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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

"Saímos de uma posição definida. Ainda bem", diz psicólogo sobre "novo homem"

Os dias do típico machão provedor estão contados ou já ficaram para trás. Para o psicólogo Antônio Carlos de Araújo , o homem que está tomando ou vai tomar em breve seu lugar ainda não se encontrou, está perdido: “Ele está em uma sinuca de bico”. Aparentemente, nem todos

 
Brunno Kono| iG São Paulo
 
 

“O que está perdido não sabe como agradar, enquanto o das antigas, aquele que permanece na década de 40, acomodado no seu papel, perde a mulher porque nenhuma precisa de um homem para viver financeiramente. Esse é arredio à terapia, não acredita nela, e quando vem, vem no desespero, quando a mulher já pediu o divórcio. Inevitavelmente, este tipo de homem está em extinção.”
É com palavras duras que Antônio Carlos Alves de Araújo, psicólogo e terapeuta de casais há 25 anos, define o homem que pode nem aparentar ser o típico machão de sempre, mas que enxerga homens e mulheres com papéis estabelecidos na sociedade, principalmente quando o assunto é relacionamento: ele trabalha, ela cuida dos assuntos domésticos.
 
Já os que não se encaixam neste perfil se encontram em uma “sinuca de bico”, defende Araújo. “Ele não sabe o que fazer, tem medos e receios, não foi criado e educado para isso, e é isso que a gente tem que mudar”, diz. Acostumado a também tratar jovens, o psicólogo associa o surgimento de uma mulher independente e decidida com casos de impotência sexual psicológica masculina: “No ano passado foram 550 casos de disfunção erétil entre homens de até 25 anos. Eles têm medo de mulher. Esse é o novo homem, um ser absolutamente fragilizado”. O psicólogo explica que o alto número de pacientes do sexo masculino se deve à vergonha que eles têm de se consultar com profissionais mulheres.
Antônio Carlos acredita que os papéis de homens e mulheres acabaram “distorcidos”. Ailton Amélio, psicólogo e professor do Instituto de Psicologia da USP, compartilha – e comemora – a opinião. “O novo homem abandonou a posição do perfil anterior, do provedor, cabeça do casal, sem sentimentos, racional. Saímos de uma posição definida. Ufa, ainda bem que a abandonamos. O sexo feminino também era definido naqueles papéis mais tradicionais, de cuidar da casa, dos filhos, mas houve um movimento. Um movimento justo, por sinal.”
 
Amélio ressalta que o espaço que as mulheres ganharam ainda não é suficiente, “basta ver a diferença de salários, presença em cargos políticos ou na direção de companhias” – levantamentos recentes feitos com empresas brasileiras apontam que eles têm 20 vezes mais chances de virar CEOs e que apenas 23% dos postos corporativos de liderança são ocupados por elas.
No entanto, ele diz que as conquistas femininas foram fortes o suficiente para os homens não se sentirem mais confortáveis defendendo o perfil “machão”. Sobre o sexo masculino estar perdido, ele concorda com Araújo. “Quando você não sabe os parâmetros, o que fala, o que não fala, é uma situação incômoda. Não tem um lugar de conforto, onde você se sinta seguro. Porque por qualquer coisa você poderá ser acusado de machista, e, por outro lado, se você ficar quieto, pode ser chamado de frouxo.”
 
SAIR DA ZONA DE CONFORTO NÃO É RUIM
 
José Borbolla Neto já viveu os dois lados da moeda. O gerente de marketing de 31 anos “desconfia” que um dos fatos que causou o término de um dos seus relacionamentos anteriores foi o perfil da companheira, “mais tradicional, de querer ter filhos”. “Eu tinha pretensões profissionais, acadêmicas, esse lado de querer realizar coisas”, explica.
Ele namora há cerca de um ano uma publicitária com quem compartilha essas ambições. “Estar ao lado de alguém que tem o perfil de querer atingir determinados níveis, profissionais ou acadêmicos, é muito bom. Você tem uma parceira”, diz. Borbolla confessa ser fã da “mulher moderna”, e a defende. “Elas não buscam o cara que vai puxar a carroça, mas o cara que vai ajudar a puxar. Ela conquistou um espaço e quer usá-lo da maneira como convir. Tem que fazer isso mesmo.”
Na opinião do gerente, tirar os homens “que têm um pé na modernidade e outro no machismo” da zona de conforto não é ruim “porque para conquistar essa mulher, o cara vai ter que ser bom, ele vai ter que melhorar”. E será que a “nova mulher” acaba com as atitudes associadas ao “cavalheirismo”, como abrir a porta e pagar a conta? “Existe um componente de espontaneidade na execução desse tipo de coisa que é importante, não pode ser protocolar. Se for natural, acho que sobrevive normalmente. Nada te impede de aparecer com uma flor de vez em quando. É questão de timing”, afirma Borbolla.
 
“SOU DONO DE CASA E ME ORGULHO DISSO”
 
