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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Política da ambigüidade

Por que temas ligados a sexualidade surgem e desaparecem das campanhas de acordo  com a conveniência eleitoral?

Ivan Marsiglia - O Estado de S.Paulo

Tão logo a polêmica se mostrou "ruim para ambas as partes" - para usar o bordão do candidato derrotado Celso Russomanno -, ninguém quis assumir a iniciativa de tê-la posto em pauta. A discussão sobre materiais didáticos de combate à homofobia, os enviesadamente chamados "kits gays", começou a semana em altos decibéis na boca dos postulantes à Prefeitura de São Paulo José Serra e Fernando Haddad. Depois minguou diante da revelação de que ambos os haviam produzido em suas respectivas gestões à frente do governo do Estado e do Ministério da Educação, até resultar no silêncio obsequioso sobre o tema verificado quinta-feira, durante o primeiro debate televisivo do segundo turno das eleições.

Na corrida presidencial de 2010, algo semelhante se verificou no Brasil: o tema do aborto, sempre controverso, entrou e saiu de cena assim que marqueteiros detectaram que a troca de acusações nesse terreno mais afugentava do que atraía eleitores. Ao sumiço pragmático, acrescentou-se quase um pacto republicano de não tocar mais no assunto.

Também nos EUA os direitos das minorias voltaram ao noticiário essa semana, depois que uma corte de apelações de Manhattan pediu que fosse alterada a formulação federal que define o casamento como "união entre um homem e uma mulher". Os juízes de Nova York consideram-na discriminatória. Ao mesmo tempo, e em plena campanha eleitoral americana, o Pew Research Center divulgou pesquisa demonstrando que a imensa comunidade latina no país, vista tradicionalmente como machista, resiste cada vez menos ao casamento gay.

Foi dentro desse cenário que o caderno Aliás conversou com a filósofa americana Judith Butler, professora da Universidade da Califórnia, em Berkeley, autora da comentada Queer Theory, que sustenta que a identidade sexual ou de gênero é resultado de uma construção social e não de papéis biologicamente definidos. Judith falou sobre a intromissão do tema da homofobia na sucessão paulistana, dos limites à liberdade de expressão quando ela se traveste do discurso do ódio e dos avanços e recuos na luta pelos direitos sexuais nos EUA, na Europa e na América Latina.

Quão inusitado é uma discussão sobre material didático de combate à homofobia entrar na pauta de eleições municipais?
Judith Butler - Depende de que parte do mundo se esteja falando. Vejo isso acontecendo em algumas cidades americanas, na Rússia, na Turquia e em outros lugares. O que levanta a questão sobre a necessidade de um compromisso político que considere efetivamente a homofobia e a transfobia como formas inaceitáveis de discriminação. Opor-se a políticas de combate ou à produção de material didático contra a homofobia significa defender a homofobia. O que me parece um tanto contraditório para qualquer partido político comprometido com a igualdade e a justiça.

Representantes do movimento LGBT integram ambos os partidos, PT e PSDB, que disputam o 2º turno da eleição em São Paulo. O que esse ocultamento da 'agenda gay' revela sobre a democracia de nossos dias?
Judith Butler - Não conheço em profundidade a situação no Brasil, mas está claro que diversos partidos vivem a contradição de ostentar oficialmente políticas de combate à homofobia, num quadro mais amplo de defesa dos direitos humanos, mas, ao mesmo tempo, solapá-las na tentativa de manter o apelo a eleitores religiosos ou conservadores. É uma forma de hipocrisia que acaba por minar as políticas antidiscriminatórias, fazendo delas mero jogo de aparências.

Como superar essa hipocrisia eleitoreira?
Judith Butler - Se há cristãos que enxergam a homossexualidade como pecado ou algo antinatural, há também aqueles que enfatizam o fato de que todos são filhos de Deus, devem ser amados e respeitados. Então, é politicamente importante que os defensores do secularismo fortaleçam as alianças com grupos cristãos não homofóbicos para combater abertamente a estigmatização de minorias sexuais e de gênero.

