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segunda-feira, 19 de março de 2012

O começo de uma nova era na relação homem e mulher

*Regina Navarro Lins

Hoje, a mulher pode não só dividir o poder econômico com o homem, como ter filhos se quiser ou quando quiser

Ao ouvir no meu consultório, num mesmo dia, dois relatos pouco habituais, me dei conta de que há algo novo acontecendo na relação homem/mulher. No primeiro caso, um engenheiro de 58 anos, separado de três casamentos, conta inconformado a sua decepção. Surpreso, assistiu a sua proposta de casamento ser recusada pela mulher com quem namora há um ano, uma advogada de 51 anos, também separada, com filhos adultos. Ela alega gostar muito de fazer sexo com ele, mas não acha justo se reprimir quando sentir desejo por outro homem. Ele insiste em reconstituir uma família e ela em ficar solteira.

O outro caso é o de uma pedagoga de 26 anos. Há quase três anos mora com o namorado, um professor universitário de 30 anos, mas faz questão de manter o apartamento, que divide com uma amiga, onde morava antes. A relação está em crise, o namorado deseja ter um filho ainda este ano e ela se recusa. Alega não querer ter filho agora, e nem ter certeza de querê-lo algum dia. O namorado entende essa atitude como falta de amor e diz que com um filho a relação dos dois ficaria mais estável e ele mais tranquilo. Mas é justamente essa estabilidade que a apavora.

O que está acontecendo? O que sempre presenciamos na vida, nos filmes e nas novelas são as mulheres desejando se casar, ter uma relação estável e segura. Além disso, só sentiriam desejo sexual pelo homem que amam, seja namorado ou marido. Sempre se acreditou que as diferenças entre o homem e a mulher incluíam a monogamia natural dela, para quem amor e sexo seriam inseparáveis. Seria da natureza do homem a infidelidade e também o hábito de tentar se esquivar de um compromisso.

Talvez seja um equívoco imaginar que esses novos anseios e comportamentos delineados nos exemplos acima façam parte de um simples processo natural e evolução e modificação dos costumes. O que vemos hoje é diferente. Vivemos nas primeiras décadas do século 21 um momento de ruptura, onde aspectos básicos das relações humanas estão sendo reformulados. Esse processo de mutação da história da humanidade não é facilmente perceptível e certamente só se tornará evidente quando concluído.

O novo assusta, nos faz sentir desprotegidos, por isso nos agarramos ao já conhecido. Estamos acostumados a usar modelos do passado no presente. Entretanto, isso se torna cada vez menos possível. O ser humano começa a se libertar das sujeições que o limitam há cinco mil anos, desde o surgimento o patriarcado – sistema de dominação do homem –, cuja história se confunde com a própria história da nossa civilização.

Temos informação de outra história anterior, muito mais longa, mas a ignoramos. Não é a nossa história. A nossa história se define e foi sustentada por dois aspectos fundamentais: o controle da fecundidade da mulher e a divisão sexual de tarefas. Trata-se de uma estrutura social nascida do poder do pai, com um rígido controle da sexualidade feminina. A ideologia patriarcal colocou em oposição homens e mulheres. Ao contrário do que se pensa, essa divisão permitiu a dominação e, dessa forma, a submissão de ambos os sexos, não só das mulheres. A elas coube o status de inferiores e aos homens de superiores.

As mulheres, durante alguns milênios, foram cúmplices na perpetuação do sistema patriarcal que as oprime, acreditando nessa inferioridade e transmitindo os mesmos valores, através das gerações, aos filhos de ambos os sexos. Os homens pagam um alto preço para manter a adequação social imposta: não podem falhar. Homens e mulheres, por milhares de anos, abriram mão de sua autonomia e liberdade, visto que esse sistema e a liberdade pessoal são antagônicos.

Há cerca de 50 anos o patriarcado começou a perder suas bases. O avanço tecnológico elimina a divisão de tarefas. O advento dos anticoncepcionais eficazes e acessíveis desferiu o golpe definitivo nesse sistema, que tem no controle da fecundidade da mulher sua principal razão de ser e, por estar calcado na natureza biológica, sempre foi considerado universal e eterno.

Hoje, a mulher pode não só dividir o poder econômico com o homem, como ter filhos se quiser ou quando quiser. Essa transformação radical se distingue do processo de evolução observado até agora. A partir daqui, não temos como avaliar as consequências. Estamos vivendo um processo de mutação, após milênios da única ideologia de que temos registro. Talvez tenhamos que aguardar várias gerações para vê-lo concluído. Mas os sinais já começam a se esboçar.

O enfraquecimento da ideologia patriarcal traz nova reflexão sobre o relacionamento entre homens e mulheres, o amor, o casamento e a sexualidade. Pressentimos a destruição de valores estabelecidos como inquestionáveis e nossas convicções íntimas mais arraigadas são abaladas. Os modelos do passado não nos dão mais respostas e nos deparamos com uma realidade ameaçadora, por não encontrarmos modelos em que nos apoiar, em tempo algum, em nenhum lugar.

Entretanto, essa pode ser a grande saída para o ser humano. Não tendo mais que se adaptar a modelos impostos de fora, as singularidades de cada um encontram novo campo de expressão. No momento em que se rompe com a moral que, durante tanto tempo e através de seus códigos, julgou e subjugou o prazer das pessoas, abre-se um espaço onde novas formas de viver, assim como novas sensações, podem ser experimentadas. Sem nos darmos conta, estamos assistindo ao fim do patriarcado e ao nascimento de uma nova era.

*Psicanalista e escritora, autora do livro “A Cama na Varanda”, entre outros.

Fonte: Portal iG

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