Tenho
dado bonecas de pano de presente para filhos de alguns amigos. Há algumas lojas
que vendem brancas, negras, indígenas, asiáticas.
Diante
do estranhamento dos pais (“Ah, mas ele é menino!”), tento explicar que brincar
de boneca e de casinha deveria ser algo incentivado a ambos os sexos.
Formaríamos
homens mais conscientes e menos violentos se eles entendessem, desde cedo, que
cuidar de bebês, cozinhar, limpar a casa não são tarefas atreladas a um gênero,
mas algo de responsabilidade do casal. Não há nada mais anacrônico do que tomar
como natural que o homem deve sair para caçar e a mulher ficar cuidando da
tenda no clã. Em alguns países, após um período inicial de licença maternidade
básica, o casal escolhe quem continua fora do trabalho para cuidar do pimpolho.
Podem decidir, por exemplo, que ele ficará em casa e ela irá para a labuta.
Enquanto
isso, damos armas e espadas de brinquedo para os meninos. Dia desses, vi um par
de pequeninas luvas de boxe expostas em uma loja – para lutadores de seis anos.
Evoluímos como sociedade, mas continuamos fomentando a agressividade entre eles
como se fosse algo bom. A indústria de brinquedos, com raras exceções, trabalha
com essa dualidade “meninas precisam aprender a cuidar da casa e ficar bonitas
para os meninos” e “meninos precisam aprender a governar o mundo”. Quem quer
romper com isso encara certa dificuldade para encontrar produtos.
O
filho de um amiga ganhou de presente um kit de panelinhas, prato e talheres de
brinquedo. Ele adora. Mas foi duro encontrar um modelo que não tivesse estampas
com desenhos de meninas. Isso sem contar as caixas, que trazem garotas
brincando de cozinha, como se o produto não pudesse ser utilizado por garotos
também. Isso sem falar dessa imbecilidade de que rosa é cor de menina e azul de
menino. Quando alguém começa a defender esse maniqueísmo pobre, dá uma
preguiça…
Brinquedos
não deveriam trazer distinção de gênero. Ou como diz uma imagem que estava
correndo o Facebook: “Como saber que um brinquedo é para menino ou para
menina?” E faz uma pergunta: “Vibra?” Se a resposta for sim, não é para
crianças. Se a resposta for não, vale para ambos os sexos.
O
homem é programado, desde pequeno, para que seja agressivo. Raramente a ele é
dado o direito que considere normal oferecer carinho e afeto para outro ser em
público. Ou cuidar de bebês e da casa. Manifestar sentimentos é coisa de mina.
Ou, pior, é coisa de “bicha”. De quem está fora do seu papel. Papel que é
reafirmado diariamente: dos comerciais de produtos de limpeza em que só
aparecem mulheres sorrindo diante do novo desentupidor de privadas até a
escolha de determinados entrevistados por nós jornalistas, que também dividimos
o mundo entre coisas de homem e de mulher. “Ah, mas o mundo é assim, japa.”
Não, não é assim. Nós que não deixamos ele ser diferente.
Homens
que trabalham no Brasil gastam 9,5 horas semanais com afazeres domésticos,
enquanto que as mulheres que trabalham dedicam 22 horas semanais para o mesmo
fim. Os dados são da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com isso,
apesar da jornada semanal média das mulheres no mercado ser inferior a dos
homens (36 contra 43,4 horas, em termos apenas da produção econômica), a
jornada média semanal das mulheres alcança 58 horas e ultrapassa em mais de
cinco horas a dos homens – 52,9 horas – somando com a jornada doméstica. Ou 20
horas a mais por mês. Ou dez dias por ano.
A
análise mostra também que 90,7% das mulheres que estão no mercado de trabalho
realizam atividades domésticas. Enquanto isso, entre nós homens, esse número
cai para 49,7%. Porque brincar de casinha é coisa de menina.
Trabalho
doméstico não é considerado trabalho por nossa sociedade, mas sim obrigação,
muitas vezes relacionado a um gênero, que tem o dever de cuidar da casa. Às
vezes, o casal trabalha fora e, nesse caso, terceiriza-se o serviço doméstico
para outra mulher, seja ela babá, faxineira ou cozinheira. Sem, é claro,
garantir a elas todos os direitos trabalhistas porque, até o Congresso Nacional
aprovar nova lei, são cidadãs de segunda classe. E, diante da possibilidade de
pagar direitos trabalhistas a quem faz o trabalho doméstico, a classe média
pira.
A
disputa é no campo do simbólico e, portanto, fundamental. Todos nós, homens,
somos inimigos até que sejamos devidamente educados para o contrário. E os
brinquedos que escolhemos para nossos filhos fazem parte dessa longa caminhada
a fim de garantir um mínimo de decência para com o sexo oposto.
Abaixo,
vídeo de uma sensacional campanha do governo do Equador contra o machismo que
traduz em imagens o que quero dizer:
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