Uma comunidade religiosa pode pregar contra a homossexualidade entre seus pares em nome da liberdade de expressão?
Judith Butler - Em minha opinião, uma comunidade religiosa pode ter as visões mais tacanhas sobre as mulheres, os gays, as lésbicas, os bissexuais e transexuais. Mas não pode querer impor suas crenças na forma de políticas que contradigam princípios básicos dos direitos humanos. Acreditar é uma coisa; impor discursos e políticas públicas é outra. Claro que devemos combater esse tipo de crença, apelando inclusive aos valores do amor e do respeito ao próximo na tradição cristã - e reforçando os princípios universais que ditam que toda pessoa, independentemente do gênero ou da orientação sexual, deva ser tratada com dignidade.

Mas a partir de que momento um julgamento moral deixa de ser uma opinião ou uma crença e torna-se crime a ser punido?
Judith Butler - Se uma pessoa emite um julgamento moral contra a homossexualidade, essa pessoa deve ser simplesmente confrontada com argumentos melhores. Mas, se ela pretende instalar sua crença na legislação ou desencadeie uma campanha de ódio e discriminação, entramos em outro território. Se essa propaganda homofóbica contribui para a instalação de um ambiente político em que gays, lésbicas, travestis ou transgêneros sintam-se moralmente depreciados ou fisicamente ameaçados, isso jamais poderá ser considerado "liberdade de expressão". Na maior parte dos países europeus, o discurso antissemita é considerado racismo e contra a lei. E o discurso racista é mais facilmente identificado com a injúria do que o homofóbico. Eis o problema. Nos EUA, a liberdade de expressão tende a ser considerada um direito que se sobrepõe a todos os outros e, por isso mesmo, o último a ser passível de restrição. Então, mulheres, travestis e transexuais podem ser perturbados nas ruas sem que isso seja considerado contra a lei, a não ser que fique explícita a intenção de agredir. E o risco de se tolerar esse tipo de discurso é criar um ambiente público intoxicado.

A corte de apelações de Manhattan propôs essa semana a alteração do estatuto que define o casamento como união entre um homem e uma mulher por considerar essa formulação discriminatória. Acha que a Suprema Corte vai acatar a proposta?
Judith Butler - A Suprema Corte teria o poder de tomar a decisão de alterar a definição federal de casamento para que essa não estipule o gênero das pessoas que desejem estabelecer contrato de matrimônio. Mas tenho sérias dúvidas de que a atual configuração da corte vá acatar essa modificação. Não porque regras coletivas estariam se sobrepondo a direitos individuais, mas porque há aqui duas ideias de bem social em competição.

O dado da pesquisa divulgada na quinta-feira de que cresceu a aprovação ao casamento gay por parte dos cidadãos de origem latina nos EUA a surpreendeu?
Judith Butler - Sim, mas não estou certa do que isso signifique realmente. Teríamos que analisar a metodologia usada nas entrevistas para avaliar se está mesmo ocorrendo algo de significativo. Entretanto, faz sentido que um grupo que sofre clara discriminação nos EUA, como os latinos, desenvolvam certa sensibilidade em relação a outros grupos alvo de preconceito. E também é preciso lembrar que há uma significativa população lésbica, gay, bi ou trans entre os latinos. Mesmo o mais conservador deles está sujeito a conviver na família com um primo travesti, uma irmã lésbica ou um filho gay. É algo que faz muita diferença.

Na era Bush, com a ascensão dos chamados neoconservadores, a Casa Branca pressionou ONGs com trabalhos no campo da sexualidade e dos direitos reprodutivos, incluindo o aborto, cortando-lhes fundos oficiais. Hoje esses mesmos temas parecem não galvanizar atenções na campanha presidencial de Obama e Romney. Por quê?
Judith Butler - Muitos esperavam de Obama uma atuação mais forte na área dos direitos civis - aqui em um sentido um pouco distinto do que estamos chamando de direitos individuais. Ele até procurou apoiar movimentos antirracismo, pela equivalência salarial para as mulheres ou rejeitando o boicote contra gays nas Forças Armadas. Mas o fato é que várias dessas ONGs atuam de maneira muito próxima dos poderes públicos, a ponto de se tornar difícil distinguir umas dos outros. Algumas organizações são críticas, mas a maior parte depende do governo, então há uma cumplicidade que precisa ser quebrada para essas políticas avançarem.

