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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

“Tenho síndrome de Down e cuido da minha própria vida”


Mudanças de abordagem e estimulação precoce ampliam os horizontes de quem tem a síndrome. Conheça histórias de pessoas que estão quebrando barreiras

Verônica Mambrini- iG São Paulo

Mônica Ribeiro dos Santos tem 27 anos e trabalha como auxiliar administrativa em uma empresa de produtos hospitalares. Perdeu a mãe ainda criança e foi criada com a ajuda da irmã Jaqueline. Trabalha, estuda, ajuda nas tarefas de casa, adora ver novela. Na infância, ajudava a cuidar da sobrinha deficiente visual. Uma rotina comum, mas que se torna extraordinária ao levar-se em conta que Mônica tem síndrome de Down.

Amana Salles/Fotoarena

Mônica mostra seu crachá do trabalho: a independência foi uma necessidade

Mais do que um desejo dela e da família, independência foi uma necessidade. Para continuar estudando e trabalhando, Mônica encara três conduções lotadas para ir de casa, no Capão Redondo, para a Adid (Associação para o Desenvolvimento Integral do Down), no Brooklin, e depois para o trabalho, no Socorro. “Foi um sacrifício deixá-la ir sozinha, mas era importante”, conta Jaqueline.

Mônica já se perdeu. “Peguei a condução errada e pedi ajuda ao cobrador. Voltei ao ponto final e peguei o ônibus certo”, explica. Com a prática, passou o medo de errar (veja a rotina de Mônica no vídeo).

Ela trabalha, namora, estuda, dá conta de seus cuidados pessoais – algo impensável para alguém com síndrome de Down décadas atrás.

Namoro e aliança de compromisso

A síndrome, que tem origem em uma alteração cromossômica, é um conjunto de sintomas associados a dificuldades cognitivas expressas no desenvolvimento físico e na fala. Dez anos atrás, acreditava-se que as pessoas com Down não teriam condições de levar uma vida normal e morreriam na adolescência, o que não é mais uma verdade absoluta.

Hoje, sabe-se que é possível atingir graus variados de independência e autonomia. “A síndrome se manifesta em níveis diferentes em cada pessoa. A estimativa é que apenas 2% tenham um grau cognitivo privilegiado”, diz Alda Lúcia Pacheco Vaz, coordenadora da Adid. Estes 2% poderão resolver problemas cotidianos sozinhos, aprenderão a ler, escrever e fazer contas, irão desenvolver vida social e terão uma autonomia relativa, como cozinhar para si próprios e se deslocar de casa ao trabalho.

Daniella Lamin, 25 anos, está quase lá. Trabalha, completou o Ensino Médio, leva a sério o hobby da dança e, se dependesse apenas de seu desenvolvimento cognitivo, poderia tranquilamente andar pelas ruas da Pompeia, bairro onde mora e trabalha. Na prática, está sempre acompanhada. “Ela sabe ir e voltar do serviço, pegar ônibus. Mas já tivemos uma experiência ruim. Uma vez deixei-a andando na minha frente e percebi que, ao se aproximarem e notarem que ela é ingênua, os homens mudaram o tratamento”, diz Linalva, mãe de Daniella.
Amana Salles/Fotoarena

Daniella e o namorado Luis Otávio se conheceram em um grupo de lazer e estão juntos há dois anos

Contornando esse tipo de limitação com a ajuda da família, Daniella segue nas atividades preferidas, como a dança. “Estou ensaiando para uma apresentação em dezembro”, conta. Ela vai participar de praticamente todos os números: do funk ao balé clássico, passando por flamenco, jazz e sapateado.

Há dois anos namora Luis Otávio. Eles se conheceram no “Vamos Juntos”, grupo que leva pessoas com Down para atividades de lazer, como cinema e baladas, sem a companhia da família. “Uso aliança de compromisso. Vamos a vários lugares juntos, até já viajamos”, conta Daniella. Por hora, nenhum dos dois fala em casamento.

Ingenuidade e autonomia
Hoje, o propósito dos educadores e familiares das pessoas com a síndrome é dar a maior autonomia possível dentro das possibilidades de cada um.

Neste caminho, o que faz diferença é o estímulo precoce, oferecido desde a infância, e o apoio específico para dificuldades ligadas à síndrome, como aulas de fonoaudiologia para melhorar a dicção ou oficinas práticas para lidar com dinheiro. “O maior problema para quem tem Down é uma certa ingenuidade e dificuldade de lidar com pensamentos abstratos. Uma frase como ‘estou pisando em ovos’ é entendida literalmente”, explica Alda.

“Há dois tipos de autonomia: a de ação, que envolve atos como cuidados pessoais e tarefas domésticas, e a autodeterminação, que implica em fazer escolhas, como querer mudar de emprego”, afirma a coordenadora. Manter rotinas e ambientes organizados também ajuda quem tem a síndrome a ser mais autônomo.

Autodeterminação é uma das conquistas de Caio Zanzini, 23 anos. “Projeto” é uma das palavras preferidas do jovem, que tem vários planos para o futuro. Ele trabalha como assistente administrativo no Senac. “Hoje, vou ao trabalho com meu pai ou minha mãe, mas um projeto para o ano que vem é ir de ônibus”, conta, animado. No emprego anterior, a distância era menor e ele ia sozinho, a pé.

Caio é o “quase promoter” das baladas que a Adid promove semestralmente para os alunos e está reativando o grêmio da instituição, além de se dedicar à música. “Adoro música, cantar, tocar piano. Dei uma parada com o piano e fui para a bateria, para me ajudar com ritmo. Bateria me faz soltar as emoções.”

Com estreia prevista para novembro, o longa "Colegas" foi o grande vencedor do último Festival de Gramado. Estrelado por atores com síndrome de Down, foi aplaudido em cena aberta durante sua exibição. O diretor, Marcelo Galvão, conviveu com um tio que tinha a síndrome e espera quebrar alguns preconceitos com a história. "A partir dele, as pessoas vão desenvolver um olhar diferente para a síndrome de Down", disse.

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