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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Os custos do monolinguismo

*Aline da Cruz

Em 1757, o Marquês de Pombal proibiu o uso da língua geral (o velho tupi). Dois anos mais tarde, expulsou os jesuítas. Com essas duas medidas, Pombal criou os alicerces para um Brasil monolíngüe e com uma educação deficitária. Durante séculos, consideramos o monolinguismo como marca de progresso. Era preciso acabar com a confusão de idiomas dos gentios, dizia Von Martius no século 19. Não apenas a diversidade linguística autóctone foi combatida, mas também, embora por motivos diferentes, o uso de línguas estrangeiras. Os imigrantes alemães e italianos do sul do país ainda se recordam que Getúlio Vargas os proibiu de falarem suas línguas maternas, bem como de ensiná-las para as gerações nascidas no Brasil.

Aos poucos, a ciência está mostrando o quanto perdemos em nossa luta desenfreada em acabar com a diversidade linguística e cultural do país. Em reportagens publicadas pelo New York Times em 30 de maio de 2011 e em 17 de março de 2012, demonstra-se que crianças bilíngues, não importando qual a combinação de línguas, têm um aumento das habilidades cognitivas em relação às crianças monolíngues. Ademais, idosos bilíngues desenvolvem sintomas de Alzheimer cinco a seis anos mais tarde do que as pessoas que falam apenas uma língua. Não fossem as medidas proibitivas de Pombal e Vargas, poderíamos ter um número muito maior de pessoas bilíngues.

Redação adequada

Além de não permitir a emergência de comunidades bilíngues no país, também não houve um esforço para que os brasileiros apreendessem línguas estrangeiras como segunda língua (considera-se bilíngue a pessoa que adquire duas ou mais línguas como língua materna na primeira infância; já o aprendizado de segunda língua ocorre posteriormente). O ensino de francês (já totalmente abandonado), do inglês e recentemente do espanhol em escolas regulares públicas e privadas sempre foi precário e considerado de importância secundária. No Enem, por exemplo, as provas de inglês e espanhol apresentam textos em língua estrangeira, mas as questões e alternativas são em português. Ou seja, cobra-se do aluno no final do ensino médio apenas a compreensão escrita de língua estrangeira.

As associações de Linguística Aplicada no Brasil (Alab) e de Professores Universitário de Língua Inglesa (Abrapui) consideram que esse tipo de prova tem um “grande efeito retroativo” no ensino de línguas estrangeira no país e sugeriram que o Enem, em suas próximas edições, aplique provas em que todas as questões e alternativas sejam escritas na língua estrangeira (inglês ou espanhol). A questão é saber se o governo ouvirá os professores universitários ou, se mais uma vez, serão ignorados.

A imprensa brasileira não para de dar exemplos do quanto a ausência de uma política de incentivo ao ensino de línguas estrangeiras tem nos prejudicado. É notório que o programa Ciências Sem Fronteiras está tendo dificuldade em enviar estudantes universitários para as melhores instituições do mundo simplesmente porque poucos dominam o inglês. Tanto é que o governo acaba de criar o programa Inglês Sem Fronteiras para tentar sanar tardiamente um problema que deveria ter sido resolvido no ensino fundamental e médio.

Ainda que ajudar os universitários a se prepararem para estágios no exterior seja uma idéia interessante, cabe cobrar do governo uma melhora do ensino fundamental e médio para que as próximas gerações não sofram com o mesmo problema. Além disso, a dificuldade em inglês não afeta apenas os universitários. Vale lembrar a notícia, divulgada em diferentes veículos da mídia, de que pilotos com inglês ruim podem perder a licença de vôo. Até mesmo o pequeno grupo de pessoas com doutorado tem apresentado problemas devido à ausência de um bom ensino de inglês. Conforme texto produzido pela Agência Fapesp (“Cientistas precisam saber escrever”), reproduzido por este Observatório na edição 702, os cientistas brasileiros precisam redigir adequadamente em inglês para que as pesquisas tenham a repercussão que merecem.

A dublagem teria vencido as legendas

Leitores da Folha de S.Paulo comentaram, ao ler a reportagem sobre o programa “Inglês sem Fronteiras”, que o brasileiro é preguiçoso para aprender idiomas. Essa atitude de colocar apenas no indivíduo a culpa por um problema que atinge toda a sociedade é preocupante porque desvia o foco do problema e de suas possíveis soluções para o grupo como um todo.

Por um lado, o ensino de línguas estrangeiras tem melhores resultados quanto mais cedo se iniciar. É, portanto, no ensino fundamental e no médio que se devem focar os esforços para que um número maior de jovens fale bem línguas estrangeiras. E isso significa também valorizar os profissionais formados nas faculdades de Letras, que se tornarão professores de língua materna e de línguas estrangeiras nas escolas públicas e privadas. Por outro lado, a tendência dos canais por assinatura e dos cinemas de acabarem com as sessões de filmes legendados, substituindo-os por filmes dublados, parece ir na contramão da nossa necessidade de aprender línguas estrangeiras. A dublagem teria vencido as legendas, afirma em tom comemorativo a revista Época em edição de 8 de junho de 2012. Comemorar o quê? O fato de que estamos perdendo mais uma oportunidade de incentivar o aprendizado de línguas estrangeiras de forma lúdica? A esse respeito, vale a leitura do artigo “Quando a dublagem se impôs no Brasil”, publicado neste Observatório.

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[Aline da Cruz é professora da Faculdade de Letras, da Universidade Federal de Goiás e doutora em Linguística pela Vrije Universiteit Amsterdam, Países Baixos. Autora da Fonologia e Gramática do Nheengatú (Utrecht: LOT, 2011)]

Fonte: Observatório da Imprensa

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