A
mania de deixar tudo para depois vai muito além da preguiça e pode esconder o
medo do fracasso. Veja se você é um procrastinador
A
procrastinação assume perfis diversos. O procrastinador por criação de problema
adia as tarefas para mais tarde porque acha que terá mais tempo. O
procrastinador comportamental até faz listas e planos, mas não segue nada do
que foi planejado. E o procrastinador retardatário faz várias coisas antes de
cumprir uma tarefa determinada anteriormente.
Segundo
o psiquiatra norte-americano Bill Knaus em artigo publicado no “Psychology
Today”, estes são os três perfis de quem tem mania de deixar tudo para depois.
Mas, para a professora-titular da USP e terapeuta analítica comportamental
Rachel Kerbay, a definição vai além.
Daniel Oliveira/Fotoarena
A
publicitária Carina já tem fama de procrastinadora até no escritório e não quis
mostrar o rosto: "é fácil começar e terminar o dia fazendo alguma coisa
que não tem nada a ver com o trabalho"
Rachel
trabalha há mais de 15 anos com o assunto e define o “autocontrole” – ou
melhor, a falta dele – como a palavra-chave para entender este distúrbio. “O
procrastinador quer sempre usufruir do resultado imediato. Não sabe planejar e
criar condições para que as coisas aconteçam. Como ele segue só aquilo que é de
seu interesse, perde o que poderia ganhar a longo prazo”, explica a professora.
Cada
um com os seus motivos
É
exatamente o que Carina Martins faz repetidas vezes. Redatora publicitária, ela
precisa trabalhar em dupla com o responsável pela arte. Mas a fama de “deixar
tudo para a última hora” já é bem conhecida entre os colegas e, no último
emprego, chegou aos ouvidos do chefe. “Como eu também sou DJ, é muito fácil
começar o dia procurando música e, quando me dou conta, passei o expediente
inteiro fazendo outra coisa que não era o trabalho”, diz.
Carina
também é do tipo que demora muitos dias para cumprir uma tarefa muito fácil,
exatamente pelo grau de exigência ser menor. Só que quando o assunto é difícil,
ela também trava. Daí o motivo é ter medo de encarar um desafio.
“Geralmente,
o procrastinador tem medo do resultado e de uma avaliação pública. Daí o
bloqueio e a decisão de não fazer nada. Para isso, ele encontra várias
desculpas –muitas vezes externas, como tempo ruim, pouco dinheiro, falta de
sorte – ou apela para a emoção para adiar os compromissos”, analisa Rachel.
O
problema é que, na maioria dos casos, ele joga o trabalho para frente com a
desculpa de que precisa de mais tempo para fazer determinado projeto, e nem por
isso faz melhor. “Eu sempre falo, ‘semana que vem eu faço com mais calma’.
Apesar da sensação ruim de angústia, acabo me enrolando de novo e dedico menos
tempo do que o trabalho de verdade precisa. A saída, então, é o improviso”,
confessa Carina.
Telemarketing:
um guia para o bom atendimento
Missão
dada não é missão cumprida
Nesse
nó de desculpas e enrolação, a preguiça – ao contrário do que muita gente
acredita – não é a resposta do problema. É só ver a disposição da Carina para
pesquisar música e fazer outras atividades que lhe dão prazer. Foi também o que
concluiu Christian Barbosa, especialista em produtividade e autor do livro
“Equilíbrio e Resultado – Por que as pessoas não fazem o que deveriam fazer”.
Christian elaborou uma pesquisa e perguntou a mais de 4 mil pessoas a seguinte
questão: “você procrastina atividades ao longo da sua rotina?”. 97,4% dos
entrevistados responderam “sim”.
De
acordo com o levantamento, exercício físico, leitura, saúde e planejamento
financeiro são as quatro coisas mais adiadas. Por outro lado, casamento,
comprar apartamento, mudar de emprego e férias são aquelas que as pessoas
realizam com mais facilidade. “Não há nada de errado em procrastinar de vez em
quando, o problema é quando isso começa a ficar crônico e passamos a adiar
frequentemente coisas que não poderiam ser adiadas”, define.
“De
maneira geral, as coisas pessoais acabam sendo as que mais adiamos. Talvez
porque na vida pessoal ninguém fique cobrando que você leia determinado livro
ou organize seu armário. Mas, no trabalho, você tem chefe e clientes que
esperam o resultado de sua produção”, ressalta Christian.
A
falta dessa figura pode ser uma das razões que faz o estudante Marcio Vincler
viver sempre no atraso. Há alguns anos, ele passou a trabalhar com a mãe. Como
precisa de dedicação semi-integral na faculdade de veterinária, e ainda dá
expediente em uma clínica, o tempo disponível para escritório é bem reduzido e
as regalias são muitas.
Apesar
de admitir que não se incomoda com as brincadeiras dos colegas, ele sabe o
quanto esse comportamento cria rótulos. “Eu não consigo chegar no horário em
nenhum lugar e as pessoas já contam com a minha demora”, diz.
Daniel Oliveira/ Fotoarena
Carina
brinca com desenho: procrastinadores temem ser tachados de
"preguiçosos"
Rir
de si mesmo nem sempre é a melhor saída
A
descontração dos procrastinadores vai embora quando é proposta uma sessão de
fotos para ilustrar esta reportagem. Aí, a desculpa da imagem a zelar fala mais
alto. Situação parecida viveu Christian Barbosa: se na primeira fase de sua
pesquisa, que era anônima, não teve dificuldades, tudo mudou quando ele deu início
à segunda etapa, que era procurar personagens e entender o dia-a-dia desse
grupo. “Eles simplesmente sumiram. Ou pediam para trocar os nomes, a idade, a
profissão. A principal preocupação era não ser mal visto pelos colegas de
trabalho”, explica.
Mesmo
assim, o procrastinador é mais tolerado no Brasil do que em outros lugares. “O
que dita a cultura são os costumes, os valores de um grupo. E a nossa não é a
do fazer, mas o de empurrar. Temos um histórico de relações cordiais, em que os
problemas se resolvem na base da amizade”, pontua Rachel Kerbauy.
A
pergunta diante deste jogo de empurra-empurra é: há uma luz no fim do túnel?
Sim. “É preciso mudar as ações, as habilidades e a fala. Ou seja, o jeito de
fazer das coisas”, afirma Rachel. É o que também acredita Christian Barbosa.
“Infelizmente, na vida nem sempre teremos apenas coisas interessantes para
fazer. É preciso aceitar isso”, diz.Segundo ele, em muitos casos, adotar uma
estratégia de produtividade dá bons resultados. Outra dica valiosa é defendida
por Rachel. “Planeje os compromissos, crie alternativas factíveis e avance aos
poucos. A recompensa neste caso não é material. É o sentimento de dever
concluído que dá impulso à mudança e se torna mais satisfatório do que o
mal-estar de um comportamento procrastinador”.
Bye
Fernanda Tripolli- especial para o iG São Paulo
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