Com 30 anos de experiência, José Carlos
Ferrigno lança livro e fala sobre o novo perfil da velhice: “O desafio maior é
envelhecer em paz, sem a pressão de um ideal”
Renata Reif- iG SP
Caducou aquela ideia de que velhice é sinônimo
de incapacidade. O termo “melhor idade” faz cada vez mais sentido para a
sociedade contemporânea, que já entende o papel positivo dos idosos em
benefício da coletividade. Autor de “Conflito e Cooperação entre Gerações”
(Editora Edições Sesc SP), o psicólogo e especialista José Carlos Ferrigno
explica que a experiência de vida do idoso é alimento para as novas gerações.
"Desafio maior é
envelhecer em paz, sem ser pressionado por um ideal", diz José Carlos
Ferrigno
Apesar de a distância entre gerações não ser
tão grande, o embate entre ideias novas e conservadoras ainda existe. E ele é
essencial: “É o que cria a possibilidade de o mundo ser construído e
reconstruído”. Confira abaixo a entrevista concedida por Ferrigno ao iG.
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"Desafio maior é
envelhecer em paz, sem ser pressionado por um ideal", diz José Carlos
Ferrigno
iG: Como é a relação entre o idoso e o jovem?
José Carlos Ferrigno: O segredo é entender
a fina dialética entre o velho e o novo. Afinal, um depende do outro. A
transmissão dos mais velhos aos mais jovens é reelaborada para que os jovens
apresentem a novidade. A esperança está sempre na inovação que as gerações vão
trazendo. Na Alemanha e na Grã-Bretanha, por exemplo, as gerações trabalham
lado a lado, ombro a ombro. O alvo dos programas intergeracionais não é
beneficiar as relações em atividade, mas sim a comunidade. É um passo adiante.
José Carlos Ferrigno: Eles representam um
norte, um ideal a ser perseguido. Não se trata mais de motivar os jovens e
velhos a interagirem em atividades culturais. E sim ter o grupo
intergeracional, formado e consciente de suas responsabilidades sociais,
trabalhando para a comunidade. Eles têm como objetivo o desenvolvimento da
amizade e da coeducação entre gerações. Isso significa que uma geração tem muito
a ensinar a outras em função de suas experiências.
iG: O que uma geração pode agregar à outra?
José Carlos Ferrigno: O repasse dos mais
velhos para os mais jovens tem a ver com a importância da tradição, do
conhecimento, de valores éticos. Já dos jovens para os mais velhos tem a ver
com novas tecnologias e com uma maior flexibilidade para lidar com questões
mais polêmicas, como sexualidade e drogas.
iG: Quais são os maiores desafios da velhice
hoje?
José Carlos Ferrigno: O desafio maior é
envelhecer em paz, sem se sentir pressionado por um ideal, e ficar menos
vulnerável à pressão de consumo. São muitos apelos por um envelhecimento
saudável, mas percebe-se forte manipulação na mensagem dirigida aos idosos. Há
uma indústria milionária vinculada a atividades físicas, cirurgias plásticas,
cosméticos e medicamentos, que impactam fortemente a velhice.
iG: Isso significa que envelhecer bem tem mais
a ver com a cabeça do que com o corpo?
José Carlos Ferrigno: A chave é o
autoconhecimento e saber o que se quer para a velhice. Os budistas já diziam
que não é possível desconsiderar a opinião dos outros, mas é possível
minimizá-la e ganhar liberdade. Tem que haver esforço para a pessoa não ficar
presa à aparência e necessitada da opinião alheia. Se a pessoa quiser malhar,
tudo bem. E se ela quiser uma vida mais tranquila e parada, ela também merece
respeito por sua decisão.
iG: São diferentes as velhices no Brasil?
José Carlos Ferrigno: Sim, há um contraste
do ponto de vista cultural, econômico e de oportunidades. Além de pressões de
ordem material, há os diferentes estilos de vida. A velhice de um trabalhador
rural tem a grande vantagem do contato com a natureza mas, por outro lado, este
velho pode perder experiências interessantes mais encontráveis em uma região
urbana. E vice-versa. Portanto, o melhor lugar para um velho pode ser tanto a
paz do interior, como a agitação das grandes cidades.
