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domingo, 27 de maio de 2012

O Discurso do Rei - filme

“Se atuar é a arte de reagir, Firth e Rush engajam-se em suas reações como ninguém.”
Fazendo-se um paralelo entre professor-aluno e o papel da Escola, até que ponto a prática se sobrepõe à teoria? A formação escolar em fonoaudiologia não foi necessária a Lionel Logue para a obtenção do sucesso no que se propos, além de contar evidentemente com a dedicação do futuro rei. –Logue foi “fonoaudiólogo nada ortodoxo que tem a tarefa de ensinar Albert a expressar-se com clareza? O embate de idéias (e educações) é fundamental ao filme.”
O Discurso do Rei
The King's Speech
Inglaterra, Austrália, EUA, 2010 - 118 min.
Drama

Direção:
Tom Hooper

Roteiro:
David Seidler

Elenco:
Colin Firth, Geoffrey Rush, Helena Bonham Carter, Derek Jacobi, Michael Gambon,Guy Pearce, Claire Bloom, Tim Downie, Timothy Spall, Robert Portal, RichardDixon, Paul Trussell, Adrian Scarborough, Andrew Havill, Charles Armstrong,Roger Hammond

A temática do filme de superação nunca foi tãoverbal como em ODiscurso do Rei (The King's Speech, 2010). O drama,ambientado às portas da Segunda Guerra Mundial, trata da dificuldade de umlíder em executar uma de suas necessidades fundamentais: falar em público.

Albert Frederick Arthur George(1895-1952), pai da atual rainha da Inglaterra, Elizabeth II,era o segundo na linha de sucessão do Rei George V(1865-1936), depois de seu irmão Edward (1894-1972). Por ser ocaçula da Casa de Windsor, ninguém esperava que Albert assumisse o trono, o queaconteceu em 1936, quando o irmão, interessado muito mais em sua própriafelicidade do que na do império britânico, abdicou. Mas o que faz um monarcaquando, em um dos momentos mais dramáticos da história, é incapaz de transmitirsuas ordens e dirigir-se ao povo sem gaguejar?

O problema do Rei George VI, atéaqui pouco mais que um curioso rodapé histórico, vira figura central no filmede Tom Hooper, que já havia abordado um lado muito maiscinematográfico da monarquia britânica em Elizabeth.

Pelo tema sisudo e roteiro centrado em diálogos, ODiscurso do Rei daria um filme classicista, não fosse o uso extremamentecompetente da linguagem cinematográfica para ajudar a contar as aflições do reiAlbert. Hopper conta com a direção de fotografia de Danny Cohen,que enquadra seu protagonista (vivido por Colin Firth) semprenos cantos, em planos frontais, mas que beiram milimetricamente o plongée(de cima para baixo). O desequilíbrio cria uma sensação de desconforto,evidenciando o sentimento de inadequação do monarca.

A câmera funciona igualmente bem para o outrolado da moeda, Lionel Logue (Geoffrey Rush), um inadequado deoutro tipo - fonoaudiólogo nada ortodoxo que tem a tarefa de ensinar Albert aexpressar-se com clareza. O embate de idéias (e educações) é fundamental aofilme e o trabalho de Cohen, que compreende também excelentes sequências deplano e contraplano - que desfrutam do citado desequilíbrio -, participa delecom voz firme.

Alheios a tudo isso e focados em suas própriastarefas, Colin Firth e Geoffrey Rush executam seus trabalhos de maneirainspirada. O primeiro dá ao rei a inconstância física e dualidade que o papelexige. Na vida íntima, com a esposa e filhas, surge terno e fala com fluidezreservada. Quando precisa desempenhar seu papel como nobre, porém, mantém adignidade e o porte, mas gagueja de maneira dolorosa de assistir. Fica aindamais evidente a qualidade do trabalho de Firth quando o vemos durante longascenas ao lado de Geoffrey Rush. Lionel é um papel menos exigente - e Rush umator dotado de mais recursos (sua internalização na cena do ensaio da coroaçãona catedral é brilhante) -, o que poderia enterrar um trabalho menoscompetente. Se atuar é a arte de reagir, Firth e Rush engajam-se em suas reaçõescomo ninguém.

É também um alívio ver, depois de tantos HarryPotter e filmes de Tim Burton, Helena Bonham Carterdeixando de lado suas pesonagens estridentes para dedicar-se a uma mulhernormal. A atriz interpreta a esposa de Albert com interesse. O elo fraco émesmo Timothy Spall. Ainda que excelente ator (basta vê-lo em Agora ou Nuncade Mike Leigh), ele dá um peso desnecessário às aparições de WinstonChurchill. O inglês era, sim, uma figura que parecia saída de umdesenho, mas Spall se entregou às caras e bocas na oportunidade deinterpretá-lo. Ao menos sua participação é breve.

Hooper também é extremamente feliz na criação daatmosfera de ameaça vindoura da Segunda Guerra. O grande antagonista do filme éo microfone - o inimigo a ser tornado aliado -, mas o eloquente AdolfHitler também faz rápida aparição. A cena em que o Rei Albert oobserva discursando, franjinha em desalinho devido ao esforço teatral, é quasecômica. As proverbiais nuvens que prenunciam tempestades também surgem na formade uma sequência na névoa distante, em que paciente e terapeuta brigam sob umaopressiva luz difusa.

Com o intuito de colher informações para escrevero filme, David Seidler, o octogenário roteirista de ODiscurso do Rei, conta que procurou a Rainha Mãe, ElizabethBowes-Lyon (a viúva do Rei George VI, morta em 2002), algumas décadasdepois dos fatos. "Por favor, não o faça enquanto eu estiver viva. Amemória desses eventos ainda é muito dolorosa", ela escreveu devolta.
Dolorosa ou não,a história não poderia ter sido contada de maneira mais elegante em O Discurso do Rei.

Fonte: Omelete

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