenciada, que supõe a autoria dos seus usuários. Isso tudo quebra ou questiona uma postura professoral tradicional.

CE: Que tipo de planejamento e formação o professor pode buscar, enquanto espera por essa formação do governo?
MS: É muito difícil o sujeito solitariamente correr atrás do prejuízo. É preciso que haja um projeto de formação continuada, bem estruturado, para que ocorra de fato. Porque, muitas vezes, o projeto se -inicia, mas não continua. Para mudar mentalidades e práticas, não basta uma palestrazinha de fim de semana ou levar o professor uma vez por semana para o laboratório: é preciso adotar posturas interativas, colaborativas. O mais curioso dessa história é que os clássicos teóricos da educação, Paulo Freire, Anísio Teixeira, Vigotski, todos já acionavam o professor para posturas democráticas, participativas, dialógicas. Essas posturas é que precisam ser desenvolvidas com o computador. É necessário mudar essa prática
milenar de ensino unidirecional, da qual o professor não pode ser responsabilizado. O livro, a tevê e o rádio são unidirecionais – o professor respirou essa lógica durante décadas, por isso a formação terá de ser profunda e significativa. Será preciso um engajamento continuado, com professores bem preparados, para formá-los, e não treiná-los.

CE: Isso não onera ainda mais a carga horária do professor?
MS: Com certeza. Você não consegue tirar o professor para a formação dentro do cotidiano sufocante em que ele está. O professor muitas vezes trabalha em três turnos porque com um só ele não sobrevive. Vive nos engarrafamentos, estressado, com muitos alunos por sala, então é preciso que haja um plus no seu contracheque, uma injeção de ânimo financeiro. Por outro lado, é preciso uma tabela de opções de horários para que ele possa, de fato, ter flexibilidade na carga horária e atue em sua formação no cotidiano. Esses encontros de formação também precisam ser na escola – não adianta convidar o professor para grandes deslocamentos.

CE: Que tipo de profissional pode realizar essa formação?
MS: Esse formador raramente existe. Aqui você de fato vai bater com a cabeça em uma grande parede, porque não existem os formadores de formadores. O formador, em geral, não passa de um técnico de informática. Não basta chamar um rapazinho que entenda de tablets para fazer a formação. O grande desafio é articular o tablet e o computador com a mudança curricular e comunicacional em sala de aula. Os formadores são técnicos, não sabem discutir modificações curriculares, não sabem discutir teoria da comunicação, necessária para questionar a unidirecionalidade. Raros são aqueles formadores com capacidade para mexer com isso.

CE: É preciso formar o formador?
MS: É preciso formar o formador. O desafio é grande. Comprar o computador é fácil, o governo tem dinheiro para fazer isso. Mas é a parte mais simples do processo. O mais difícil é formar o formador e o formador formar o professor. E é exatamente aí que nada ou muito pouco se faz. Quando se faz, é malfeito.

CE: A posse de equipamentos de alto valor agregado, como o próprio tablet, pode elevar a autoestima do aluno de escola pública? Isso pode ter efeito positivo no rendimento em sala de aula?
MS: Sem dúvidas. O lamentável é que o aluno fica operando o tablet nos seus interesses, nas redes sociais, nos jogos online, nas suas curiosidades particula-res. O desafio é motivá-lo às coisas próprias do currículo escolar.

CE: Não basta apenas entregar o tablet para o aluno.
MS: Sim, se você entregar o tablet, para onde ele vai? Para o Facebook, para o Orkut e para os games. O aluno não tem outro atrativo agregado à máquina. É preciso também fazer educação com o tablet, não só diversão.

