Mães chinesas que vivem aqui explicam as diferenças entre o estilo ocidental e o oriental, exposto no provocativo "Grito de Guerra da Mãe-Tigre"
Para muitas mães brasileiras, deixar o filho dormir fora de casa pela primeira vez é um desafio, mas um evento necessário. Já para Amy Chua, uma sino-americana de 48 anos, o problema nunca existiu: deixar as filhas passarem a noite na casa de alguma amiguinha da escola sempre foi proibido. Tirar notas um ponto abaixo da máxima, em qualquer matéria, também. Tocar outros instrumentos fora piano ou violino? Vetado. As diferenças entre os métodos de criação ocidental e oriental vão muito além destes exemplos e levaram Amy a escrever o livro “Battle Hymn of the Tiger Mother”, que chega ao Brasil na próxima terça, sob o título “Grito de Guerra da Mãe-Tigre” (Editora Intrínseca; leia trecho). Criada à moda oriental por pais chineses que imigraram para os Estados Unidos, Amy decidiu utilizar-se das mesmas técnicas para educar as duas filhas: autoridade inquestionável, rigidez, alto nível de exigência e restrições. E conta a experiência no livro.
Foto: Divulgação
Capa do livro "Grito de Guerra da Mãe-Tigre", de Amy Chua: polêmica ao contrastar oriente e ocidente na criação dos filhos
Logo nas primeiras páginas, Amy cita um estudo realizado com 50 mães ocidentais e 48 mães chinesas para mostrar o quão diferentes estas mulheres podem ser. A grande maioria das chamadas “mães-tigre” acreditam que seus filhos podem ser os melhores da classe. Para elas, o sucesso acadêmico é reflexo de uma criação bem-sucedida. Já cerca de 70% das mães ocidentais acham que pressionar as crianças para o êxito escolar não é a melhor atitude a se tomar. “No entendimento da mãe chinesa, nada é divertido até você ser bom naquilo”, resume Amy em seu livro.
Não à toa, as filhas de Amy cresceram – e crescem – sob a cobrança de estar dois anos à frente de seus colegas nas aulas de matemática. E de serem prodígios nas atividades extracurriculares estritamente escolhidas pela mãe, como tocar piano ou violino. Leitores norte-americanos execraram a autora quando o “Wall Street Journal” publicou um trecho do livro e o “New York Times”, uma resenha a respeito. Dos 342 comentários deixados no site do jornal nova-iorquino, a maioria é contra Amy e seus métodos peculiares. Ela chegou a ser ameaçada de morte e suas ideias foram manchete e assunto de debates no mundo inteiro.
Às vésperas da chegada do livro ao Brasil, permanece a questão: o que as mães ocidentais podem aprender com as orientais – e vice-versa?
Em “Grito de Guerra...”, Amy jamais afirma considerar as mães chinesas superiores às outras e admite ter tomado atitudes extremas com Sophia, hoje com 18 anos, e Lulu, a caçula. Porém, elas foram altamente eficazes. Para a empresária Ling Wang, de 50 anos, nascida em Taiwan e morando no Brasil desde os sete, o rigor e a disciplina impostos por Amy Chua às filhas não têm nada de estranho. Pelo contrário. “Não tem nada de chocante aí. Meus pais tinham exigências e expectativas em relação aos filhos tão altas quanto se estivéssemos em Taiwan”.
Foto: Alexandre Carvalho/ Fotoarena
Ling, a mãe-tigre, com os filhos Thomas, 16, e Nina, nove anos: além de falar português, a menina é fluente em chinês e inglês
Pais da imigração
Os pais de Ling chegaram ao País na década de 60. A falta de conhecimento da língua portuguesa e as dificuldades de adaptação não foram motivo para suavizar a cobrança sobre os filhos. “Havia uma exigência grande de resultado”, diz Ling. “Nas férias, por exemplo, eu tinha aulas de chinês em dobro por não haver aulas na escola. Meus pais nunca tiveram dúvidas em relação à metodologia ‘linha dura’: era esse o caminho e acabou-se”.
