“Para demonstrar a omnipotência do FMI, recordemos que o presidente brasileiro Lula teve que assinar uma carta comprometendo-se a respeitar os acordos assinados entre o seu país e o FMI antes da sua chegada ao poder em 2002. A sua política económica teve então de seguir os discutíveis preceitos do FMI. A prossecução da austeridade orçamental tinha sido decidida no acordo assinado pelo seu predecessor, o presidente Cardoso, até 2005, qualquer que fosse o candidato eleito em 2002”.
Tropeçamos no FMI!
Artigo publicado em cadtm.org, traduzido para português por Paula Sequeiros, para esquerda.net
O FMI, ferramenta ao serviço dos grandes emprestadores, espezinha da mesma maneira os direitos humanos fundamentais tanto no Norte como no Sul. Por Jérome Duval
As grandes potências aproveitaram a crise actual para recolocar o Fundo Monetário Internacional (FMI), durante anos totalmente deslegitimado, no centro da política económica. De acordo com a União Europeia, o FMI impõe a sua política de rigor tanto na Europa como no Sul. E, contudo, continua imperturbavelmente com a mesma política neoliberal que exerce desde os anos oitenta nos países empobrecidos, com os seus “planos de ajustamento estrutural” e que no Norte logo foram baptizados como “planos de rigor económico” ou “medidas de austeridade”. No caso de recusa ou insubmissão, como sucedeu na Argentina em 2001, ou na Ucrânia e na Roménia em 2009, o FMI aumenta a pressão bloqueando os seus empréstimos, sem se importar com as consequências sociais. Todavia os estrondosos fracassos destas políticas foram demonstrados uma infinidade de vezes: em todos os lados se aprofunda a desigualdade e a pobreza aumenta.
“Se ao analisar-se o FMI, se considera que o seu objectivo é servir os interesses da comunidade financeira, então os seus actos têm sentido, uma vez que de outro modo parecem contraditórios e intelectualmente incoerentes”
Joseph Stiglitz, prémio Nobel de economia, em 2001. Globalização: A grande desilusão (2002)
As grandes potências controlam o FMI desde a sua criação
O FMI, tal como a sua instituição gémea, o Banco Mundial, nasceu em Bretton Woods (Estados Unidos) em Julho de 1944. Actualmente 186 países são membros de ambas as instituições, cujas sedes em Washington, a dois passos uma da outra, ficam muito perto da Casa Branca. Mas a vizinhança não é só geográfica, é também ideológica: estas gémeas promovem o famoso consenso de Washington,1 cujos dez mandamentos são prescritos aos países sobre-endividados através dos planos de ajustamento estrutural, como contrapartida da concessão de novos empréstimos. O seu funcionamento segundo a regra “1 dólar = 1 voto” permite aos países ricos controlar estas duas poderosas instituições, em especial aos Estados Unidos, que dispõe de uma minoria de bloqueio. No que toca ao FMI, uma norma tácita faz com que o posto de director-geral, eleito por cinco anos, esteja reservado a um europeu, enquanto que o de director-geral adjunto a uma pessoa dos Estados Unidos.
1982: Estala a crise da dívida
A 20 de Agosto de 1982, o México foi o primeiro numa longa lista de países empobrecidos que não podiam pagar uma dívida que se tinha tornado descomunal. O FMI apareceu em cena como emprestador de última instância e, qual bombeiro pirómano, repartiu os seus empréstimos, não para salvar uma população sobre-endividada mas para reembolsar os seus credores. Esses empréstimos têm como condição a aplicação dum programa de ajustamento estrutural que impõe tanto medidas estruturais como medidas de choque: privatizações em massa; liberalização da economia e abertura dos mercados; redução drástica dos orçamentos sociais; supressão das subvenções aos produtos básicos; desenvolvimento de monoculturas de exportação em detrimento das culturas para consumo próprio; incremento das taxas de juro para atrair capitais, etc. Como já prognosticava Michel Camdessus, director do FMI entre 1987 e 2000: “Todos os entraves à liberalização do comércio serão suprimidos, deixando as empresas com liberdade de produzir e exportar os seus produtos como queiram e como decida o mercado”.