CE: O novo Plano Nacional de Educação aposta na educação a distância para expandir matrículas, especialmente no ensino técnico e na pós-graduação. A baixa velocidade da banda larga no País pode ser um entrave à expansão efetiva da educação a distância?
MS: Temos outro problema enorme. Primeiro, a nossa internet é muito cara, talvez a mais cara do mundo. Não é de hoje que se diz que as escolas têm banda larga, é uma mentira, elas não têm. Quando há internet, ela é muito lenta, perto da conexão discada. Se no seu computador não tem internet, você experimenta um desânimo profundo – é “brochante”, como dizem meus alunos. É exatamente isso. O computador sem internet fica muito próximo de uma máquina de escrever. Não há motivação quando a banda larga não funciona, quando a conexão não funciona. Aqui nós temos outra falha enorme do governo brasileiro. Há uma espécie de promessa, a sociedade fica aguardando a efetivação disso tudo, que nunca acontece. É uma questão para ser resolvida ontem: internet funcionando com banda larga nas escolas. Mas a política pública não funciona, lamentavelmente.

Fonte: Carta Capital

Feministas comemoram escolha de nova ministra das Mulheres

Companheiras de cadeia. Dilma, Eleonora, Guiomar, Cida e Rose na época em que foram presas. Eleonora é uma das Donzelas da Torre


Eleonora com a presidenta Dilma em janeiro de 2012

da Agência Patrícia Galvão

Eleonora Menicucci de Oliveira, nova ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, cultiva a imagem de pesquisadora feminista com visão política independente, uma vez que é filiada ao Partido dos Trabalhadores, mas não participa do dia-a-dia do partido.

Mineira da cidade de Lavras, nascida em 21 de agosto de 1944, é divorciada e tem dois filhos – Maria, de 42 anos, e Gustavo, com 37 – e três netos, Stella, João e Gregório.

Na juventude, interessa-se pelo ideário socialista e inicia sua participação em organizações de esquerda após o golpe militar de 64. Passou quase três anos na cadeia em São Paulo, de 1971 a 1973.

Ao sair da prisão, reorganiza sua via em João Pessoa, na Paraíba, onde inicia sua carreira docente na Universidade Federal da Paraíba. É nesse período que a militância feminista e a paixão pela pesquisa sobre as condições de vida das mulheres brasileiras ganham relevo na sua trajetória acadêmica e política.

Eleonora Menicucci de Oliveira é feminista de primeira hora, da chamada “segunda onda do feminismo brasileiro”, que acontece a partir de 1975.

Como pesquisadora e professora titular da Universidade Federal de São Paulo, publica regularmente artigos e estudos sobre temas críticos da condição das mulheres nos campos da saúde, violência e trabalho.

Breve currículo

Professora Titular em Saúde Coletiva no Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Atualmente é Pró-Reitora de Extensão da Unifesp.

Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (1974), mestrado em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba (1983), doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (1990), pós-doutorado em Saúde e Trabalho das Mulheres pela Facultá de Medicina della Universitá Degli Studi Di Milano (1994/1995) e livre docência em Saúde Coletiva pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (1996).

Experiência acadêmica e docente nas áreas de Sociologia e Saúde Coletiva, com ênfase em Sociologia da Saúde, atuando principalmente nos seguintes campos de pesquisa: saúde e relações de gênero; violência de gênero e saúde; mulher trabalhadora e saúde; saúde reprodutiva e direitos sexuais.

Sua trajetória acadêmica é marcada por participações em conselhos e comissões e por consultorias em políticas públicas e direitos das mulheres.

Atividades relevantes na sociedade civil

2006 a 2011 – Membro do Grupo de Trabalho de Gênero da Abrasco (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva), criado em 1995 com a finalidade de contribuir com o ensino e a produção do conhecimento sobre os impactos das desigualdades sociais entre homens e mulheres na saúde.

2008 até o momento – Membro do Grupo de Estudos sobre Aborto (GEA), da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

2003 a 2007 – Assessora especial da Secretaria Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

2002 a 2004 – Relatora para os Direitos à Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma Dhesca Brasil. A Plataforma Dhesca surgiu como um capítulo da Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento (PIDHDD), que se articula desde os anos 1990 para promover a troca de experiências e a soma de esforços na luta pela implementação dos direitos humanos.

1998 – Cofundadora e coordenadora da Casa de Saúde da Mulher Domingos Delascio da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que atende mulheres vítimas de violência sexual.

