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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Por que crianças em uma escola?

Trecho extraído do Afinsophia
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O poder constituído e os especialistas chegaram e chegarão a conclusões sobre as psicopatias que levaram ao massacre. Um estudo falseado a partir de falsos indícios deixados em meio à carnificina. Mas há um signo recorrente na grande maioria desses massacres: a escola.

Deleuze e Guattari dizem que a escola está na mesma linha da família, do quartel, da fábrica, do hospício, da prisão. E na escola dirão: “Você não está mais em sua casa”. E no quartel dirão: “Você não está mais na escola”. Mas é a mesma linha dura. E também os massacres ocorridos em escolas estão na mesma linha dos assassinatos ocorridos em famílias.

Seria preciso fazer um estudo sobre os motivos de criação da instituição escolar e de sua realidade. Conforme Foucault, a escola surge na sociedade disciplinar a partir das características do exército napoleônico. Mais do que propagar o conhecimento, desde sua origem, o objetivo da escola é que todas as pessoas “pensem” do mesmo modo. Seu principal método sempre foi a repetição e o exame. Como as crianças e adolescentes não suportam isso, entram a sanção e a disciplina (gritos, castigos, reprovações) para obrigá-los a suportar… A experiência escolar é traumática e alienante, principalmente para as crianças.

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O mais grave é que na maioria dos estados não há qualquer concepção educacional. Se se observa a realidade escolar das escolas brasileiras em estudos recentes, vê-se que, a despeito do nome Construtivismo (Piaget e Vigotsky) estar como decalque em todos os Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) das escolas, percebe-se que a prática educacional é totalmente tradicional, autoritária e inócua.

Um estudo em Columbine e Elefante

A questão é simples, mas não é simplória, precisa ser estudada sem o exagero da comoção e sem reducionismos. A presidenta Dilma acerta quando diz que “não era característica do país ocorrer esse tipo de crime”. Nos acostumamos a ver há anos várias ocorrências como essa nos Estados Unidos. E dois cineastas americanos nos auxiliam nesse estudo: Michael Moore, com Tiros em Columbine (2002) e Gus van Sant, com Elefante (2003).

Num texto neste bloguinho sobre Capitalismo – Uma história de amor (2010), dizíamos que Moore, em Tiros em Columbine, leva adiante outras questões para além dos assassinatos cometidos por adolescentes em Columbine, como a facilidade de se conseguir armas de fogo nos Estados Unidos, que tem como ponto alto o encontro de Moore com o garoto-propaganda de armas, o já octogenário Charlton Heston. Em Elefante, Gus também toca na questão: basta pedir pela internet e receber via sedex.

A polícia do Rio diz que vai averiguar como o atirador do Realengo aprendeu a utilizar com tal precisão as armas. Pode ter sido pela internet, pela televisão… Quem assistiu Tropa de Elite… Quem viu Rambo 1 até o 30… Quem viu o Exterminador do Futuro dando palestra – imaginem! – sobre meio ambiente em Manaus, posando ao lado de Eduardo Braga e Omar Aziz… Essa é uma questão supérflua se não se quiser ir nas causas.

O embate que se trava entre Moore e Heston se dá tanto no plano existencial quanto no plano estético. As perguntas de Moore, mais do que desmascarar os sentimentos petrificados nazistas de Heston, mostram que este é na verdade um produto hollywoodiano explosivo e perigoso, formador de subjetividades embrutecidas e potencialmente assassinas. Hiperrealidade. É como se Heston, a partir da tela do cinema, retirasse o mundo das pessoas, desrealizando o Outro e, em seguida, colocasse uma arma em sua mão engatilhada para atirar, como num vídeo-game.

Em Elefante, Gus “substitui qualquer conceito a priori por uma mente totalmente aberta aos sons, às imagens, às frases, aos gestos, aos lazeres, às fraquezas e virtudes, em suma, aos signos dessa juventude que retrata instantaneamente” (Contracampo). São infinitos ângulos da câmera sem fechar hierarquicamente nenhum deles, numa escola que não é Columbine e nenhuma outra em particular. Também não há a tentativa ingênua de perscrutar o dispositivo que motivou a realização do massacre. O que Gus, assim como Moore, denuncia é mais a americanização/hollywoodização do mundo.

Como impedir outros massacres?

Uma questão que Freud tocou com a Psicanálise é que o “impulso tanático” do homicida passional é, na verdade, contra si próprio. Mas a questão vai muito além das estruturas psicanalíticas, remetendo a uma totalidade social, política, econômica, religiosa, etc. O que se percebe é que crimes como o de Wellington, quando se vê o discurso deixado em sua carta – assim como uma assim como uma tradição em cartas de homicidas/suicidas – demonstra uma lógica e uma moral muito bem fixadas em verdades e realidades, e não em ideologias e alienações como quer fazer parecer as análises simplórias interessadas em minimizar o ocorrido a uma mera psicopatia.

Seria necessário fazer uma genealogia da irrupção desse determinado tipo de crime. Sem isso, fica a pergunta sem resposta repetida à exaustão: “Por que Wellington – tal qual como os garotos de Columbine e outros – arremete contra os alunos e não contra a direção ou os professores que, supostamente, o reprimiram?” Mas a resposta ninguém dá porque ninguém quer responder. No caso de Wellington, como sua carta foi imediatamente veiculada pela mídia, todo mundo observou logo a questão do “fanatismo religioso”. Não é isso que interessa, mas sim que tipo de fanatismo. Wellington não se coloca na posição de vingador, mas de salvador. Em seu delírio, ele não está se vingando de ninguém, mas sim resguardando seu corpo e livrando outras crianças das impurezas da banalização da sexualidade, da violência gratuita, do consumismo, etc; ou seja, daquilo que, sistematicamente, era abstratamente demonizado de um lado e concretamente lhe oferecido de outro.

É aí que ninguém quer chegar, porque aí todos teríamos que nos responsabilizar e agir e não apenas fazer o simplório julgamento desse e outros atiradores/salvadores. O massacre em Realengo, portanto, não é um crime isolado. É um crime que está em consonância com o seu tempo e seu espaço, ambos desrealizados, que é o que mais caracteriza a Globalitarização do mundo. Esse massacre, assim como a invasão da Líbia pelos americanos, é um espetáculo midiático/constituído, por isso ele caiu, de forma ignominiosa, tão rapidamente na naturalidade.

Mas nada aí é natural. Se ficamos na comoção bloqueadora da razão ou nas racionalizações lógicas simplórias, não há como impedir outros massacres como esse, nem que coloquemos policiais em cada sala de aula, câmera dentro das salas, detectores de metais, distribuamos coletes aos alunos ou qualquer outra paranoia. Não há como impedir. Isso seria apenas se preparar para o próximo. O que há é a possibilidade, se tomarmos, responsavelmente (no sentido sartrista), a questão pelas causas (Spinoza), de criar um mundo onde esses massacres não sejam possíveis. Para isso, temos que minar a violentação que a família e a escola há séculos impingem contra crianças e adolescentes, e, para além da corrupção política, ir liberando com isso novos afetos, novas percepções do mundo e, acima de tudo, novas formas de relações. Relações alegres e suaves. Amor!



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