*Helena Singer
A agenda da educação vem ganhando urgência no debate político mundial e, com ela, o reconhecimento da necessidade de transformação da estrutura obsoleta de todo o sistema. Alguns localizam nas empresas privadas o modelo a ser seguido, outros esperam das universidades a orientação dos processos, muitos depositam nos governos a expectativa da criação das bases que os possibilitem. Mas, o fato é que qualquer projeto de transformação das escolas dependerá necessariamente da liderança dos educadores.
Não são poucas as tarefas à espera do educador neste novo século. Mas, como formá-lo para assumir este lugar? Como formar professores e diretores hoje para que transformem as escolas no que elas precisam ser no século XXI? Os professores formados na estrutura obsoleta ainda vigente precisam transformar, acima de tudo, suas visões e atitudes. A primeira visão a ser transformada é em relação a sua própria capacidade de ser um bom professor, de adotar uma inovação pedagógica de qualidade. Os educadores precisam primeiro confiar em si para depois poderem confiar na humanidade, na capacidade de todos os seres humanos de se desenvolver e na capacidade da escola para apoiar este processo. O objetivo final a ser atingido é uma escola como um ambiente inclusivo, de confiança e acolhimento, em que as relações humanas estão no centro e a aprendizagem significativa e duradoura é resultado de tudo isso. Certo é que se o objetivo a ser atingido é este, o modelo empresarial que propõe rankings baseados em avaliações episódicas de desempenho em provas e bonificação por mérito não é o modelo a ser seguido. A inovação pela qual a escola precisa passar deve ser liderada por professores experientes, apoiados pela direção, e envolvendo os estudantes, os funcionários e a comunidade.
A lógica do gestor que forma uma equipe imbuída de uma grande tarefa é apostar na capacidade de seus profissionais, oferecendo-lhes as condições necessárias e auxiliando na superação dos obstáculos. Ao contrário, os programas que obrigam professores a usarem apostilas e que medem o seu desempenho com base no rendimento dos alunos em provas teste apostam na incapacidade dos professores, os incumbem de tarefas bem limitadas, não lhes oferecem os recursos necessários e colocam vários obstáculos em seu caminho. Inverter esta lógica passa necessariamente pela transformação nos modos de recrutar, orientar, remunerar e avaliar educadores e diretores.
A docência é uma das profissões mais isoladas na atualidade. Enquanto nos outros ambientes de trabalho crescem em importância os processos colaborativos, na sala de aula, o professor está sozinho, não é parceiro das dezenas de estudantes a sua frente nem dos colegas que estão nas outras salas, também isolados diante de seus alunos. Para transformar esta cultura, é preciso criar um processo de base. Medidas verticais, impostas de cima para baixo, não conseguem transformar culturas.
No Plano Nacional de Educação (PNE) para o período de 2011 a 2020, construído nos dois anos anteriores durante as conferências municipais e estaduais e na Conferência Nacional de Educação, uma das estratégias previstas é o “programa de acompanhamento do professor iniciante”. Este propõe que o iniciante seja “supervisionado por profissional do magistério com experiência de ensino, a fim de fundamentar, com base em avaliação documentada, a decisão pela efetivação ou não-efetivação do professor ao final do estágio probatório.” Se não for burocratizada, esta estratégia pode ter bons resultados. Em outros países, existem programas de formação de educadores em serviço, como residência, por um ano, que organizam grupos pequenos de educadores recém-formados, cada um deles liderado por um educador mais experiente que, inclusive, pode entrar em suas aulas para auxiliá-los no que for necessário. Estes programas por vezes incluem também estímulos aos educadores que mais inspiram colegas para se tornarem diretores.
Não raro programas assim provocam rivalidade com as faculdades de educação. Mas é inquestionável a importância que a formação universitária pode ter no trabalho dos educadores. No PNE, uma das estratégias previstas é a reforma curricular dos cursos de licenciatura de forma a assegurar o foco no aprendizado do estudante. Algo um tanto genérico, mas que pode inspirar processos colaborativos entre universidades e escolas que criem programas de formação de educadores em serviço baseados em pesquisas consistentes que ajudem a definir um processo claro, estratégico e bem planejado. O PNE acerta ao e criar a estratégia de prever, nos planos de carreira dos profissionais da educação, licenças para qualificação profissional em nível de pós-graduação.
