Embarcar na fantasia pode estimular a
imaginação e a criatividade dos filhos, mas os pais não devem insistir na
crença caso a criança descubra a verdade
Alessandra Oggioni- especial para o iG São
Paulo
O garoto Joaquim Dias Rubim, de 6 anos, ficou
um pouco desconfiado quando, no ano passado, o Papai Noel chegou todo bronzeado
para entregar os presentes de Natal. “Ele estava moreno. Acho que tinha ido à
praia”, contou o menino, estranhando que um sujeito que mora no Pólo Norte
aparecesse com a cor do verão. Mas com o incentivo da mãe, a pedagoga Simone
Rubim, a suspeita foi esquecida e, neste ano, ele já fez a cartinha ao bom
velhinho. “Eu acho importante ele acreditar, resgatar esta inocência, esta
fantasia nas crianças”, diz Simone.
Alexandre Carvalho/ Fotoarena
Ano passado, Joaquim
desconfiou do Papai Noel que estava muito bronzeado. A suspeita foi esquecida e
ele já escreveu sua cartinha de fim de ano para o bom velhinho
A dúvida em crenças como a do Papai Noel é um
processo natural no desenvolvimento infantil. Geralmente, por volta dos sete
anos, quando o pensamento da criança é mais lógico e ela começa a comparar
informações, a desconfiança aparece. No entanto, a idade da “descoberta” pode
variar de acordo com o estímulo que ela recebe dos pais e com o ambiente em que
vive.
Incentivar as crianças a crer em figuras
imaginárias, como a do Papai Noel, enriquece o imaginário e favorece a
exploração das ideias e do pensamento infantil, segundo explica a psicóloga e
psicanalista Santuza Fernandes Silveira Cavalini, professora doutora da
Universidade Mackenzie,em São Paulo.“O importante é entender que o mundo de fantasia
é fundamental para que ela possa compreender a realidade. A fantasia, a
brincadeira e a imaginação ajudam a criança a lidar com os seus sentimentos”,
comenta.
O psiquiatra José Raimundo Lippi, especialista
em crianças e adolescentes, diz que a crença no Papai Noel contribui, ainda,
para o estímulo da criatividade e atende às fantasias de onipotência próprias
da primeira infância. “Assim como creem que os super-heróis podem voar, elas
acreditam na existência de um ser poderoso, que pode atender aos seus pedidos”,
explica.
Meu filho descobriu, e agora?
Com crianças antenadas no mundo virtual fica
cada vez mais difícil manter a fantasia por muito tempo. Segundo apsicopedagoga
Maria Irene Maluf,hoje em dia é complicado queuma criança com acesso à
internet, à TV, que vá à escola e que tenha irmãos e amigos mais velhos
acredite na figura do Papai Noel após os cinco ou seis anos de idade.
E, quando a dúvida surge, é comum que a
criança procure respostas no computador ou questione os pais ou os familiares.
A advogada Juliana Leal passou por isso quando, no ano passado, depois de
comentários de coleguinhas da escola, o filho Vinícius Leal, então com 9 anos,
veio perguntar sobre a existência do bom velhinho. “Respondi que, se dentro do
coração dele ele acreditasse, então o Papai Noel sempre iria existir”, conta a
mãe.
A resposta “em aberto” de Juliana foi
proposital. “Não queria forçar uma situação, obrigá-lo a acreditar ou fazer com
que ele fingisse acreditar no Papai Noel só para não me deixar chateada”,
explicou.
Simone, mãe de Joaquim, acha importante incentivar a fantasia do Papai Noel / Alexandre
Carvalho/ Fotoarena
Foi então que, a partir daquele ano, Vinícius
deixou a fantasia de lado. Não escreveu a tradicional cartinha, como fazia
antes, e pediu o presente de Natal diretamente à mãe. “O problema é que, hoje,
as crianças convivem com o mundo real e outro virtual o tempo todo e estão
muito mais aptas a compreender, por si mesmas, que o Papai Noel é um personagem
muito mais cedo do que os adultos pensam”, explica Maria Irene Maluf.
A psicopedagoga recomenda também que, quando
os pais forem questionados, o melhor mesmo é serem francos com a criança e não
forçarem a crença. “Quanto mais tempo estes adultos insistirem na veracidade da
história do Papai Noel perante um filho que já conhece a verdade, maiores a
angústia e a decepção da criança. Afinal, insistindo nessa situação parece que
os pais não acreditam que ela já tenha crescido a ponto de distinguir a
fantasia da realidade”, diz.
Maria Irene faz questão de ressaltar que essa
revelação deve ser feita ao tempo da criança. Ela explica que ser radical e
dizer que a figura não existe, sem que a desconfiança tenha vindo da própria
criança, é tirar dela a participação em uma história emotiva, cheia de símbolos
e com um personagem que dá exemplo de bondade, ensina virtudes e dá esperanças,
como outros tantos heróis.
Antes da hora ou tarde demais
Mas o que fazer se a criança desconfia muito
cedo que Papai Noel não existe? Neste caso, o melhor é voltar a pergunta,
indagando o filho: “o que você acha?”. Assim, descobre-se exatamente o que ele
já sabe e o que realmente deseja entender. “O melhor jeito é dizer que o Papai
Noel existe, sim. Explique que ele é personagem de uma linda história, contada
há muitos anos na época do Natal e, assim como a Cinderela e o Peter Pan, mora
na nossa imaginação”, indica Maria Irene.
No entanto, também não há motivos para
preocupação se a descoberta demorar mais a aparecer. “O que ocorre é que muitas
crianças são desestimuladas e mesmo desencorajadas a persistir na crença por
familiares ou coleguinhas. O fato é que cada uma precisa do seu tempo para
deixar de acreditar no Papai Noel e em outras crenças”, conclui o psiquiatra
José Raimundo Lippi.
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