Estar
desacompanhado pode ser o céu ou o inferno: depende da disposição para se
encontrar consigo mesmo
Verônica
Mambrini, iG SP |
Uma
viagem solitária faz você ficar mais próximo de si mesmo. E ainda que você esteja
num local deserto, o sentimento de solidão fica longe”, diz o ex-advogado
Arthur Simões, 29 anos. Ele sabe do que está falando: por 3 anos e dois meses,
pedalou pelo mundo. Foram 35 mil quilômetros percorridos e uma boa parte do
tempo, Arthur esteve sozinho. “Atravessei regiões desérticas ou mesmo países em
que não cruzava com pessoas que falassem qualquer um dos idiomas que eu
conheço. No Atacama, passei dias e dias sem ver ninguém”, conta.
Arthur Simões
Arthur
Simões em Bolívia, no Salar de Uyuni. Nos três anos da viagem, ele passou
longos períodos sem companhia
Acostumado
a praticar ioga e meditação, ele garante que foi tranqüilo. “Uma viagem
solitária inevitavelmente leva você para um mergulho interior. E as pessoas nem
sempre estão interessadas nesse tipo de questionamento. O mundo vira um espelho
onde você vê o seu reflexo”, afirma.
Esse
sentimento experimentado por Arthur dificilmente se assemelha com nossa visão
de senso comum de solidão, mas se aproxima da definição que o Dicionário
Houaiss dá de “solitude”, uma variante da palavra ‘solidão’, com foco nos
seguintes aspectos: retiro, isolamento, privacidade, reclusão, mas sem sofrimento
ou angústia.
Na
volta da viagem, em 2009, Arthur levou cerca de um ano para se readaptar à
rotina, restabelecer amizades, contatos, rotinas. “Talvez minha viagem tenha
sido solitária para eu descobrir que o bem mais precioso são meus amigos.” É
como se os períodos de solidão ajudassem a viver melhor na companhia dos
outros.
Para
Hélio Deliberador, professor do Departamento de Psicologia Social da Pontifícia
Universidade de São Paulo, é necessário e saudável estar só. “É uma condição
humana essencial. São momentos em que você é retirado da situação peculiar dos
homens que é de ser com os outros”, diz. “A gente nasce ligado ao outro, somos
gestados dentro de alguém, ligados pelo cordão umbilical. Mas no momento final
da vida a gente faz o caminho contrário, em direção à morte, que é solitário”,
diz. Esse tipo de solidão, contudo, é diferente, do estado de isolamento ou de
alheamento, por retraimento ou inibição, que gera sofrimento.
Mesmo
em tempos de redes sociais com centenas de amigos e excesso de estímulos e
informação, o sentimento de solidão bate forte nessa época do ano(Natal, Ano
Novo).
“Isso acontece porque vínculo significa qualidade, não quantidade”, afirma Deliberador. “Na internet, por exemplo, posso ter uma rede de amigos extensa, mas não significa que eu tenha um contato qualitativamente saudável com o outro.” Ou seja, não é o número de pessoas ao redor que define se alguém é ou não solitário, mas a sua capacidade de criar vínculos.
“Isso acontece porque vínculo significa qualidade, não quantidade”, afirma Deliberador. “Na internet, por exemplo, posso ter uma rede de amigos extensa, mas não significa que eu tenha um contato qualitativamente saudável com o outro.” Ou seja, não é o número de pessoas ao redor que define se alguém é ou não solitário, mas a sua capacidade de criar vínculos.
Estar
sozinha foi uma experiência tão boa para a doutoranda em lingüística Maíra
Avelar, 27 anos, que ela vive agora o dilema contrário: como lidar com a
divisão de espaço.
Depois
de morar sozinha por 4 anos, casou-se e está aprendendo a se adaptar ao outro.
“Eu preciso muito da minha privacidade, adorava morar só”, conta. “Para quem
nunca teve o sonho de se casar e nunca viu casamento como realização, é difícil
abrir mão de ser sozinha”, afirma. “Eu sou bem sociável, tenho muitos amigos e
não fico isolada, mas preciso muito do meu tempo e de espaço para estar
comigo”, diz.
Casada
há 3 meses, Maíra está se adaptando à convivência intensa, já que, além de
viverem juntos, ela e o marido trabalham em casa, num home office.
Embora
curta estar só, ela reconhece que não é para qualquer um. “Sozinho, você tem
que se confrontar consigo mesmo. Pensar sobre sua vida fica inadiável e não tem
em quem descontar frustrações”, afirma.
“É
um tipo de solidão muito positiva, que leva você a se reconstruir e a enxergar
o seu papel nas relações em que vive. A gente não é nem um pouco estimulado a
isso. No geral, as pessoas têm tanto medo de ficar sozinhas que nem
experimentam.”
A
psicanalista Diana Corso lembra que a solidão é uma experiência recente na
história da humanidade. “Se sentir sozinho depende de se sentir isolado do
contexto. No mundo pré-individualismo, não existia isso. Você estava o tempo
todo com Deus, com a família”, afirma.
Ela
define a solidão como essa sensação de não ter importância, de não ter um lugar
no mundo ou no coração dos outros – até a crença em um anjo da guarda, por
exemplo, cria uma sensação de amparo. “A ideia de transcendência faz você se
sentir menos só.”
A
experiência de estar sozinho se torna incômoda justamente por nos colocar em
contato com o que temos de repertório interior. Num mundo acelerado e repleto
de estímulos de consumo é fácil sentir que temos pouco. “A sensação que se
tem é de constante insuficiência. Como se o que temos por dentro não fosse
validado pelo mundo, como se fosse muito pouco”, lembra Diana.
Não
à toa, muitas pessoas não conseguem se desligar das redes sociais, do celular,
da presença constante de amigos e da família nem mesmo para atividades
prosaicas, como ir ao cinema ou fazer uma refeição. Assim como a psicoterapia,
a solidão é um exercício de aprender a valorizar o que se tem. Melhor ainda se
ela for uma pausa para o retorno ao estado de estar junto, como acredita
Deliberador.
“Pela
nossa natureza, temos sempre outros no cenário, é da nossa natureza construir
relações de amor e amizade. Não tem sentido uma festa que a pessoa faz para ela
mesma.” Mas a festa é melhor quando a casa está arrumada.
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