Um
dos meus maiores problemas, que se tornou mais grave ao longo dos anos, são
minhas noites de insônia. Não gosto de tomar remédios para dormir. Apesar de
exausta, minha mente não consegue desligar, e passo horas pensando, escrevendo,
lendo e, inúmeras vezes, só consigo dormir duas ou três horas por noite.
Divulgação
Mirian
Goldenberg é antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro
e autora de “A Bela Velhice” (Ed. Record)
Durante
muitos anos tive o hábito de anotar os meus sonhos. Acordava de madrugada e
escrevia tudo o que havia sonhado. Depois de registrar o sonho tentava voltar a
dormir, o que não era nada fácil. Como tenho muitas noites de insônia, decidi
parar de escrever durante as madrugadas.
No
entanto, recentemente tive um sonho muito especial. Enquanto sonhava, dizia
para mim mesma: “Este sonho eu preciso anotar, é importante para as minhas
reflexões sobre as diferenças de gênero e envelhecimento”. No sonho, eu estava
dando aula e dizia para os meus alunos:
“A
única categoria social que inclui todo mundo é velho. Somos classificados como
homem ou mulher, homo ou heterossexual, negro ou branco. Mas velho todo mundo
é: hoje ou amanhã. O jovem de hoje é o velho de amanhã. Por isso, como nos
movimentos libertários do século passado do tipo Black is beautiful, nós
deveríamos vestir uma camiseta com as ideias: “Eu também sou velho!” ou, melhor
ainda, 'Velho é lindo!'”
Fomos
em passeata até Copacabana, todos nós unidos, os velhos de hoje e os velhos de
amanhã, vestindo camisetas e levando cartazes com as frases: “Eu também sou
velho!” e “Velho é lindo!”. Na manifestação, inspirada em Martin Luther King,
fiz um discurso apaixonado:
“Eu
tenho um sonho que um dia o velho será considerado lindo, e que todos nós
poderemos viver em uma nação em que as pessoas não serão julgadas pelas rugas
da sua pele e sim pela beleza do seu caráter. Livres, enfim! Somos livres,
enfim!”.
Acordei
de madrugada repetindo alegremente a frase: “Somos livres, enfim!”. E com
vontade de ir para Copacabana me manifestar gritando: “Eu também sou velha!” e
“Velho é lindo!”
“A
beleza da velhice está exatamente na sua singularidade. E também nas pequenas e
grandes escolhas que cada indivíduo faz
Uma
semana depois do sonho, participei de um congresso internacional de moda no Rio
de Janeiro. Nele, afirmei que o mercado continua reproduzindo as imagens dos
velhos do século passado e não enxerga os “novos velhos” e as “novas velhas”
que têm projetos de vida, saúde, amor, felicidade, liberdade e beleza.
Convoquei o público do congresso a mudar essas representações negativas e
participar da campanha “Velho é lindo” e “Velha é linda”.
Contei
que muitas mulheres que tenho pesquisado, de mais de 40 anos, dizem que são
ignoradas pelo mercado. Além de se sentirem invisíveis -- ou “transparentes”,
como elas se percebem, pois não são mais olhadas ou elogiadas como quando eram
mais jovens -- dizem que não encontram roupas adequadas para a sua idade.
Uma
nutricionista de 47 anos disse:
“Sou
magra e tenho um corpo bonito. Fui comprar uma calça jeans de uma marca famosa
e a vendedora olhou para mim dos pés à cabeça como se dissesse: ‘Não temos
roupas para velhas. Não queremos a nossa etiqueta desfilando em uma bunda de
uma velha ridícula e sem noção’. Saí de lá arrasada, me sentindo uma velha
ridícula”.
Outras
querem se diferenciar das adolescentes, mas não querem se vestir como velhas.
Uma professora de 41 anos contou:
“Não
posso usar os mesmos jeans das minhas alunas. Tento encontrar um jeans que não
seja colado e de cintura baixa, mas é impossível. Não quero parecer uma
garotinha, mas também não quero parecer uma velha. As opções para uma mulher da
minha idade são horrorosas”.
A
grande dúvida é a de como se adequar à idade sem abrir mão de roupas bonitas.
Elas mostram que o mercado está voltado para as mulheres jovens e magras e
exclui aquelas que não se enquadram ou não aceitam essa padronização. Uma
arquiteta de 56 anos afirmou:
“Sempre
usei biquíni e minissaia. Agora não posso mais? Adorei quando a Betty Faria,
depois de ter sido cruelmente criticada e chamada de ‘velha baranga, velha
ridícula, sem noção’ por usar biquíni aos 72 anos, disse: ‘querem que eu vá à
praia de burca, que eu me esconda, que eu me envergonhe de ter envelhecido?’.”
Em
uma entrevista sobre a passagem do tempo, a atriz Marieta Severo, de 66 anos,
disse:
“Vejo
tanta gente preocupada em colocar botox na testa, eu queria poder colocar botox
no cérebro. Tenho verdadeiro pavor de perder a capacidade mental, é isso o que
mais me assusta quando penso na velhice. Quero ser uma atriz velha com
capacidade de decorar um texto, quero ser lúcida na vida e na família”.
Como
mostro nos meus livros, artigos e palestras, a “bela velhice” não é um caminho
apenas para celebridades. A beleza da velhice está exatamente na sua
singularidade. E também nas pequenas e grandes escolhas que cada indivíduo faz,
em cada fase da vida, ao buscar concretizar o seu projeto de vida e encontrar o
significado de sua existência.
De
biquíni ou de maiô, minissaia ou calça jeans, salto alto ou sapatilha, o que
interessa é que somos cada vez mais livres para inventar a nossa “bela
velhice”. E para mostrar, aos velhos de hoje e aos velhos de amanhã que “velho
está na moda!” e, mais ainda, que “velho é lindo!”.
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