A avaliação dos docentes, para ser construtiva, deve se restringir a seu aprimoramento profissional, sem implicar premiações ou punições. As avaliações de professores por meio de provas de conhecimentos ou com base nos resultados obtidos por seus alunos em outras provas em nada contribuem para melhorar o ensino, servem apenas para desmoralizar os professores. No lugar destas avaliações verticais, há experiências com processos avaliativos pelos pares a partir de técnicas que promovem a colaboração e a construção coletiva de melhores desempenhos. Os estudantes também devem avaliar os educadores, colaborando ao apontar pontos positivos e pontos a serem melhorados.
Quando os educadores são avaliados pelos estudantes e os coordenadores são avaliados pelos educadores, cria-se uma cultura de aprimoramento contínuo. E todo o processo depende da liderança legítima de diretores comprometidos. A cobrança sobre diretores em relação a resultados dos estudantes em provas limita sua atuação a de gerenciamento, impedindo-os de assumirem a liderança de processos de efetiva transformação escolar. A possibilidade de diretores liderarem estes processos depende diretamente de terem maior autonomia sobre orçamento e estrutura da escola, para poderem assumir maior responsabilidade pelos resultados alcançados.
Para tornar diretores lideres, além da formação, da avaliação e da autonomia, é preciso refletir sobre a forma de selecioná-los – há muitas possibilidades hoje em dia, e certamente as melhores são as que combinam eleição pela comunidade com avaliações sobre seu aprimoramento profissional.
No PNE, a meta relativa à direção da escola é garantir a nomeação comissionada de diretores vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar. Melhor seria a determinação de eleições diretas de diretores, mas a garantia da participação da comunidade escolar no processo já é um ganho.
A liderança dos processos de transformação pelos quais a escola precisa passar não cabe mais a uma só pessoa ou um só segmento. Um projeto com tal complexidade e magnitude depende de uma equipe gestora articulada com lideranças da comunidade e com autonomia responsável, parcerias com universidades e compromissos expressos do governo.
*socióloga com pós-doutorado em Educação, é diretora pedagógica da Associação Cidade Escola Aprendiz.
Fonte: Portal do Aprendiz
A agenda da educação vem ganhando urgência no debate político mundial e, com ela, o reconhecimento da necessidade de transformação da estrutura obsoleta de todo o sistema. Alguns localizam nas empresas privadas o modelo a ser seguido, outros esperam das universidades a orientação dos processos, muitos depositam nos governos a expectativa da criação das bases que os possibilitem. Mas, o fato é que qualquer projeto de transformação das escolas dependerá necessariamente da liderança dos educadores.
Não são poucas as tarefas à espera do educador neste novo século. Mas, como formá-lo para assumir este lugar? Como formar professores e diretores hoje para que transformem as escolas no que elas precisam ser no século XXI? Os professores formados na estrutura obsoleta ainda vigente precisam transformar, acima de tudo, suas visões e atitudes. A primeira visão a ser transformada é em relação a sua própria capacidade de ser um bom professor, de adotar uma inovação pedagógica de qualidade. Os educadores precisam primeiro confiar em si para depois poderem confiar na humanidade, na capacidade de todos os seres humanos de se desenvolver e na capacidade da escola para apoiar este processo. O objetivo final a ser atingido é uma escola como um ambiente inclusivo, de confiança e acolhimento, em que as relações humanas estão no centro e a aprendizagem significativa e duradoura é resultado de tudo isso. Certo é que se o objetivo a ser atingido é este, o modelo empresarial que propõe rankings baseados em avaliações episódicas de desempenho em provas e bonificação por mérito não é o modelo a ser seguido. A inovação pela qual a escola precisa passar deve ser liderada por professores experientes, apoiados pela direção, e envolvendo os estudantes, os funcionários e a comunidade.
A lógica do gestor que forma uma equipe imbuída de uma grande tarefa é apostar na capacidade de seus profissionais, oferecendo-lhes as condições necessárias e auxiliando na superação dos obstáculos. Ao contrário, os programas que obrigam professores a usarem apostilas e que medem o seu desempenho com base no rendimento dos alunos em provas teste apostam na incapacidade dos professores, os incumbem de tarefas bem limitadas, não lhes oferecem os recursos necessários e colocam vários obstáculos em seu caminho. Inverter esta lógica passa necessariamente pela transformação nos modos de recrutar, orientar, remunerar e avaliar educadores e diretores.