1990 a 1994 – Membro do Conselho Nacional de Saúde, vinculado ao Ministério da Saúde, instância máxima de deliberação do Sistema Único de Saúde (SUS), representando a Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos.

1990 a 1994 – Membro da Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher (CISMU) vinculada ao Conselho Nacional de Saúde, para formulação, monitoramento e controle das políticas públicas da saúde integral da mulher.

1991 – Cofundadora da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos e Sexuais.

1984 a 1986 – Membro e coordenadora do Grupo de Trabalho de Gênero da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).

1983 – Membro do Grupo de trabalho que assessorou a Comissão Especial convocada pelo Ministério da Saúde (MS) para a redação do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM). O grupo foi constituído pela médica Ana Maria Costa, da equipe do MS; Maria da Graça Ohana, socióloga da Divisão Nacional de Saúde Materno-Infantil (DINSAMI); Aníbal Faúndes e Osvaldo Grassioto, ginecologistas e professores do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), indicados pelo dr. José Aristodemo Pinotti, chefe daquele departamento.

Décadas de 1980 e 1990 – Assessora especial da Comissão Nacional de Mulheres da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

1983 – Membro da 1ª Secretaria Nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores.

Participação no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

1- Nas gestões de Ruth Escobar (1985/1986), Jacqueline Pitanguy (1986/1989) e Rosiska Darci de Oliveira (1995/1999), contribuiu como consultora técnica para as áreas de saúde integral da mulher e violência de gênero.

2- Na gestão Jacqueline Pitanguy (1986/1989), foi membro da 1ª Conferência da Saúde e Direitos da Mulher.

3- Na gestão de Nilcéa Freire (2004/2011), foi membro do Grupo Técnico de elaboração dos Editais para Pesquisas de Gênero, em conjunto com o CNPq.

Alguns artigos publicados

Ambiguidades e contradições no atendimento de mulheres que sofrem violência.Oliveira, E. M.; Amaral, L. V. C.; Vilella, Wilza Vieira; Lima, L. F. P.; Paquier, D. C.; Vieira, T. F.; Vieira, M. L. In Saúde e Sociedade (USP. Impresso), v. 20, p. 113-123, 2011.

Atendimento às mulheres vítimas de violência sexual: um estudo qualitativo, Oliveira, Eleonora Menicucci de; Barbosa, Rosana Machin ; Moura, Alexandre Aníbal Valverde M. de; von Kossel, Karen; Morelli, Karina; Botelho, Luciane Francisca Fernandes; Stoianov, Maristela. In Revista de Saúde Pública / Journal of Public Health, São Paulo, v. 39, n. 3, p. 376-382, 2005.

Reestruturação produtiva e saúde no setor metalúrgico: a percepção das trabalhadoras. Oliveira, E. M. In Sociedade e Estado, v. 21, p. 169-198, 2006.

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do portal IG, via Agência Patrícia Galvão

(Ricardo Galhardo, do iG-SP) Substituta é professora universitária e ex-colega de prisão da presidenta; Iriny sai para disputar a prefeitura de Vitória
A presidenta Dilma Rousseff deve anunciar ainda nesta segunda-feira a saída da ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Iriny Lopes, pré-candidata à Prefeitura de Vitória pelo PT.

No lugar de Iriny assume Eleonora Menicucci de Oliveira, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e ex-companheira de Dilma no presídio Tiradentes, na década de 70. Será a nona substituição no ministério em um ano de governo.
Segundo fontes ligadas a Iriny, o Planalto deve divulgar uma nota anunciando a substituição. A cerimônia de posse deve acontecer nos próximos dias.

Com a troca de Iriny, Dilma completa a primeira fase da reforma ministerial, dedicada a substituir os ministros que vão disputar as eleições municipais deste ano. Antes de Iriny, Dilma trocou Fernando Haddad, que disputará a prefeitura de São Paulo, por Aloizio Mercadante no Ministério da Educação.

