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"Quando começares a tua viagem para Ítaca, reza para que o caminho seja longo, cheio de aventura e de conhecimento...enquanto mantiveres o teu espírito elevado, enquanto uma rara excitação agitar o teu espírito e o teu corpo." ...Konstantinos Kaváfis,trad.Jorge de Sena in Ítaca
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domingo, 3 de julho de 2011

O Céu que nos Protege - Bernardo Bertolucci

“Turner: Somos os primeiros turistas desde a guerra.
Kit: Somos viajantes, não turistas.
Turner: Qual a diferença?
Port: O turista pensa em voltar para casa assim que chega.
Kit: E o viajante pode nem voltar.”

A seguir breve sinopse e análise de um filme denso e com paisagens deslumbrantes do Marrocos.

O Céu que nos Protege(The Sheltering Sky, EUA, 1990)
Direção de Bernardo Bertolucci
Roteiro de Bernardo Bertolucci e Mark Peploe
Com John Malkovich, Debra Winger, Campbell Scott, Timothy Spall
Alcançar o outro. Eis um dos temas de “O Céu que nos Protege”, aquele magnífico livro de Paul Bowles que virou um esplendroso filme de Bertolucci. Robert Stam criticou o filme pela forma como este nega a tradução das falas dos árabes aos espectadores, impedindo-nos de compreendermos o que eles dizem e dificultando o acesso à cultura árabe. O resultado disso é reiteração da postura etnocêntrica e eurocêntrica que se interessa pouco pelo outro.

Lembro que o filme de Bertolucci também foi duramente criticado, na época de seu lançamento (1990) , porque seria uma obra maneirista, bela de se ver mas vazia. Críticas a parte se não se compreendermos o mecanismo de estranhamento encadeado pela película só se pode chegar a conclusões apressadas.

Primeiro os diálogos que não são traduzidos servem sugerir ao espectador a sensação da protagonista Kit, vivida por Debra Winger (atriz da qual sinto muita saudade), que se entrega numa viagem a um país distante, desprovida do conhecimento da língua, e por isso sujeita as incompreensões e incomunicações inerentes a essa circunstância. Se esquecermos o primeiro diálogo do filme, não vamos entender que tipo de viagem está sendo realizada:

“Turner: Somos os primeiros turistas desde a guerra.

Kit: Somos viajantes, não turistas.

Turner: Qual a diferença?

Port: O turista pensa em voltar para casa assim que chega.

Kit: E o viajante pode nem voltar.”

Seria essa a busca de dois burgueses apáticos que procuravam aventuras, como li recentemente? Não necessariamente. Como todos os grandes filmes de Bertolucci o tema principal deste é o amor. Este diretor sempre teve apego por contar histórias de amor.

A pergunta chave é: que tipo de casal iria à África com essa perspectiva, a de talvez não voltar?! É estranha a busca por um espaço em que as palavras nada podem dizer porque ninguém fala o seu idioma. Mas o que o filme mostra é uma busca pela viagem, pelo percurso corrido, entender que tipo de relacionamento se cria, num local em que, inútil a palavra, só resta o corpo, e que, inútil o corpo, só resta o companheiro com quem se partiu, e que, finalmente, sem o companheiro resta alguém, seu corpo, o céu e a terra.

Port e Kit vão ao Marrocos e lá se embrenham com os nativos. O relacionamento deles é complicado, marcado por incompreensões e incomunicabilidades. Talvez por isso tenham partido em viagem. Mas incrivelmente semelhantes, parecem ter concordado em ir ao Marrocos. Vão com um amigo, Turner, com quem Kit irá fazer sexo, assim como, numa cena curiosa, Port transa com uma prostituta nativa. Ambos enfim experimentam outros corpos, vêem outros lugares, mas sempre retornam a si mesmos e um ao outro. Tristemente passam por situações limites num mundo estranho para se convencerem talvez de que pertencem um ao outro.

Quando finalmente descobrem isso é tarde demais pois Port morre de tifo. Perdendo seu único chão, Kit leva ao extremo sua viagem e se embrenha no deserto, protegida apenas pelo céu que paira azul sobre as areias do deserto amarelo e laranja. Lá ela usa apenas o corpo para se comunicar, anulada de si mesma, esquecida de si, reinventa outra forma de viver para realizar sua fuga final: a do amor perdido. A viagem torna-se um perder-se e não implica num reencontrar-se no final.

Mas de que Kit foge? Tanto ela como Port fugiam um do outro (saturados de não se entenderem?!) empurram-se para os amantes, e se descobrem no ato além das palavras, da partilha com o estranho que permanece fascinante mas não necessariamente incompreensível. A língua árabe que não é entendido pelo espectador é perfeitamente clara em seu sentido, pois nos permite compreendermos as novas estratégias de entendimento desenvolvidas pelas personagens.

Essa viagem, esse não-turismo, nasce de um amor desesperado porque está se perdendo e que reconhece seu sentido apenas às portas da morte. Um filme sobre amor desesperado sobre alcançar o outro, mas não o árabe, e sim aquele que se ama. E um filme sobre outro desespero: a perda desse amor.
Fonte: Passo do Tempo

Il tè nel deserto (1990) - "Divenire Tuareg"



The Sheltering Sky - Fever Ride - Richard Horowitz (Soundtrack)
http://youtu.be/kQX9M5lzJTc



2 comentários:

  1. Só não precisava contar o final do filme dessa maneira. :/

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  2. Grato demais pela resenha do intimismo do filme, o qual já havia esquecido. Um oásis mesmo no deserto do cinema enlatado.

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