Ao Delas, dentista fala sobre igualdade
de gêneros, participação no plano de governo do marido e o que é ser mulher do
recém-eleito prefeito de São Paulo
Fernanda Aranda, iG São Paulo
O País administrado por uma presidenta e que registrou aumento
de 33,2% no número de prefeitas em relação a 2008 deixa duas possibilidades de
caminhos a serem trilhados pelas primeiras-damas. Um deles é o de coadjuvante.
O outro, o de técnica. Qualquer que seja o percurso escolhido, Ana Estela
Haddad, mulher do novo prefeito de São Paulo Fernando Haddad, já
definiu um estilo: não quer ser uma primeira-dama artificial.
Rui Tavares Maluf, a “sacudida” no machismo tirou o homem da
figura central do poder e “reduziu a expectativa dos eleitores com relação à
esposa do prefeito”.“Em alguns casos, as esposas são usadas para carimbar o
rótulo de ‘homem-família’ aos gestores”, diz.
Já a professora de ciência política Maria do Socorro Braga
considera a entrada das mulheres na política, universidade e mercado uma deixa
para a ampliação do leque de atuação da primeira-dama. “O papel não precisa ser
figurativo ou relacionado às pastas de família. Elas podem atuar na gestão, em
secretarias técnicas”, avalia.
O papel de Ana Estela Haddad, 46 anos,começou a ser desenhado em
fevereiro, quando se licenciou do cargo de docente da Universidade de São Paulo
(USP) para ajudar a eleger seu companheiro de 24 anos e pai de seus dois
filhos. Em um dos comícios, Dilma Roussef a trouxe para a linha de frente dos
flashes dos fotógrafos e disse que Haddad acertou na escolha da esposa ( veja o vídeo).
Os compromissos de Ana Estela, sozinha, eram divulgados pela
assessoria de imprensa da campanha.
Se estes passos a legitimam como cabo eleitoral do marido e
grudam o adesivo ‘família feliz” na figura de Fernando Haddad, o currículo de
Ana Estela também engloba o perfil técnico. Dentista e ex-funcionária do
Ministério da Saúde, ela topou revelar, por email e antes da definição das
urnas neste domingo (28), como colocou a caneta no plano de governo do marido.
Falou sobre aborto e ainda diz como reduzir as desigualdades de gênero na
cidade.
Leia trechos da entrevista
iG: No cenário atual, qual é o papel da mulher do prefeito e
qual será a sua bandeira?
Ana Estela Haddad: Não existe um modelo pré-determinado para a atuação da primeira
dama e os exemplos são os mais variados. Acredito que o principal é que, seja
qual for a atuação da mulher, ela deve estar sintonizada e em harmonia com a
forma de ser, com as crenças, que nada seja forçado ou artificial. Eu atuei
como gestora e agora de volta à USP como docente e pesquisadora nas áreas da
educação e na saúde. Não há dúvida de que a história e as atividades que já
desenvolvemos influenciam nosso olhar sobre os problemas e a concepção de
cidade com a qual sonhamos. Não pretendo estabelecer uma bandeira, mas buscar
sempre o que é essencial e o que esteja ao meu alcance contribuir para o bem
coletivo.
iG: Como o governo municipal pode atuar para diminuir as
desigualdades entre homens e mulheres?
Ana Estela Haddad: De um lado as políticas públicas e de outro a sociedade civil
organizada precisam estabelecer como valor e praticar na família, na educação
dos filhos, nas relações de trabalho, a igualdade de gêneros. A situação de
pobreza muitas vezes pode acentuar a violência e a desestruturação familiar,
situação em que a desigualdade de gênero também se manifesta. As políticas
públicas que combatem a miséria, que ampliam o acesso à educação e à saúde,
seja em âmbito municipal, estadual, federal, ou preferencialmente de forma
articulada entre as três esferas, podem sem dúvida contribuir para que nossa
sociedade seja mais justa em relação à questão do gênero.
“
Educação e
acesso ao planejamento familiar são o primeiro passo necessário [para atuar
na questão do aborto], ainda não acessíveis a uma parcela considerável dos
adolescentes e das famílias
iG: As internações por aborto – sem contar os abortos
espontâneos – superam as internações por câncer de mama. Como o governo
municipal pode atuar nesta questão?
Ana Estela Haddad: Em primeiro lugar, a questão da saúde é uma das questões
centrais e mais críticas a serem enfrentadas pela nova gestão municipal em São
Paulo. Os desequilíbrios e carências são enormes. Os serviços não estão
organizados em rede, nem distribuídos de forma equitativa na cidade. Então,
seja qual for o problema de saúde considerado, é possível que sejam verificadas
grandes distorções. A questão do aborto é um tema extremamente delicado e
complexo, ainda por ser enfrentado na nossa sociedade. Como profissional de
saúde compreendo a dimensão grave que estas ocorrências representam para a
saúde pública e para a vida e integridade de cada mulher/família implicados.
Educação e acesso ao planejamento familiar são o primeiro passo necessário,
ainda não acessíveis a uma parcela considerável dos adolescentes e das
famílias.
iG: A senhora participou do plano de governo? Se sim, quais
foram suas contribuições?
Ana Estela Haddad: Acompanhei desde a etapa inicial da pré-campanha. Integrei o
Grupo de Trabalho que construiu o capítulo da saúde. Realizamos mais de 20
reuniões, desde fevereiro deste ano, durante as quais traçamos um diagnóstico
dos problemas e dificuldades atuais, e uma proposta abrangente para melhoria do
acesso da população às ações de saúde em toda a rede de atenção. Vale ressaltar
que a saúde é a área mais mal avaliada da atual gestão pela população
paulistana. Realizamos também seminários temáticos tendo recebido a
contribuição de aproximadamente 600 pessoas, entre trabalhadores da saúde,
gestores e usuários do SUS. Minha contribuição foi principalmente na saúde
bucal e na formação e educação permanente dos profissionais de saúde. Durante
os últimos seis anos ocupei no Ministério da Saúde o cargo de Diretora de
Gestão da Educação na Saúde, integrando a equipe que liderou um amplo processo
de reorientação da formação em saúde no país.
iG: Que mulher a senhora tem como exemplo? Por quê?
Ana Estela Haddad: Não tenho um caso único como exemplo. O que geralmente me chama
a atenção é o quanto determinado comportamento é natural ou artificialmente
construído.
iG: A divisão entre carreira e maternidade ainda é um desafio
para a mulher contemporânea?
Ana Estela Haddad: Acho que ainda é. Nas novas gerações, a divisão de tarefas
dentro de casa e fora tem sido cada vez mais compartilhada de forma
equilibrada. Mas nas camadas menos favorecidas da população é muito comum
encontrar mulheres que são ao mesmo tempo a fonte de renda e assumem sozinhas
todas as responsabilidades com a família.
iG: Qual barreira as mulheres ainda precisam superar na questão
da igualdade dos gêneros?
Ana Estela Haddad: As mulheres que conseguem alcançar autonomia de renda e também
emocional, e que ao mesmo tempo têm sua autoestima preservada, certamente estarão mais bem
preparadas para se colocar em condição de igualdade com os homens.
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