Pró-reitora da Unifesp, socióloga e professora de saúde coletiva na universidade, Eleonora é amiga de Dilma desde a década de 1960. Ambas nasceram em Belo Horizonte. Ex-diretora da União Nacional dos Estudantes, a nova ministra foi companheira de Dilma no presídio Tiradentes, em São Paulo, onde ficavam as presa políticas condenadas pela ditadura militar (1965-1985).

Fonte: Vi o Mundo

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

György Lukács


Intelectual marxista, um dirigente revolucionário

György Lukács

Por Emir Sader.

Trecho de texto publicado em István Mészáros eos desafios do tempo histórico, organização de Ivana Jinkings eRodrigo Nobile (Boitempo, 2011).

György Lukács viveu, na sua trajetória como intelectual, os dilemas de buscar dar continuidade às primeiras gerações de marxistas, que eram, ao mesmo tempo, intelectuais e dirigentes revolucionários. Líder do Partido Comunista (PC) da Hungria nos anos 1920, Lukács foi ministro da Cultura de um governo de coalizão, até que, depois de vários reveses nos debatesinternos do partido, resignou-se à sua condição de intelectual marxista, emparticipação direta na atividade partidária.

Embora não se constitua em algum dos casos típicos analisados por Perry Anderson em seu clássico livro Considerações sobre o marxismo ocidental – nem foi expulso ou viveu uma situação insuportável dentro do partido, nem foi vítima da repressão fascista –, Lukács representa um dos grandes dilemas dos intelectuais marxistas diante da chamada“stalinização dos partidos comunistas”, que estreitou as margens de debate interno, a ponto de inviabilizá-los.

Conforme os partidos comunistas deixavam de ser espaços abertos ao debate e à criação intelectual, bloqueando a articulação entre teoria e prática marxistas, produzia-se uma das grandes cisões de que o movimento comunista,socialista e de esquerda em geral passou a sofrer desde então: teorias sempráticas políticas e práticas sem teorias políticas. O marxismo perdia fertilidade concreta e a prática deixava de ser iluminada pela teoria.

Como teoria que pretende não apenas interpretar a realidade, mas transformá-la, o marxismo busca articular deciframento da realidade e sua transformação revolucionária. A interpretação sem seu desdobramento na prática política desvirtua a essência do marxismo, ao mesmo tempo em que a prática política sem sua interpretação radical fere outro dos seus postulados,formulado por Lenin: “Sem teoria revolucionária, não há práticarevolucionária”.

As gerações de Marx, Engels, Lenin, Trotski, Rosa Luxemburgo e Gramsci foram sucedidas por grandes teóricos, como Lukács, Jean-Paul Sartre,Theodor Adorno, Walter Benjamin, Ernst Bloch – e depois deles uma nova leva de intelectuais revolucionários, da qual István Mészáros é exemplo –, entre tantos outros, brilhantes pensadores que nunca capitularam, mantendo-se firmes nas concepções anticapitalistas, apesar de tudo o que vitimava o marxismo e a esquerda em geral – da social-democracia ao stalinismo.

No entanto, o campo da esquerda, das forças anticapitalistas e socialistas passou a sofrer dessa cisão entre teoria e prática. Perderam fertilidade política, renunciaram à dimensão inerente ao marxismo de teoria articulada com a transformação revolucionária do mundo.

“Sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária”,afirmava Lenin. A prática política dos partidos de esquerda tendeu a deixar-seguiar pela agenda do sistema dominante, enquanto que os intelectuais tenderam ao ultraesquerdismo: entre uma teoria aparentemente perfeita e uma prática sempre heterodoxa, os intelectuais tendem a ficar com a teoria e a desprezar aprática política. Como resultado, ambos se esterilizam.

O mundo acadêmico – onde grande parte da intelectualidade desenvolve suas práticas profissionais – não foi poupado pelas grandes transformações operadas na passagem do período histórico anterior para o atual.Uma parte dos intelectuais, diante da transformação do mundo multipolar em unipolar, assumiu diferentes formas de adaptação à hegemonia capitalista e às variantes da doutrina liberal. Uma parte significativa segue processos de produção de conhecimento pertinente, porém prisioneiro da divisão técnica do trabalho acadêmico e da especialização correspondente.