Dani Sandrini
José Carlos Ferrigno, autor de "Conflito e Cooperação Entre Gerações": a velhice não pode ser vista do ponto de vista das limitações, mas de suas potencialidades
Convívio
intergeracional estimula construção de identidade
iG: O que modificou o perfil da velhice?
José Carlos Ferrigno: Principalmente em
classes médias e altas, que têm mais acesso ao consumo, há uma nova imagem de
velhice. Nota-se uma outra postura, uma vontade maior de participação na
sociedade e de experimentar novidades tecnológicas. Os velhos de hoje adotam um
estilo de vida que pode aproximá-los dos jovens. Mais recentemente, esses
movimentos começam a tornar menos intensa a separação das gerações.
iG: O que é “ficar velho” hoje em dia?
José Carlos Ferrigno: Os velhos e jovens se
vestem de modo cada vez mais parecido. A própria internet cria situações em que
um jovem pode se passar por um velho ou o contrário. Mas aproximar não
significa conviver bem, os desafios se mantêm. O que está em jogo é a qualidade
dessa relação, que precisa de boa vontade mútua.
iG: O que os idosos podem cobrar da sociedade?
José Carlos Ferrigno: Há vários problemas e
um deles é econômico. A maioria dos idosos depende do INSS e recebe de um a
dois salários mínimos, o que dá cerca de R$ 1.000. A complementação do INSS,
como a previdência privada ou a poupança, fica restrita à classe média. Há
também a questão da saúde. Ainda não existe atendimento digno na saúde deste
país. E o atendimento de convênio custa caro e também deixa a desejar.
iG: E que espaço eles, os mais velhos,
poderiam ocupar?
José Carlos Ferrigno: A gente tem uma
perspectiva de que os velhos podem ter um papel e uma função social que não
existia antes. Isso tende a crescer nos próximos anos. É a compreensão de que o
envelhecimento não determina incapacidade e incompetência significativas.
Também não se pode só dourar a pílula, há uma perda sim. Porém, a velhice não
pode ser vista do ponto de vista das limitações, mas de suas potencialidades.
iG: Qual o cenário ideal?
José Carlos Ferrigno: Em vez de enfatizar o
diabetes, a insuficiência cardíaca, aquilo que é precário, vamos olhar a
funcionalidade do sujeito. Ou seja, não é a visão da doença, e sim da pessoa. A
ênfase do papel social do idoso faz com que ele passe a se valorizar, evitando
o desespero, aquela sensação de que está chegando no fim da linha. Essa postura
da sociedade dá autoconfiança para o idoso superar as dificuldades.
iG: O velho é mais livre hoje em dia?
José Carlos Ferrigno: Com as atividade
físicas e culturais, o velho passa a ter mais liberdade e menos tempo para a
família. Não é que a avó deixou de gostar dos netos, mas agora ela tem uma
agenda e tem que negociar os horários. Não está mais o tempo todo à disposição
para ajudar ou ser mão de obra.
iG: Como lidar com idosos mais fragilizados?
José Carlos Ferrigno: Sugiro que os filhos
e netos parem para pensar em tudo aquilo que esses velhos fizeram durante a sua
vida e que levaram a família a estar onde está. Isso implica no desenvolvimento
de empatia e compreensão, inclusive pensando na própria velhice. A questão é
perceber a necessidade do outro, dialogar e se interessar pelo outro.
iG: Quais são os conselhos práticos?
José Carlos Ferrigno: O ser humano é o
único animal que faz da refeição um momento de confraternização. Mas perdemos o
antigo hábito de jantar em família. Hoje tem microondas e cada um tem seu
quarto, sua TV. Cada pessoa chega em um horário, esquenta a comida no micro e
vai para o quarto. O diálogo diminuiu, por isso as pessoas precisam conversar
mais. Os finais de semana podem ser uma oportunidade de a família se
reencontrar. Folhear álbuns de família também pode ser de muito valor para
recuperar a história familiar e gerar o enraizamento dos mais jovens.