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terça-feira, 8 de novembro de 2011

''Vivemos a derrota do neoliberalismo e a tragédia da esquerda'', afirma Negri

“Chegamos a um momento que a produção se tornou cada vez mais imaterial. Sempre haverá uma necessidade de elementos ou momentos hierárquicos para que o valor produzido possa ser coletado e classificado, mas já não há nenhuma necessidade da propriedade privada como centro da produção e do desenvolvimento”. O comentário é do Antonio Negri em entrevista ao grupo espanhol autogestionário La Tabacalera. A tradução é de Haroldo Gomes e reproduzido em seu blog, 08-10-2011.

Eis a entrevista.

O que você sabe do 15-M?

Tenho ouvido falar muito do movimento, como qualquer outro. Tenho amigos que participam do mesmo desde o início. Nasceu de forma espontânea, mas para avaliá-lo melhor teremos que esperar um pouco.

O que é pior nessa crise, a recessão econômica ou a desilusão ideológica que provocou?

A crise é verdadeiramente profunda. Poder-se-á sair dela, mas não será imediatamente, apenas quando houver uma mudança profunda. É uma crise nova por diferentes aspectos. É evidente que está modificando as abordagens ideológicas. As ferramentas que o capitalismo tem para sair da crise não são suficientes. No momento não temos meios para superá-la e devemos pensar em novas maneiras de escapar dela. Por enquanto, as idéias existentes estão um pouco embaçadas. Parece-me lógico e necessário que nasçam diferentes pontos de vista opostos ao capitalismo, como o 15-M. Mas devemos refletir sobre esses movimentos para ver aonde nos levam.

Qual é a alternativa ao sistema capitalista, que demonstra não estar interessado no benefício social?

Está claro que o desempenho do mercado caiu. Nos anos oitenta se pensava que o sistema capitalista de mercado era o único caminho, mas o sistema neoliberal está revelando sua verdadeira cara, a da tragédia mesma para o próprio mercado. Esses mecanismos capitalistas são terríveis no campo da desigualdade. A hierarquia do poder capitalista introduz o declive dos estados e da civilização ocidental. Devemos pensar na superação do mercado e das atuais condições entre países ricos e países pobres, e acabar com as injustiças das condições da economia do desenvolvimento.

Diante dos pactos da política com o banco, em que estado de vulnerabilidade se encontra o cidadão?

Hoje o banco e o financeiro não são a cara feia do capitalismo porque são o capitalismo mesmo. Não existe o capitalismo sem o banco, não existe o capitalismo sem as finanças. Hoje não existe possibilidade de pensar num mítico capitalismo industrial, não existe o pequeno empreendedor que emprega pessoas. O Estado hoje está totalmente condicionado pelos mecanismos financeiros, que o absorvem por completo, de modo que não se pode pedir aos governos que nos salvem das finanças porque eles são os representantes das finanças.

Que papel tem o cidadão nessa situação crítica: deve sair à rua ou esperar que volte a normalidade?

O cidadão deve pensar e defender seu próprio destino. Apenas a capacidade de reorganizar a democracia o salvará. A democracia deve se renovar desde um órgão constituinte novo porque as Constituições existentes estão baseadas na propriedade privada. Devemos mudar as Constituições. Chegamos a um momento que a produção se tornou cada vez mais imaterial. Sempre haverá uma necessidade de elementos ou momentos hierárquicos para que o valor produzido possa ser coletado e classificado, mas já não há nenhuma necessidade da propriedade privada como centro da produção e do desenvolvimento. Tem que modificar o conceito mesmo de desenvolvimento. A produção já não pode estar voltada apenas para o lucro. Deve passar a frente, a produção do ser humano pelo ser humano. A propriedade privada não pode governar a democracia. A riqueza não deve seguir sendo como até agora. Já não serve produzir para ganhar, mas para partilhar.

Agora que você mencionou, como se imagina essa mudança das constituições dos estados, de forma radical, moderada?

Existem muitas experiências, violentas e tranquilas. Os métodos se inventam, não existem métodos predeterminados. Os estados estão completamente em crise. O Estado nunca quis ceder sua soberania, mas finalmente cede, por desgraça, às finanças. Como cidadão deve conquistar sua soberania? Provavelmente mediante um processo muito cansativo e longo. Podemos imaginar que haverá violência, enfrentamentos e conflitos. Quem está no poder não quer abandoná-lo e quem não tem o poder quer se apropriar dele.

Então, você crê que um movimento que saia às ruas a protestar ajuda a reforma da qual está falando?

Creio que sim porque um movimento, chamado Maio de 68 ou indignados ou acampados, incide sobre uma cena global que provocará o início das discussões. Não vai nos tirar da crise, logo, mas ajudará a refletir como sair dela. Construir-se-ão idéias novas sobre a representação, sobre a presença dos cidadãos, o modelo de cultura e dos instrumentos de comunicação e intelectuais relacionados com os recursos informáticos.
Todavia, os cortes do gasto social são tão graves que parece que o novo modelo de Estado que se avizinha tem pouco a ver com o que você indica. Na verdade, surge um muito mais cruel.
Quando falamos de superar o mercado, nos referimos a impor o imposto sobre heranças, de expropriar os ricos. O problema é muito simples. Não é difícil! Trata-se de decidir se se está de um lado ou de outro: seguir com um mercado que não funciona ou inventar uma nova linha de ação que está por chegar. A única coisa que estamos seguros é de que, se o mercado continua marcando as pautas, a crise continuará sempre para pior. Assim, trata-se de inventar uma saída que não é a que passa pelo massacre dos inocentes desse crise.

Você sente falta da tradição marxistat da revista Quaderni Rossi’ [Cadernos vermelhos], dos anos sessenta?

A saber, aquela tradição operária foi profundamente transformada nos anos setenta. A nova produção imaterial, intelectual, capitalista acabou com ela. Essa transformação deixou muito atrás a tradição marxista do Quaderni Rossi, éramos muito jovens então [risos].

Neste mundo, é possível outra Autonomia Operaia [Autonomia Operária]?

Hoje em dia não sei o que significa a categoria operária. A categoria do proletariado é uma extensão enorme. Hoje o problema realmente grave é a ausência de autonomia do desenvolvimento dessa figura social e de sua própria subjetividade. São homens e mulheres que querem ser mais livres e que não querem viver sem imaginação, sem criatividade, sem alegria. Essa é a principal discussão: a revolta contra o mercado deve ser a exaltação da singularidade e da liberdade. Liberdade, verdade e igualdade.

Agora que você citou, desapareceu do debate a preocupação em acabar com a desigualdade em favor do desenvolvimento da liberdade?

As forças do mercado se impuseram desde o início dos anos setenta: quando Nixon e Kissinger desvincularam o dólar do padrão ouro. Por outro lado, está o documento da Comissão Trilateral, no qual se diz que a democracia deve marcar os limites do liberalismo. Mas, isso se sabe desde sempre, só os jornalistas mudaram o significado da palavra liberdade para liberalismo.

Diante de um panorama como o que você descreve, o que a esquerda tem que fazer para ser capaz de reconduzir essa crise?

A esquerda está completamente absorvida pelo mecanismo do mercado e aterrorizada diante da tessitura de ter que sair desses mecanismos do próprio mercado para poder seguir sendo esquerda. Hoje vivemos a derrota do neoliberalismo e a tragédia da esquerda. Trata-se de inventar uma esquerda nova, que dê espaço a uma nova forma de pensamento. Tem que se reinventar a comunidade porque essa sociedade está dividida em duas categorias irreconciliáveis: ricos e pobres. Deve-se construir uma nova política.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

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