Outro contingente, por sua vez, deixa-se aprisionar pelos mecanismos doutrinários, que desembocam em posições ultraesquerdistas,desvinculadas da realidade concreta. Os novos processos políticos latino-americanos representam estímulos para decifrar seu significado e para contribuir para seu aprofundamento. Questões centrais têm surgido com novas roupagens ou mesmo novas questões, desafiando a intelectualidade latino-americana.Esses processos avançaram com graus diversos de teorização, porém seguramente as dificuldades que enfrentam dependem também de profundo debate e elaboração teórica e política, para que possam efetivamente consolidar os avanços realizados e encaminhar-se para a construção de sociedades que permitam a superação da exploração, da opressão, da discriminação e da alienação.

Blog da Boitempo

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Slavoj Zizek: A privatização do conhecimento intelectual

A Revolta da Burguesia Assalariada

Slavoj Žižek, no London Review of Books, traduzido por Heloisa Villela

Como foi que Bill Gates se tornou o homem mais rico dos Estados Unidos? A riqueza dele não tem nada a ver com a Microsoft produzir bons programas a preços mais baixos que a competição, ou com ‘explorar’ seus trabalhadores com mais sucesso (a Microsoft paga um salário relativamente alto a seus trabalhadores intelectuais). Milhões de pessoas ainda compram programas da Microsoft porque a Microsoft se impôs quase como um padrão universal, praticamente monopolizando o mercado, como uma personificação do que Marx chamou de “intelecto geral”, com o que ele quis dizer conhecimento coletivo em todas as suas formas, da Ciência ao conhecimento prático. Gates privatizou eficazmente parte do intelecto geral e ficou rico ao se apropriar do aluguel deste intelecto.

A possibilidade de privatização do intelecto geral é algo que Marx nunca previu nos seus escritos a respeito do capitalismo (em grande parte porque ele negligenciou a dimensão social do capitalismo). Ainda assim, isso está no centro da luta atual sobre propriedade intelectual: na medida em que o papel do intelecto geral – baseado no conhecimento coletivo e na cooperação social – aumenta no capitalismo pós-industrial, a riqueza se acumula de forma desproporcional no trabalho gasto na sua produção. O resultado não é, como Marx parecia esperar, a autodissolução do capitalismo, mas a gradual transformação do lucro gerado pela exploração do trabalho em renda apropriada através da privatização do conhecimento.

O mesmo vale para os recursos naturais, cuja exploração é uma das principais fontes de renda do mundo. Existe uma luta permanente sobre quem fica com essa renda: os cidadãos do Terceiro Mundo ou as corporações ocidentais. É irônico que ao explicar a diferença entre trabalho (que produz valor excedente) e outras commodities (que consomem todo seu valor no uso), Marx tenha dado como exemplo o petróleo, uma commodity ‘ordinária’. Hoje, qualquer tentativa de ligar as flutuações do preço do petróleo às oscilações de seu custo de produção ou ao preço da exploração do trabalho não faria o menor sentido: o custo de produção é insignificante como proporção do preço que pagamos pelo petróleo, preço que na realidade é a renda que os donos do recurso podem extrair graças à oferta limitada de petróleo.

A consequência do aumento de produtividade causado pelo crescimento exponencial do conhecimento coletivo é uma mudança no papel do desemprego. É o próprio sucesso do capitalismo (maior eficiência, aumento de produtividade, etc.) que produz desemprego, tornando mais e mais trabalhadores inúteis: o que deveria ser uma bênção – menor necessidade de trabalho pesado – se torna uma maldição.

Ou, para explicar de outra maneira, a oportunidade de ser explorado em um emprego de longo prazo agora é experimentada como um privilégio.