No início dos anos 1970, em São Francisco, o movimento gay elegeu seu primeiro político, o ativista Harvey Milk, cuja história virou filme. Faltam lideranças que assumam a luta LGBT hoje em dia?
Judith Butler - De novo, depende de que parte do mundo estamos falando. Em São Petersburgo, esses grupos se mobilizam simplesmente pelo direito de se manifestar em público. Nos EUA, as organizações com mais atuação política estão dedicadas à aprovação do casamento gay. E na África do Sul lésbicas protestam contra os "estupros corretivos". De modo que fica difícil fazer qualquer tipo de generalização. Em geral, a agenda gay consegue se inserir em um retrato maior dependendo do contexto. Às vezes, a única forma de se atuar no mainstream é subscrevendo legendas nacionais mais amplas, como na Holanda e na Alemanha, para depois se detalhar as reivindicações.

A Constituição brasileira de 1988 é tida como uma Carta essencialmente social, ao passo que a americana dá bastante ênfase aos direitos individuais. Quanto isso influencia na forma como essas questões são percebidas pela sociedade?
Judith Butler - Tudo depende de como se vê o coletivo. Se os direitos coletivos são descritos como os que dizem respeito às comunidades e valores tradicionais, então se abre a brecha para que aqueles não se estendam a grupos que não compartilhem esses valores tradicionais. Mas, se entendermos que os direitos coletivos devam ser generalizados a todos, uma vez que todos têm direito à representação na sociedade democrática, vamos encontrar um discurso mais afinado: o de que os grupos de gays, lésbicas, trans, etc. não briguem por direitos individuais, mas por igualdade e justiça para todos, independentemente da sexualidade ou do gênero. Aí, é conveniente o olhar universal. Parece claro, como disse, que a forma como a liberdade de expressão é entendida nos EUA é diferente do entendimento que há na Europa e na América do Sul. Mas, se nos EUA ela goza de certa prioridade, isso tampouco significa que não haja debate sobre seus limites, sobre em que momento o free speech se torna o discurso do ódio e da injúria.

Essa semana o Uruguai se tornou o segundo país da América do Sul a descriminalizar o aborto. Vê sinais de mudança na região?
Judith Butler - É uma boa questão... Mas deixe-me incluir também o caso Karen Atala, no Chile, em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos teve de intervir em 2010 para condenar o Estado chileno por haver negado a guarda de suas filhas por causa de sua orientação sexual (assumidamente lésbica, Atala perdera, por esse motivo, a guarda para o ex-marido). Então, há sinais ambíguos. Mas creio que apesar das pressões do populismo, das tradições católicas, das imposições dos mercados sobre a agenda dos direitos, desconfio que vamos continuar a ver inovações radicais na América Latina.

A sra. definiu sua famosa Queer Theory como uma argumentação contra 'o que a identidade de uma lésbica ou de um gay devam ser'. Não é justamente a afirmação de sua identidade que esses grupos buscam?
Judith Butler - Apenas quero dizer que, ainda que a afirmação da identidade sexual ou de gênero seja importante, também temos que nos questionar sobre como tais termos são definidos e a partir de que momento se transformam em outros tipos de rótulo. Uma pessoa não quer se libertar da homofobia para se ver aprisionada de novo em outra ideia restrita de identidade. Para mim, a Queer designa uma forma de aliança em que a sexualidade não seja nem prescrita nem policiada - a menos que machuque alguém.

Em outra ocasião, a sra. escreveu que 'não nos tornamos humanos ainda' e que 'a categoria do humano é um processo de vir a ser'. Diante do mundo hoje, diria que estamos a caminho ou nos afastando desse objetivo?
Judith Butler - Vivemos tempos de risco, e não estou segura de que sequer saibamos o que é ser humano. Parece-me claro que os humanos não são humanos fora de um mundo social mais amplo, e também não o são quando se definem exageradamente em oposição à sua natureza animal. Não podem ser humanos, ainda, se não reconhecem a dependência do meio ambiente em que vivem, por comida, abrigo, sobrevivência. Temos muito a aprender sobre todas essas relações que nos fazem humanos. São elas que ampliam nossos limites, e são essenciais não só para a sobrevivência como para nosso bem-estar.

