http://www.youtube.com/watch?v=49UXEog2fI8
Cena do documentário "Criança, a Alma do Negócio"
Se a um grupo de cinco crianças fosse dada a chance de escolher entre comprar e brincar, qual seria a opção preferida? De acordo com uma cena do documentário “Criança, a Alma do Negócio”, dirigido por Estela Renner (assista ao lado), a escolha não é tão unânime como os pais podem imaginar: quatro das cinco crianças preferem a primeira opção. E não é à toa.
No início de 2010, uma pesquisa mostrou que, de 411 pais de crianças entre três e 11 anos, aproximadamente 288 admitiram ser influenciados pelos filhos na hora de comprar. De acordo com Laís Fontenelle Pereira, coordenadora de Educação do pelo Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, a publicidade voltada para o público infantil é o primeiro fator de influência neste cenário. “As crianças de hoje já nascem inseridas nesta cultura de consumo e existe uma publicidade que fala diretamente com ela, que é o principal influenciador”. Depois da publicidade, vêm as embalagens dos produtos e, em terceiro, os personagens envolvidos com o produto, sejam eles famosos ou não.
O uso deste mecanismo na publicidade é recente. O mercado enxergou na criança uma consumidora em potencial, já que ela é capaz de influenciar familiares e colegas na escola. Marcos Nisti, produtor executivo do documentário “Criança, a Alma do Negócio”, que o diga. Segundo ele, as crianças começam a consumir muito mais cedo que antes, pois a sociedade de consumo invade o mundo delas: “Hoje, no próprio ambiente dela, a criança é respeitada pelo que tem, e não pelo que é”.
Dentro de casa e dentro da escola
Segundo pesquisas, as crianças influenciam até 80% das decisões de consumo da família. Além dos estímulos consumistas que chegam a elas pela televisão e entre os colegas de escola, outro fator, segundo Nisti, colabora em grande escala: a culpa dos pais por trabalhar em tempo integral. Eles sentem que devem compensar a ausência dando tudo que os filhos pedem. Estanislau Maria de Freitas, coordenador de Comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, concorda. “Como os pais passam muito tempo fora, a criança fica em casa mais vulnerável à publicidade”, diz, ressaltando que a regulamentação sobre a publicidade brasileira é bem pouco rígida se comparada à de países como Canadá, Holanda e Noruega, entre outros.
E a televisão não é o único meio de atingir as crianças. De acordo com Laís, que também ministrará o curso “Consumismo na Infância e o Brincar: pólos que não se atraem” no Centro de Estudos Educacionais Vera Cruz (CEVEC), em São Paulo, a partir deste mês, existem ações de marketing voltadas para o público infantil por todos os lados. É o chamado “marketing 360 graus” – e ele acontece até mesmo dentro das escolas: “Recebemos cada vez mais denúncias de marketing dirigido às crianças nas escolas, disfarçado de atividade pedagógica”, alerta Laís.
As instituições de ensino não devem permitir que a publicidade invada o espaço escolar. “A escola não é shopping center: ela tem uma função social”, afirma ela. Afinal, as consequências do consumismo infantil podem ir de mal à pior, incluindo a intensificação do bullying, se as crianças forem estimuladas a pautar suas relações sociais pelo que os colegas têm ou deixam de ter. “As crianças fazem grupos e discriminam outras por não terem determinados objetos, hoje tidos como ingresso social”, conta a especialista. E é preciso desconstruir essa lógica.
Publicidade como ponto de partida
Dentro de casa as consequências da superexposição à publicidade também são significativas e os pais podem acabar endividados por não conseguirem negar os desejos dos filhos. Pensando nisso, em 2001 o atual Secretário da Fazenda do Paraná Luiz Carlos Hauly apresentou um projeto de lei com o objetivo de proibir a publicidade destinada a crianças de até 12 anos. Hauly foi influenciado pelo ímpeto consumista do filho mais novo para a apresentação do projeto: “Descobri que na legislação da maioria dos países desenvolvidos existem restrições em relação à publicidade, pois os comerciais podem destruir muito do que a família e a escola fazem pela criança”. O projeto ainda está para ser votado em plenária.