O mercado mundial, como disse Fredric Jameson, é “um espaço onde todo mundo já foi um trabalhador produtivo e no qual o trabalho começou, em toda parte, a se precificar fora do sistema”. No atual processo de globalização capitalista, a categoria dos desempregados não se limita mais ao “exército industrial de reserva” de Marx; ela também inclui, como nota Jameson, “essas massas populacionais do mundo que ‘despencaram da história’, que foram deliberadamente excluídas dos projetos modernizadores do Primeiro Mundo capitalista e descartadas como casos terminais ou sem esperança: os chamados estados falidos (Congo, Somália), vítimas da fome ou de desastres ecológicos, os que caíram na armadilha pseudo-arcaica dos ‘ódios étnicos’, objetos da filantropia ou das ONGs ou alvos da guerra ao terror”.

A categoria dos desempregados foi, assim, expandida para incluir uma vasta esfera de pessoas, dos desempregados temporariamente aos que não podem mais conseguir emprego e estão permanentemente desempregados, aos habitantes de guetos e favelas (quase todos esses descartados por Marx como parte do lumpemproletariado), e finalmente todas as populações e estados excluídos do processo capitalista global, como os espaços vazios de mapas antigos.

Alguns dizem que esta nova forma de capitalismo oferece novas possibilidades de emancipação. Essa é a tese de “Multitude”, de Hardt e Negri, que tenta radicalizar Marx, afirmando que se nós simplesmente cortarmos a cabeça do capitalismo, teremos o socialismo. Marx, eles argumentam, estava limitado historicamente: ele pensou em termos de trabalho industrial centralizado, automatizado e organizado hierarquicamente. Como resultado, entendeu o “intelecto geral” como algo semelhante à agência de planejamento central; somente hoje, com o surgimento do “trabalho não-material”, uma mudança revolucionária se tornou “objetivamente possível”.

Esse trabalho não-material se estende entre dois polos: do trabalho intelectual (a produção de ideias, textos, programas de computador, etc.) a trabalhos afetivos (desempenhados por médicos, babás e comissários de bordo). Hoje, o trabalho não-material é hegemônico, no sentido com que Marx proclamou, no capitalismo do século 19, que a produção industrial em larga escala era hegemônica: ele se impõe não através da força dos números, mas por desempenhar um papel-chave, emblemático de toda a estrutura.

O que emerge é um vasto novo domínio chamado de “commons”: conhecimento compartilhado e novas formas de comunicação e de cooperação. Os produtos da produção não-material não são objetos, mas novas relações sociais e interpessoais; a produção não-material é biopolítica, é a produção da vida social.

Hardt e Negri descrevem aqui o processo que os atuais ideólogos do capitalismo pós-moderno celebram como a passagem da produção material para a simbólica, da lógica da hierarquia centralizadora para a lógica da auto-organização e da cooperação multicentralizada.

A diferença é que Hardt e Negri são fiéis a Marx: eles tentam provar que ele estava certo, que o surgimento do intelecto geral é, a longo prazo, incompatível com o capitalismo. Os ideólogos do capitalismo pós-moderno afirmam exatamente o oposto: a teoria marxista (e a prática), argumentam, continua limitada pela lógica hierárquica do controle centralizado do estado e por isso não consegue lidar com os efeitos sociais da revolução da informação.

Existem boas razões empíricas sustentando o argumento deles: o que de fato arruinou os regimes comunistas foi sua incapacidade de se acomodar à nova lógica social sustentada pela revolução da informação. Eles tentaram dirigir a revolução, fazer dela mais um projeto em grande escala de um governo centralizado. O paradoxo é que o que Hardt e Negri celebram como uma oportunidade única para derrubar o capitalismo é comemorado pelos ideólogos da revolução da informação como o surgimento de um capitalismo novo, sem ‘fricção’.

A análise de Hardt e Negri tem alguns pontos fracos, o que nos ajuda a entender como o capitalismo tem conseguido sobreviver ao que deveria ser (em termos marxistas clássicos) uma nova organização da produção que o tornaria obsoleto. Os dois subestimaram a extensão do sucesso do capitalismo de hoje (ao menos no curto prazo) na privatização do intelecto geral, além de subestimarem a dimensão de como os trabalhadores, mais do que a própria burguesia, estão se tornando supérfluos (com um número cada vez maior de trabalhadores se tornando não apenas desempregados temporários, mas estruturalmente não-empregáveis).