domingo, 21 de outubro de 2012

Don Juan DeMarco


Don Juan deMarco é um filme estadunidense de 1995, do gênero romance, dirigido por Jeremy Leven e produzido por Francis Ford Coppola.

 
http://youtu.be/0QzOe8piXgg

 

Marlon Brando (duas vezes vencedor do prêmio Oscar® (Sindicato de Ladrões e O Poderoso Chefão), Faye Dunaway (vencedora do Oscar® por Rede de Intrigas) e Johnny Depp (da franquia Piratas do Caribe e de Profissão de Risco), somam as forças de suas performances nesta comédia romântica aclamada pela crítica especializada. John Arnold DeMarco (Depp) é um homem que acredita ser Don Juan, o maior amante que o mundo conheceu. Escondido atrás de uma máscara e usando capa, DeMarco é submetido a tratamento psiquiátrico com o doutor Jack Mickler (Brando) para que seja curado do seu aparente delírio. Mas as sessões com o psiquiatra têm um efeito inesperado sobre a equipe do médico, mais profundamente ainda, sobre o próprio Mickler, que decide reacender o romance em seu casamento problemático.

Elenco


Marlon Brando .... Dr. Jack Mickler

Faye Dunaway .... Marilyn Mickler

Géraldine Pailhas .... Donna Ana

Bob Dishy .... Dr. Paul Schowalter

Rachel Ticotin .... Dona Inez

Talisa Soto .... Dona Julia

Richard C. Sarafian .... Detetive Sy Tobias

Stephen Singer .... Dr. Bill Dunsmore

Franc Luz .... Don Antonio

Carmen Argenziano .... Don Alfonzo

Jo Champa .... Sultana Gulbeyaz

Marita Geraghty

  • O ator Johnny Depp condicionou sua atuação em Don Juan DeMarco à participação de Marlon Brando como o psiquiatra Jack Mickler.
  • Para aprender a falar com sotaque espanhol, o ator Johnny Depp assistiu a vários episódios da série de TV americana Ilha da Fantasia.
  • O orçamento de Don Juan DeMarco foi de US$ 25 milhões, sendo que o filme arrecadou mais de US$ 65 milhões nas bilheterias de todo o planeta.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

"Um outro envelhecer é possível"


Nossa geração viveu tempos marcados pela esperança de transformar o mundo, expressa em processos políticos, culturais, sociais. Viveu também os momentos de ocaso, de revezes, de desilusão. Mas para muitos de nós, que participamos ativamente destes processos, o compromisso com a transformação social, em seus mais diversos níveis, continua vivo.



O livro que leva este título acaba de ser lançado, mas já tem uma longa história: começou a ser pensado em Guapimirim /2005, em uma reunião de profissionais que queriam refletir sobre suas experiências, ao enfrentar o processo de envelhecer. O debate se estendeu desde então, entre reuniões e conversas (in)formais e finalmente se concretizou nesta coletânea, da qual muitos participaram.

Para apreender a complexidade da temática, esta foi abordada desde diversas dimensões.

Na dimensão social, Lucia Ribeiro aponta transformações que possibilitam aos idosos uma melhor qualidade de vida, apesar do persistente preconceito; na físico-biológica, Maria José dos Santos indica mudanças sempre permeadas pela subjetividade; já no aspecto psicoanalítico, Fernando Rocha mostra a coexistência de reações de medo e de tristeza pelas perdas, com o surgimento de elaborações criativas; e, finalmente, Leonardo Boff, na dimensão filosófico-espiritual, enfatiza o polo da interioridade, com sua possibilidade de crescimento indefinido, vendo a morte como a passagem para uma vida plena.

Ao lado destes textos mais analíticos, o livro inclui também alguns testemunhos preciosos de pessoas que conhecem a velhice por dentro, como Marialzira Perestrello, Luis Viegas, Rose Marie Muraro e Yolanda Bettencourt e também de uma criança, Francisco Oromi R. de Souza, vendo a velhice de longe. Finalmente, o livro conta ainda com a dimensão poética, com dois belos sonetos de Rogério Luz.