O Secretário sugere que a influência publicitária sobre as crianças, que associa o “ter” ao “poder”, se relaciona até à criminalidade. “Quando as crianças de periferia chegam por volta dos 13 anos, elas vão buscar o que lhes foi negado. Isso é um indutor de violência e marginalidade”. Para ele, a questão do consumismo infantil não é apenas responsabilidade dos pais, mas dever do Estado e da sociedade – onde também se situam as emissoras de TV. “O primeiro passo, portanto, é eliminar a publicidade voltada às crianças”, completa.
Foto: Alexandre Carvalho/ Fotoarena
Vera e os filhos mais novos: "ensinar o valor do dinheiro é difícil, mas vale a pena"
Negociação constante
Enquanto isso não acontece, os pais têm uma árdua missão: proteger os filhos do consumismo desenfreado. A empresária Vera Menezes, de 55 anos, tira a tarefa de letra desde o primeiro filho. Hoje ela é mãe de quatro e os dois mais novos já se habituaram aos combinados com a mãe. Rafael, de nove anos, sabe bem que fast-food só é permitido uma vez por semana – e olhe lá. “Eu explico porque não pode exagerar e, dentro da cota dele, ele entende e respeita”. Se deixasse, Vera acredita que ele comeria em lanchonetes todos os dias.
Pedro, de 14 anos, já se policia sozinho. Ele juntou dinheiro da própria mesada para comprar um videogame novo e dar ou vender o antigo. Vera coíbe excessos e desperdícios deixando muito claro que dinheiro não se encontra na rua e ensinando os filhos a dar uso a brinquedos substituídos por modelos mais novos. “Eles têm muita compreensão disso”, afirma. E de reutilização dos produtos também. Quando o mais velho tem uma chuteira ou outra peça em boas condições que não serve mais, ela é passada para o caçula. “Eles sabem que não precisa ter sempre uma chuteira nova, algo sem necessidade”.
Vera vê em Rafael, o filho mais novo, os reflexos do estímulo ao consumo. Mas define este querer como muito passageiro: “Ele quer tudo que vê, mas quando a gente diz “não”, ele assimila”. A mãe controla o tempo de televisão do filho. No caso de Pedro, o mais velho, a coisa muda de figura: ele é mais influenciado pela própria tribo. “Na turma dele, todo mundo costuma usar o mesmo tipo de roupa”, conta. Pedro é mais ligado às marcas do que os outros filhos: “Ele prefere ter menos roupas, mas das marcas que ele gosta”.
No ano passado, quando foi com os filhos para a Disney, Vera estipulou um valor proporcional à idade para cada um administrar. “Tudo que eles queriam tinha que estar dentro dessa cota, e todo mundo cumpria com o combinado”, explica. De acordo com Vera, o combinado acabou virando também uma brincadeira. Estabelecer acordos não é fácil, mas vale a pena. “É uma coisa que dá trabalho aos pais. Você precisa parar, sentar, conversar, gerar um significado e uma cumplicidade, e isso desde que eles são pequenos. Mas é algo para a vida inteira”, completa.
O poder do exemplo
Para Laís, o diálogo é a chave da transformação. Além dele, o exemplo é fundamental. A máxima “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” não funciona com as crianças. Segundo Estanislau, do Instituto Akatu, é preciso dar o exemplo na prática. Não adianta sair com o filho para ir ao cinema e, depois da primeira vitrine, sair da loja cheia de sacolas. “Pai e mãe também precisam estar conscientes do próprio consumo”, diz ele.
Com isso, fazer combinados com os filhos em relação às compras e limitar o número de horas na frente da televisão – assim como Vera faz – se tornam os primeiros passos para diminuir o consumo dentro de casa. Marcos sugere o estímulo ao brincar, principal fonte de inspiração para formar cidadãos melhores, mais criativos e conscientes. E saber dizer “não” aos pequenos é fundamental – sempre explicando as razões, mostrando o valor do dinheiro e resgatando o significado das datas comemorativas, geralmente usadas para incitar ainda mais o consumo.
Estanislau sugere que o melhor exercício de educação para o consumo é consumir com responsabilidade junto aos filhos. Quando pai e filho forem ao mercado, por exemplo, mostrar o quanto se paga num produto, de onde ele vem e como é feito, entre outros fatores, são boas formas de ensinar ao filho o valor daquilo. “O papel dos pais é ensinar os filhos a se relacionarem de outra maneira, que não a atual, com o mundo de consumo”, diz.
Fonte: Portal iG
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