Se o capitalismo antigo idealmente envolvia o empresário que investia (o seu ou emprestado) dinheiro na produção, que ele organizava e geria, e depois tirava lucro disso, um novo tipo ideal está surgindo hoje: não mais o empresário que é dono de sua companhia, mas um administrador especializado (ou um conselho de administração presidido por um CEO), que governa a empresa de propriedade dos bancos (também geridos por administradores, que não são donos do banco) ou investidores diversos. Neste novo tipo de capitalismo ideal, a velha burguesia, tornada desfuncional, é reciclada como gerenciadora assalariada: os membros da nova burguesia recebem salários, e mesmo quando são donos de parte da empresa, ganham ações como parte de sua remuneração (“bônus” pelo seu “sucesso”).

Essa nova burguesia ainda se apropria da mais-valia, mas no formato (mistificado) do assim chamado “superávit salarial”: eles recebem bem mais que o “salário mínimo” do proletariado (quase sempre um ponto mítico de referência, cujo único exemplo real na economia global de hoje é o salário dos trabalhadores na indústria têxtil da China ou da Indonésia), e é esta distinção em relação proletário comum que determina o status da nova burguesia.

A burguesia no sentido clássico, assim, tende a desaparecer: capitalistas reaparecem como um subsetor de trabalhadores assalariados, como administradores qualificados para ganhar mais pela virtude de sua competência (por isso a avaliação pseudocientífica é crucial: ela legitima as disparidades). Longe de se limitar aos administradores, a categoria de trabalhadores que ganha superávits salariais se estende a todo tipo de especialista, administradores, servidores públicos, médicos, advogados, jornalistas, intelectuais e artistas. O superávit assume duas formas: mais dinheiro (para gerentes, etc.), mas também menos trabalho e mais tempo livre (para – alguns – intelectuais, mas também para administradores do estado, etc.).

O processo de avaliação usado para decidir quais trabalhadores devem receber superávit salarial é um mecanismo arbitrário de poder e ideologia, sem conexão séria com a verdadeira competência; o superávit salarial existe não por razões econômicas, mas políticas: para manter uma “classe média” e preservar a estabilidade social.

A arbitrariedade na determinação da hierarquia social não é um erro, mas objetivo do sistema, com papel análogo ao da arbitrariedade no ’sucesso de mercado’.

A violência não ameaça explodir quando existe muita contingência no espaço social, mas quando se tenta eliminar a contingência. Em “La Marque du sacré”, Jean-Pierre Dupuy trata a hierarquia como um dos quatro procedimentos (“dispositivos simbólicos”) que têm como função tornar não humilhante a relação de superioridade: a própria hierarquia (uma ordem imposta externamente que me permite experimentar meu status social mais baixo de forma independente do meu valor inerente); desmistificação (o procedimento ideológico que demonstra que a sociedade não é uma meritocracia, mas o produto de disputas sociais objetivas, que me permite evitar a conclusão dolorosa de que a superioridade de alguém sobre mim é resultado dos méritos e realizações do outro); contingência (mecanismo parecido, através do qual entendemos que nossa posição na escala social depende de uma loteria natural e social; os sortudos nascem com os genes certos, em famílias ricas); e complexidade (forças incontroláveis têm consequências imprevisíveis; por exemplo, a mão invisível do mercado pode me levar ao fracasso e o meu vizinho ao sucesso, mesmo que eu trabalhe muito mais e seja bem mais inteligente).

Ao contrário do que parece, esses mecanismos não contestam ou ameaçam a hierarquia, mas a tornam mais palatável, já que “o que dispara o tumulto da inveja é a ideia de que o outro não merece a sorte que tem e não a ideia oposta – a única que se pode expressar abertamente”. Dupuy tira desta premissa a conclusão de que é um grande erro pensar que uma sociedade razoavelmente justa, que se enxerga como justa, estará livre de ressentimento: pelo contrário, é nessas sociedades que aqueles que ocupam as posições inferiores encontrarão nas explosões violentas de ressentimento um veículo para seu orgulho ferido.