Ao analisar a situação social do idoso, incluímos a experiência de um setor específico - profissionais urbanos de classe média – pertencente à geração que nasceu nas décadas de 30 / 40. Isto nos possibilitou aprofundar a reflexão a partir de uma prática concreta e desde uma perspectiva que encara o processo do envelhecer de forma dialética: sem negar as perdas e as limitações reais, que não podem ser maquiadas, descobre também os espaços positivos que se abrem nesta fase.

A partir desta perspectiva, que assume perdas e ganhos, foram identificados alguns desafios, que se colocam no mundo atual para a nossa geração:

- Conseguir aceitar subjetivamente a metamorfose que objetivamente está se dando em nós (e que, frequentemente, é mais visível para os outros do que para nós mesmos!), reconhecendo a necessidade do cuidado, sem esquecer a conquista permanente da autonomia possível;

- Saber dialogar com as gerações mais jovens, abertos às suas perspectivas e descobertas, mas sem abrir mão de uma visão crítica;

- Assumir um compromisso ativo e participante em grupos, sejam eles profissionais, religiosos, culturais ou de qualquer outro tipo, e sentir-se parte de um todo, assumindo sua responsabilidade pessoal, a partir de nossas possibilidades atuais;

- Não abrir mão da criatividade, para inventar novas formas de viver a sexualidade, baseada na libido e no afeto e no que cada um julga mais adequado às suas próprias condições;

- Descobrir a riqueza de construir a solidão, como um momento de encontro consigo mesmo;

- Reconciliar-se com o passado, com suas realizações e, sobretudo, com suas omissões e falhas – hoje já irrecuperáveis – e descobrir a função social do resgate da memória, com a lucidez de distinguir o que ainda pode ser enriquecedor, no momento atual, do que precisa ser definitivamente superado;

- Tomar consciência de nossa finitude, embora o tempo que nos resta seja imprevisível: só quando integramos e aceitamos a morte podemos viver plenamente a vida;

- Aprofundar a vida interior e a espiritualidade - própria de qualquer ser humano, independente de ter ou não uma opção religiosa - questionando o sentido da vida e reconhecendo nela a dimensão do Mistério.

Estes e outros desafios permeiam a travessia das águas ora serenas ora turbulentas – mas sempre instigantes – da sexta à nona década da vida.

Nossa geração viveu tempos marcados pela esperança de transformar o mundo, expressa em processos políticos, culturais, sociais. Viveu também os momentos de ocaso, de revezes, de desilusão. Mas para muitos de nós, que participamos ativamente destes processos, o compromisso com a transformação social, em seus mais diversos níveis, continua vivo. E no atual momento da vida, acreditamos que “um outro envelhecer é possível”, se nos assumimos como sujeitos ativos desta etapa, tornando-a uma experiência socialmente fecunda e pessoalmente feliz.

(*) Socióloga, ISER Assessoria

sábado, 13 de outubro de 2012

Dia das Crianças - Mais tempo, menos presentes

*Amanda Lourenço
 

 “Posso ligar a televisão pra escolher?”, perguntou Clara, de seis anos, diante da dificuldade de decidir qual brinquedo gostaria de presente. Sem querer, a menina resumiu perfeitamente a luta de um grupo de pais e responsáveis recém-surgido na internet – a de impedir que a televisão se torne uma imensa vitrine de brinquedos, incentivando sem limites o desejo de consumo infantil.
 
Movimento pede que adultos passem mais tempo com as crianças. Maisa Cardozo Nascimento

A luta é velha, mas nem sempre foi bem-sucedida. O movimento Infância Livre de Consumismo (ILC) foi criado há apenas sete meses e já é um sucesso entre pais e mães preocupados com o que andam colocando na cabeça das crianças. Com boas ideias e iniciativas simples, o grupo já ganhou milhares de adeptos.
 