Ling tem dois filhos. Para ela, o primeiro engano dos pais ocidentais é achar que as crianças não aguentam tantas exigências. Atualmente, é comum ver crianças entrando e saindo de uma atividade extracurricular como o judô, por exemplo, após dois meses de dedicação – e muitas vezes isso acontece porque os pais ficam com dó quando o filho diz não querer ou não gostar mais. “A gente quer poupar as crianças o tempo inteiro”, afirma. Por não ter sido poupada, Nina, filha de Ling, é fluente em português, inglês e chinês aos nove anos. Isso torna a criança infeliz? Ling discorda.
Os pais são adultos e têm indiscutivelmente mais elementos para tomar uma decisão do que os filhos. Segundo Ling, esta responsabilidade é assumida pelas mães chinesas. No livro, Amy Chua concorda. “Os pais chineses acreditam saber o que é melhor para seus filhos e, portanto, passam por cima de todos os desejos e preferências deles”, escreve ela.
Assim, o envolvimento de uma mãe chinesa na educação da criança é maior que o ocidental, independentemente do tempo disponível. “Aqui, muita gente considera educar uma função exclusiva da escola”, compara Ling. A própria Amy Chua é professora do curso de Direito da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, o que lhe confere uma alta carga horária de trabalho. Mas nem por isso ela deixa de se dedicar pessoalmente à educação das filhas – e de demandar esforço delas, como praticar piano pelo menos 90 minutos por dia, inclusive aos finais de semana.
Muitos pais acham um exagero, mas para Ling fazer a criança se esforçar não significa, em absoluto, torná-la infeliz: “Tenho plena convicção de que as crianças se adaptam e se moldam com a maior facilidade, sejam chinesas ou brasileiras. A gente não precisa ter dó. Precisamos é dar mais poder para elas”, diz. “Pais brasileiros têm um amor transbordante pelos filhos e acabam poupando-os das responsabilidades”, completa. Mas assim eles também deixam de acreditar no potencial dos filhos. Os chineses têm uma filosofia oposta, cobrando e exigindo justamente por acreditar nas crianças. Mas nem por isso amam menos seus filhos. Apenas demonstram de maneira diferente.
Rebeldia chinesa
A criação tradicional chinesa, no entanto, também pode sair pela culatra. A administradora sino-brasileira Mariana Chuing, de 56 anos e no Brasil desde os quatro, casou-se aos 19, já grávida, só para sair de casa. “A mãe chinesa não é aquela que paparica, abraça e beija o filho. Mas está sempre atenta, com os olhos sempre em cima da cria para qualquer necessidade”, diz. A máxima resume como ela foi criada e como criou os três filhos, Michael, Marcelo e Caio Eduardo, de 35, 34 e 24 anos, respectivamente. Mas a parte da rigidez ficou para trás na passagem das gerações. “Eu tive uma educação muito rigorosa. Principalmente por isso meu primeiro casamento foi aos 19 anos: eu queria mesmo era sair de casa”.
Sem viagem com as amigas da escola, sem festas de formatura, sem namorado até os 16 anos e sempre se referindo aos pais como “senhor” e “senhora” (nunca como “você”), ela sempre foi muito repreendida. Além de se casar grávida, foi a primeira da família a passar por um divórcio: “Fui a ovelha negra”. No entanto, embora ache um exagero a exigência dos pais e jamais tenha pensado em passar a mesma experiência para os filhos, Mariana agradece a educação recebida. “Eu sou uma mulher corajosa e forte por causa deles”, afirma.
De geração para geração
Embora não concorde com o nível de exigência das mães chinesas – “sacrifica muito as crianças” – Mariana perpetuou alguns conceitos com seus próprios filhos: “Para os pais chineses, os filhos tem sempre de ser os melhores em tudo. Eu não fui assim com os meus, mas nem por isso sou uma mãe mole. Pelo contrário”. Mariana nunca foi de exigir e preferiu mostrar os caminhos a seguir. E apesar de eles cresceram mais relaxados que ela, os limites de disciplina eram claros: “se eles fossem mal-educados, em público ou em casa, levavam uma bronca para nunca mais”.
Hoje os filhos de Mariana são bem-sucedidos e ela credita a força de vontade do trio a uma tradição familiar: “em casa nunca foi permitido cair e não se levantar mais. Foi assim comigo e eles sabem que podem errar quantas vezes for, mas vão se levantar e enfrentar os desafios, sempre”.