A docência é uma das profissões mais isoladas na atualidade. Enquanto nos outros ambientes de trabalho crescem em importância os processos colaborativos, na sala de aula, o professor está sozinho, não é parceiro das dezenas de estudantes a sua frente nem dos colegas que estão nas outras salas, também isolados diante de seus alunos. Para transformar esta cultura, é preciso criar um processo de base. Medidas verticais, impostas de cima para baixo, não conseguem transformar culturas.
No Plano Nacional de Educação (PNE) para o período de 2011 a 2020, construído nos dois anos anteriores durante as conferências municipais e estaduais e na Conferência Nacional de Educação, uma das estratégias previstas é o “programa de acompanhamento do professor iniciante”. Este propõe que o iniciante seja “supervisionado por profissional do magistério com experiência de ensino, a fim de fundamentar, com base em avaliação documentada, a decisão pela efetivação ou não-efetivação do professor ao final do estágio probatório.” Se não for burocratizada, esta estratégia pode ter bons resultados. Em outros países, existem programas de formação de educadores em serviço, como residência, por um ano, que organizam grupos pequenos de educadores recém-formados, cada um deles liderado por um educador mais experiente que, inclusive, pode entrar em suas aulas para auxiliá-los no que for necessário. Estes programas por vezes incluem também estímulos aos educadores que mais inspiram colegas para se tornarem diretores.
Não raro programas assim provocam rivalidade com as faculdades de educação. Mas é inquestionável a importância que a formação universitária pode ter no trabalho dos educadores. No PNE, uma das estratégias previstas é a reforma curricular dos cursos de licenciatura de forma a assegurar o foco no aprendizado do estudante. Algo um tanto genérico, mas que pode inspirar processos colaborativos entre universidades e escolas que criem programas de formação de educadores em serviço baseados em pesquisas consistentes que ajudem a definir um processo claro, estratégico e bem planejado. O PNE acerta ao e criar a estratégia de prever, nos planos de carreira dos profissionais da educação, licenças para qualificação profissional em nível de pós-graduação.
A avaliação dos docentes, para ser construtiva, deve se restringir a seu aprimoramento profissional, sem implicar premiações ou punições. As avaliações de professores por meio de provas de conhecimentos ou com base nos resultados obtidos por seus alunos em outras provas em nada contribuem para melhorar o ensino, servem apenas para desmoralizar os professores. No lugar destas avaliações verticais, há experiências com processos avaliativos pelos pares a partir de técnicas que promovem a colaboração e a construção coletiva de melhores desempenhos. Os estudantes também devem avaliar os educadores, colaborando ao apontar pontos positivos e pontos a serem melhorados.
Quando os educadores são avaliados pelos estudantes e os coordenadores são avaliados pelos educadores, cria-se uma cultura de aprimoramento contínuo. E todo o processo depende da liderança legítima de diretores comprometidos. A cobrança sobre diretores em relação a resultados dos estudantes em provas limita sua atuação a de gerenciamento, impedindo-os de assumirem a liderança de processos de efetiva transformação escolar. A possibilidade de diretores liderarem estes processos depende diretamente de terem maior autonomia sobre orçamento e estrutura da escola, para poderem assumir maior responsabilidade pelos resultados alcançados.
Para tornar diretores lideres, além da formação, da avaliação e da autonomia, é preciso refletir sobre a forma de selecioná-los – há muitas possibilidades hoje em dia, e certamente as melhores são as que combinam eleição pela comunidade com avaliações sobre seu aprimoramento profissional.
No PNE, a meta relativa à direção da escola é garantir a nomeação comissionada de diretores vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar. Melhor seria a determinação de eleições diretas de diretores, mas a garantia da participação da comunidade escolar no processo já é um ganho.
A liderança dos processos de transformação pelos quais a escola precisa passar não cabe mais a uma só pessoa ou um só segmento. Um projeto com tal complexidade e magnitude depende de uma equipe gestora articulada com lideranças da comunidade e com autonomia responsável, parcerias com universidades e compromissos expressos do governo.
*socióloga com pós-doutorado em Educação, é diretora pedagógica da Associação Cidade Escola Aprendiz.
Fonte: Portal do Aprendiz
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