O objetivo é estimular a reflexão sobre os limites da publicidade infantil na sociedade e sua regulamentação, tema em pauta no Congresso há dez anos, mas ainda longe de uma decisão. Através de divulgação nas mídias sociais, o ILC foi unindo simpatizantes e conseguiu o apoio de entidades mais antigas, como o Instituto Alana, a Aliança pela Infância e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

 
As campanhas de conscientização divulgadas pela internet viajam rápido e atingem o público certo. Um bom exemplo é a campanha da troca de brinquedos, que rapidamente se espalhou, atraíndo pais do Brasil inteiro. A ideia é simples: por que comprar mais um presente de dias das crianças, quando se pode ter um sem gastar nada, apenas dando em troca aquele trenzinho ou boneca abandonados? Para as crianças, no fim das contas, um brinquedo novo é apenas um brinquedo que elas nunca tenham brincado.

“Na relação de troca as crianças vivenciam muitas possibilidade que a compra não proporciona. Uma delas é a possibilidade de definir o valor daquele brinquedo, um valor não monetário”, explica a publicitária e mestra em políticas públicas Mariana Sá, uma das fundadoras do movimento e mãe de dois filhos.
Encontro de pais e filhos. Foto: Íris Pirajá Scuccat
Crianças e adultos têm visões diferentes sobre brinquedos. É a cena clássica da criança se divertir mais com a caixa de papelão do que com o objeto que veio dentro dela. “Minha filha não tem a menor noção se um brinquedo custou caro ou barato, ela simplesmente gosta de brincar. Ao observar o tempo que ela passa se divertindo com coisas absolutamente banais como bolas de papel ou até um objeto de casa, percebi que o valor ou o objeto em si não é o mais importante. Essa é uma busca nossa e não deles”, afirmou a funcionária pública Andreia Paiva, que ajudou a organizar um encontro em Salvador.




O balcão de troca de brinquedos. Foto: Maisa Cardozo Nascimento
É verdade que essa política de valor sentimental às vezes causa confusão, pois uma criança pode não aceitar o brinquedo da outra, mas isto também é positivo: “No mundo real não podemos ter tudo e na troca isso fica mais evidente: o dinheiro não vale, não podemos comprar! Então, temos que lidar com a frustração. A magia é que em poucos minutos o brinquedo que não valeu naquela troca passa a valer para outra criança”, concluiu Mariana.
O primeiro encontro aconteceu há duas semanas em Brasília, mas no fim de semana seguinte pipocaram reuniões em diversas cidades do país. Além da troca também aconteceram oficinas, jogos, piqueniques e teatrinhos. O sucesso surpreendeu as organizadoras: “Sabíamos que teria uma boa participação das famílias e que elas abraçariam a ideia, mas a adesão, a quantidade de feiras em diferentes cidades e o sucesso dos eventos superou todas as nossas expectativas! As pessoas compareceram com grande vontade de promover esta mudança de paradigma”, disse a empresária Ana Cláudia Bessa, também representante do movimento.
 

 
 
 
 
 






O cartaz da campanha
Outra campanha do grupo é de, neste dia das crianças, oferecer menos presentes e mais presença. O argumento é: o que fica na memória das crianças depois que elas crescem são os momentos passados junto com a família, não um brinquedo qualquer que estará jogado no baú depois de uma semana.
As saídas alternativas para o consumo infantil no dia das crianças foram uma oportunidade para o ILC chamar atenção para sua causa principal – a regulamentação das propagandas voltadas para as crianças. O próprio movimento afirma que surgiu como uma resposta à Associação Brasileira das Agências de Publicidade (ABAC), que neste ano lançou a campanha “Somos Todos Responsáveis”, sugerindo que a responsabilidade do consumo infantil era dos pais, que seriam incapazes de controlar os próprios filhos.
O movimento Infância Livre de Consumismo não levanta a bandeira da completa proibição da propaganda infantil, mas insiste no debate: “Defendemos a regulamentação rígida de publicidade, sem entrar no mérito da proibição ou não. Queremos informar os pais para que eles mesmos possam tirar suas conclusões e se posicionar com relação a publicidade direcionada às crianças. O consumo é necessário, o que combatemos é o excesso”, explica Ana Cláudia.
 
O dia das crianças está acabando, mas as feiras de trocas de brinquedo continuam em todo o país. Neste fim de semana acontecerá no Rio de Janeiro e em São Paulo, entre outras. A programação completa está no site do movimento (http://infancialivredeconsumismo.com/).

*CartaCapital