Para Ling, apesar do estereótipo, essa é uma postura muito mais oriental que ocidental. “Em geral, o oriental costuma ser mais disciplinado e insistente que o ocidental”, acredita. Mas isto não significa chegar aos extremos, como Amy Chua. “Apertar muito o parafuso pode fazê-lo espanar. Porém, uma mãe supercarinhosa, que poupa o filho, também não é o ideal”, afirma Ling. Na opinião da empresária, com a atual exigência do mercado por resultados acadêmicos, preparar o filho cobrando resultados é um ato de amor.
Ling não tem queixas em relação à sua própria criação. Nunca ter tido permissão para viajar para o sítio com os amiguinhos da escola não a deixou amargurada. “Temos de fazer escolhas e aprendemos a lidar com isto”, afirma. Ela agradece aos pais pela educação recebida e acredita fazer o melhor pelos próprios filhos atualmente. Thomas, de 16 anos, às vezes discorda das atitudes da mãe, mas ela não vê problema algum nisso. “Tudo tem seus altos e baixos. Eu faço o melhor para ele ser uma pessoa completa”, diz. Afinal, dilemas todas as mães têm. Mas não dá mais para dizer que mãe é tudo igual, só muda o endereço.
Trecho do livro “Grito de Guerra da Mãe Chinesa”, de Amy Chua (Editora Intrínseca)
"Muita gente se pergunta como os pais chineses em geral criam filhos tão bem-sucedidos. Querem saber o que eles fazem para produzir tantos gênios em matemática e prodígios em música, como é a vida numa família chinesa, e se questionam se seriam capazes de fazer o mesmo. Bem, eu posso contar, porque eu fiz. Eis algumas coisas que minhas filhas, Sophia e Louisa, nunca tiveram permissão de fazer:
• dormir na casa de amiguinhas
• aceitar convites para brincar com amiguinhos
• participar de peças encenadas na escola
• reclamar por não participar de peças encenadas na escola
• ver televisão ou brincar com jogos no computador
• escolher suas atividades extracurriculares
• tirar qualquer nota abaixo de A
• não ser a primeira da classe em todas as matérias, exceto educação física e teatro
• tocar qualquer instrumento senão piano ou violino
• não tocar piano ou violino
(...)
Apesar de nossos escrúpulos em relação a estereótipos culturais, há toneladas de estudos por aí que mostram diferenças consideráveis e quantificáveis entre chineses e ocidentais no que se refere à criação dos filhos. Numa pesquisa feita com 50 mães americanas ocidentais e 48 mães imigrantes chinesas, quase 70% das ocidentais diziam que “enfatizar o êxito acadêmico não faz bem à criança”, ou que “os pais precisam alimentar a idéia de que aprender é divertido”. Por outro lado, aproximadamente 0% das mães chinesas tinha a mesma visão. A maioria delas dizia achar que seus filhos poderiam ser “os melhores” alunos; que o “êxito acadêmico reflete o sucesso da educação recebida em casa”; e que, se as crianças não se destacavam na escola, é porque havia um “problema”, e os pais “não estavam fazendo o que deviam”. Outras pesquisas indicam que os pais chineses passam dez vezes mais tempo que os ocidentais por dia realizando atividades escolares com os filhos. Por outro lado, as crianças ocidentais são mais propensas a participar de equipes de esporte.
Isso leva ao meu argumento final. Pode-se pensar que os pais esportistas americanos sejam semelhantes às mães chinesas. Porém, isso está errado. Ao contrário da mãe ocidental típica, que passa o dia carregando os filhos para cumprir uma agenda abarrotada de atividades esportivas, a mãe chinesa acredita que (1) os deveres escolares são sempre prioritários; (2) um A-menos é uma nota ruim; (3) seus filhos devem estar dois anos à frente dos colegas de turma em matemática; (4) os filhos jamais devem ser elogiados em público; (5) se seu filho algum dia discordar de um professor ou treinador, sempre tome o partido do professor ou do treinador; (6) as únicas atividades que seus filhos deveriam ter permissão para praticar são aquelas em que puderem ganhar uma medalha; e (7) essa medalha deve ser de ouro".
Fonte: Portal iG
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