Em conjunto com a esposa, Eduardo Moraes, de 39 anos, decidiu que ela iria deixar o trabalho para ficar com João, filho recém-nascido do casal, “até o dinheiro acabar”. Essa estratégia durou por dois anos, e há seis meses é ele quem fica com o garoto pela manhã e depois o leva à escola. Fotógrafo, ele diz que a agenda flexível permitiu isso, mas que se trabalhasse em horário comercial eles teriam que pagar uma babá, algo que eles não querem: “A gente quer criar”.
Além de cuidar do pequeno João, Moraes também se encarrega de fazer o mercado, o jantar e às vezes dar um jeito na casa. “Eu sou uma dona de casa e me orgulho disso”, brada. “Gostaria que minha mulher fosse uma executiva que ganhasse R$ 30 mil por mês, aí eu ficava em casa, tirava fotos por hobby, fazia a comida, praticava esportes”, brinca.
Como os pais trabalhavam muito, o fotógrafo, ao lado de uma empregada, teve que cuidar do irmão mais novo, experiência que ele acredita ter sido muito útil na hora de exercer o papel de pai.
Foi em um dos momentos de “pai e filho” que ele se indignou certa vez. “Tem uma cozinha na brinquedoteca do clube, o João estava brincando de passar roupa, uma babá tirou outro garoto porque aquilo não era ‘brinquedo de menino’. É um pensamento tão babaca, retrógrado. Não vai mais ser essa coisa de isso é de homem, aquilo é de mulher. É coisa da vida. Tem que fazer o que tem que fazer. Criança que cresce com esse tipo de conceito está ‘ferrada’. Nunca me senti perdido nesse ponto”, completa Edu.
 
“NÃO DEI O PEITO PORQUE NÃO TENHO LEITE”
 
Homem novo é um assunto velho na casa dos Charbel. “Tenho uma opinião formada sobre isso, e talvez fuja do padrão estabelecido desde o meu pai, que já era ‘avançadinho’ na época dele. Filho de imigrantes libaneses, ele foi o primeiro da segunda geração a não se casar com libanês, optando por se casar com uma descendente de imigrantes italianos. Conforme os filhos – quatro meninos e uma menina – iam crescendo, ele assumiu o papel de mãe e pai. Eu meio que puxei isso dele, de querer estar ativamente na criação. Dei o primeiro banho, só não dei o peito porque não tenho leite”, conta Carlos, de 47 anos, filho do “Carlão” e pai de Pedro e Marcela.
Apesar da “modernidade” do pai para a época, Charbel afirma que não vai repetir alguns de seus comportamentos. “Quando fomos para a faculdade, o sonho dele era me ver médico – Carlos é dentista –, mas no caso da minha irmã, ele achava que talvez não precisasse. Não consigo me imaginar dizendo isso para minha filha ou na hipótese dela não se sustentar ou ser sustentada por um marido rico. Falo para ela parar de namorar um cara só, namora três, vai viajar. Tem que estar em uma posição para jamais depender de macho”, diz.
“Quando comecei a namorar a Patricia (sua esposa), eu dizia que eu era filho de pobre e ela, de rico, e que ia virar pobre quando casasse comigo”, brinca Charbel. Após a faculdade, os dois – Patricia também é dentista – abriram um consultório. “Por sermos profissionais liberais, tínhamos agenda [para cuidar dos filhos], mas ela trabalhou desde sempre. Não sei se é um modelo espelhado nos meus pais, mas é uma linha de pensamento, embora as realidades sejam bem diferentes.”
 
EXECUTIVO APOSENTADO E DONO DE CASA AOS 53 ANOS
 
Charbel dá risadas na hora de falar do amigo Afrânio Camarão, executivo aposentado e seis anos mais velho: “Eu brinco que quero ser macho igual ele, mas não consigo”. Afrânio conheceu a aposentadoria neste ano, quatro décadas após se dedicar a uma mesma empresa, onde começou a trabalhar como office boy, ainda adolescente. Sem escritório para ir – ele trabalhava até 14 horas por dia –, ele admite que não era muito fã de cuidar da casa. “Sempre fui o provedor. Nunca fui cara de arrumar nenhuma fechadura. Primeiro, nunca me interessei, e segundo, eu procurava praticar esportes no tempo livre”, afirma.
Se você leu bem, Afrânio não era dono de casa. Um imprevisto fez com que o ex-executivo tomasse as rédeas dos afazeres domésticos. “Ele está se achando o dono da casa, está querendo ser interessado em tudo, faz as compras, assumiu minhas responsabilidades. Até que ele está se saindo direitinho, só na cozinha que ele não entra”, revela Cibele, de 53 anos, casada com Camarão há 29.
Ao falar da sua “administração” dentro de casa, Afrânio, que virou recentemente síndico do condomínio onde mora com a família, praticamente dá lições de economia. “Meu negócio é gestão e administrar pessoas, algo que acumulei durante 30 anos de carreira. Ser dono de casa é uma continuidade, muda o público. É o papel de uma gestão, mas de intensidade menor.” Parece brincadeira, mas ele destaca que, sob seu comando, o condomínio reduziu os custos em 28% em manutenção dos elevadores, limpeza e outros serviços.
Questionado se vai manter as funções quando a esposa voltar novamente ao controle, ele não se anima muito. “No final do ano ela volta para a normalidade. Eu saio de férias, e aí no ano que vem eu volto a fazer outras coisas”, responde. Com “outras coisas” Afrânio quer dizer investir no setor de gastronomia e mexer com o mercado financeiro, e dá sua dica: “Não pode trabalhar só com renda fixa, tem que ter renda variável”.
Embora tenha se dedicado ao trabalho desde cedo, Camarão aceitaria tranquilamente uma rotina inversa. “O modelo poderia ser invertido. Se eu casasse com uma vice-presidente eu ia ser madame, faria academia à tarde e a esperaria bonito à noite. Não me apego. Não tem problema, é inverter os papéis.”
 
HOMEM + MULHER = EQUIPE
 
“Não temos desculpas para não fazer tarefas como cozinhar e levar os filhos à escola, e uma vez que as mulheres trabalham fora, o ideal é a gente cooperar com o que costumava ser trabalho delas. Só não poderemos assumir a amamentação”, diz Ailton Amélio. “A parte social, que é convenção, tem que ser diluída. Homem e mulher podem ser uma equipe, tem que tirar os preconceitos. As mulheres saíram correndo para trabalhar fora, os homens ainda não saíram correndo para trabalhar dentro”, completa o psicólogo.

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