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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Rankings, escolas e contextos (I) e (II)

Análise crítica do ranking de escolas públicas e particulares portuguesas e a respectiva realidade sócio-economico-cultural: serviços públicos, conforto, localização e facilidades de contexto em Portugal. A partir da análise em questão podemos traçar, guardadas as devidas proporções, um paralelo com a situação no Brasil.
Extraído do blog Ladrões de Bicicletas.
Rankings, escolas e contextos
(I)


A publicação do ranking de escolas deu lugar, uma vez mais, às parangonas mediáticas e às análises fraudulentas do costume, como bem aqui assinalou o Ricardo Paes Mamede. Com honrosas excepções (em que se procura ir além das preguiçosas sentenças histriónicas, aduzindo explicações para os resultados), foi ver os meios de comunicação social à cata da «nata», salivando por identificar os melhores estabelecimentos de ensino: «Colégios continuam a dominar o ranking», escrevia o Sol; «Melhor escola do país é privada», sentenciava a TVI24; «Saiba em que lugar ficou a escola do seu filho», aconselhava o Expresso.

Tudo portanto como se as escolas fossem escolas sem as suas circunstâncias. Como se da comunicação social se não devesse esperar mais do que cumprir a função de um comentador desportivo, sentado na meta, a relatar uma espécie de prova de ciclismo (em que o asfalto, as sinuosidades e os declives do trajecto são iguais para todos). Em última instância (é esse o pressuposto latente que prevalece), como se os resultados dependessem, exclusivamente, das escolas, do desempenho dos seus professores e dos seus órgãos de gestão. Por isso, o critério e unidade de análise dos rankings é sempre o da própria escola (como se esta não estivesse vinculada a um território concreto, com características económicas, sociais e culturais específicas, que se reflectem inexoravelmente nos resultados escolares alcançados).

Ora, se analisarmos os dados dos rankings numa lógica territorial, convertendo para uma escala percentual as respectivas notações de resultados dos exames (0 a 5 no básico e 0 a 20 no secundário), e agregando de forma ponderada os valores obtidos pelas escolas em cada concelho (clicar no mapa para ampliar), obtemos padrões de distribuição que traduzem afinal, de modo muito claro, os desiguais níveis de desenvolvimento económico, social e cultural do país. Isto é, que mostram uma continuidade espacial dos melhores resultados num litoral mais urbanizado, com maiores níveis de instrução da população, com maior poder de compra e com maior acesso a bens culturais (note-se, aliás, que, nos concelhos do interior norte e centro e do sul, são em regra as capitais de distrito, ou concelhos com cidades médias, que escapam ao padrão de resultados negativos, abaixo da média nacional).

Os rankings constituem portanto, fundamentalmente, um retrato do próprio país e das suas diferenças de desenvolvimento, mais do que uma suposta capacidade intrínseca e vontade autónoma das escolas para alcançar (ou não) bons resultados escolares, como nos querem convencer os comentadores moralistas. Aliás, o que deverá ser considerada uma boa escola? Aquela que, situada num meio privilegiado, atinge resultados que a colocam no topo do ranking ou aquela que, posicionada no segmento final da ordenação hierárquica, obtém apesar de tudo resultados que superam as expectativas iniciais, tendo em conta as características sócio-económicas e culturais do meio em que se insere?

(II)


No post anterior, procurei demonstrar como uma análise dos rankings que não esteja centrada nas escolas, mas sim nos contextos em que as mesmas se inserem, permite perceber a importância que estes assumem para explicar os resultados obtidos. Isto é, a tendência para que se atinjam melhores níveis de sucesso educativo em territórios com indicadores de desenvolvimento económico, social e cultural mais elevados.

O que se passa a nível concelhio verifica-se igualmente quando agregamos e ponderamos os dados à escala das NUTS III (clicar no mapa para ampliar). Mais uma vez, é a faixa do litoral Norte e Centro (da Grande Lisboa ao Minho Lima) que se destaca, estabelecendo um padrão espacial contínuo com os melhores resultados dos exames nacionais. Em contraste, portanto, com os valores registados na quase totalidade das NUTS do interior Norte e Centro e nas NUTS a Sul do Tejo (em média, o Norte e Centro litoral obtêm um resultado nos exames nacionais de 53,6%, registado as restantes NUTS III do país um valor médio de 49,7%).

A circunstância de os contextos sócio-espaciais determinarem em larga medida os resultados escolares permite-nos ainda assinalar uma razão incontornável (para além da selecção de alunos que a generalidade das escolas privadas pratica), para explicar as diferenças entre as classificações médias obtidas pelos estabelecimentos da rede pública (51,2%) e do ensino privado (59,4%).


De facto, se mapearmos a distribuição das escolas privadas e das escolas públicas pelas NUTS III do continente (clicar no mapa para ampliar), verificamos que o ensino privado se concentra justamente na faixa litoral Norte e Centro (onde se situam 80% dos colégios e escolas privadas). Ou seja, num conjunto de NUTS que oferece à partida, do ponto de vista dos contextos sócio-económicos de proveniência dos alunos, condições mais favoráveis para a obtenção de elevados níveis de sucesso escolar. Aliás, é na Grande Lisboa e no Grande Porto que se localiza quase metade (45%) do universo de escolas privadas. A rede de ensino público, por sua vez, apresenta uma distribuição territorial mais equilibrada, com apenas cerca de 56% dos seus estabelecimentos a localizar-se na faixa Norte e Centro litoral e somente 26% a situar-se na Grande Lisboa e no Grande Porto.

Além de desmontar o mito de uma suposta supremacia «genética» do ensino privado, esta análise permite assinalar um outro aspecto crucial, relativo à importância do princípio de cobertura territorial inerente aos serviços públicos e que desaconselha experimentalismos como o cheque-ensino. O direito à educação, que o Estado consagra e assegura através de uma rede territorial de estabelecimentos de ensino, não pode nem deve tornar-se dependente da existência de escolas cujo princípio de localização decorre demonstradamente mais do conforto que as «facilidades de contexto» para obter bons resultados propiciam do que da garantia de acesso à escola a todas as crianças e jovens do país.

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