Isso está conectado ao impasse que a China enfrenta hoje: o ideal das reformas de Deng era introduzir o capitalismo sem uma burguesia (já que ela formaria a nova classe dominante); agora, porém, os líderes da China estão descobrindo dolorosamente que o capitalismo sem uma hierarquia estabelecida, possibilitada pela existência de uma burguesia, gera instabilidade permanente. Então, que caminho a China seguirá?

Os ex-comunistas estão emergindo como os administradores mais eficientes do capitalismo porque sua inimizade histórica com a burguesia como classe casa perfeitamente com a tendência atual do capitalismo de se tornar um capitalismo administrativo, sem burguesia – nos dois casos, como Stalin disse faz tempo, “os quadros decidem tudo”. (Uma diferença interessante entre a China e a Rússia de hoje: na Rússia, os professores universitários têm salários ridiculamente baixos – eles já são, de fato, parte do proletariado – enquanto na China recebem um superávit salarial confortável para garantir sua docilidade).

A noção de superávit salarial também coloca sob nova ótica os constantes protestos “anticapitalistas”. Em momentos de crise, o candidato óbvio para apertar o cinto são as classes mais baixas da burguesia assalariada: protestos políticos são seus únicos recursos se quiserem evitar se juntar ao proletariado.

Apesar de seus protestos serem, nominalmente, dirigidos contra a lógica brutal do mercado, elas estão protestando, de fato, contra a erosão gradual de sua posição econômica privilegiada (politicamente).

Em “Atlas Shrugged”, Ayn Rand tem a fantasia de fazer greve contra capitalistas “criativos”, uma fantasia que encontra realização pervertida nas greves de hoje, quase todas sustentadas por “burguesias assalariadas” movidas pelo medo de perder o superávit salarial. Esses não são protestos proletários, mas protestos contra a ameaça de ser reduzido a proletariado.

Quem tem coragem de entrar em greve hoje, quando ter um salário fixo é, em si mesmo, um privilégio? Trabalhadores com baixos salários (o que resta deles) da indústria têxtil, etc., não; mas os trabalhadores privilegiados que têm emprego garantido (professores, empregados dos transportes públicos, policiais), sim. Isso também explica a onda de protestos estudantis: sua principal motivação é, sem dúvida, o medo de que a educação superior não garanta um superávit salarial mais tarde, na vida.

Ao mesmo tempo está claro que o grande renascimento de protestos no último ano, da Primavera Árabe à Europa ocidental, do Occupy Wall Street à China, da Espanha à Grécia, não deve ser descartado meramente como uma revolta da burguesia assalariada. Cada caso deve ser analisado de acordo com seus próprios méritos. Os protestos estudantis contra a reforma universitária na Grã-Bretanha são claramente diferentes dos distúrbios de agosto, que foram um carnaval consumista de destruição, uma verdadeira explosão dos excluídos.

Pode-se argumentar que os levantes no Egito começaram, em parte, como uma revolta da burguesia assalariada (com jovens educados protestando por conta de sua falta de perspectiva), mas este foi apenas um dos aspectos de um protesto mais amplo contra um regime opressivo. Por outro lado, o protesto não mobilizou, realmente, trabalhadores mais pobres e camponeses e a vitória eleitoral dos islâmicos deixa clara a estreita base social do protesto secular original. A Grécia é um caso especial: nas últimas décadas, foi criada uma nova burguesia assalariada (especialmente na inchada administração estatal), graças à ajuda financeira da União Europeia, e os protestos, em boa parte, foram motivados pela ameaça do fim disso.

A proletarização das camadas mais baixas da burguesia casa, no oposto extremo, com a alta remuneração irracional de administradores e banqueiros do topo (irracional como demonstraram as investigações nos EUA, já que ela tende a ser inversamente proporcional ao sucesso da companhia). Ao invés de submeter essas tendências à crítica moralizante, devemos lê-las como sinais de que o sistema capitalista não é mais capaz de uma estabilidade autorregulada – em outras palavras, ele ameaça ficar fora de controle.

Fonte: Vi o Mundo