Como resultado deste processo, estes países endividam-se novamente para poder pagar os antigos empréstimos, mas contudo desta vez os juros são elevados... o mecanismo subtil dum neocolonialismo económico instala-se a longo prazo: o serviço da dívida enriquece os credores e as políticas instauradas nos países com acordos com o FMI passam pelo controle de Washington. Já não há soberania: as instituições financeiras internacionais impõem a vontade dos emprestadores e abrem o caminho às multinacionais, a maior parte das quais tem a sua sede no Norte. Para demonstrar a omnipotência do FMI, recordemos que o presidente brasileiro Lula teve que assinar uma carta comprometendo-se a respeitar os acordos assinados entre o seu país e o FMI antes da sua chegada ao poder em 2002. A sua política económica teve então de seguir os discutíveis preceitos do FMI. A prossecução da austeridade orçamental tinha sido decidida no acordo assinado pelo seu predecessor, o presidente Cardoso, até 2005, qualquer que fosse o candidato eleito em 2002.
Muitos países empobrecidos que eram auto-suficientes em produtos alimentares no princípio dos anos oitenta, actualmente têm de importar os alimentos necessários para a sua população. A agricultura subvencionada dos países ocidentais inundou o Sul, arruinando dezenas de milhares de famílias e expulsando-as das suas terras para bairros de lata. Como exemplos: o Senegal tem de importar todos os ingredientes do seu prato nacional, o frango Yassa, e o Haiti tem de importar dos Estados Unidos o arroz que antes cultivava em quantidade suficiente para alimentar a sua população. Quando os especuladores se abalançam sobre estes produtos na Bolsa de Chicago, como aconteceu em 2008, os preços multiplicam-se nos mercados locais e dezenas de países vêem-se em dramáticas situações de fome.
Os protestos estão a aumentar
Como consequência directa do abandono das subvenções aos produtos de primeira necessidade imposto pelo FMI, os movimentos de oposição a estes peritos ultraliberais multiplicaram-se no último quarto de século. Os distúrbios contra o FMI estalam com intervalos regulares no Sul. Por exemplo, no Peru em 1991, quando o preço do pão se multiplicou por 12 numa noite, ou o de Caracazo (Venezuela), em 1989, com três dias de distúrbios que ocasionaram numerosos mortos, após a aplicação dum plano de ajustamento estrutural.
Face à impopularidade das condições ligadas aos seus empréstimos, vários países (Brasil, Argentina, Uruguai, Indonésia, Filipinas, Turquia...) reembolsaram antecipadamente a sua dívida para com o FMI nos princípios do século XXI com o fim de desembaraçar-se duma tutela muito pesada. O montante dos créditos concedidos pelo FMI caiu a pique e, na primavera de 2008, a instituição viu-se obrigada a despedir a 380 dos seus 2634 empregados e a vender parte do seu stock de ouro. Por outro lado, a instituição enfrenta uma grave crise de legitimidade e os três últimos directores do FMI demitiram-se do antes do fim do seu mandato.
O FMI e a crise
Como consequência das negociações do G-20 em Londres, reunido em Abril de 2009, o FMI viu como triplicavam os seus recursos com o fim de puder multiplicar os seus empréstimos em todo o mundo. Mas as suas condições continuam a ser severas: redução ou congelamento dos salários dos funcionários públicos, redução das pensões de aposentação, privatização das empresas públicas, etc. O FMI abriu linhas de crédito com uma dezena de países da Europa de Leste em menos dum ano. Se a Letónia quer continuar a receber financiamento do FMI e da UE, tem de tomar a decisão de reduzir em 20 % os salários dos funcionários e em 10 % as pensões de reforma. Estas políticas suscitam reacções na população que sai para a rua: greves gerais como as que se sucedem na Grécia, manifestações de professores na Letónia, de funcionários na Roménia, ou a recusa por referendo de 90 % da população islandesa em pagar uma dívida que consideram ilegal...
John Lipsky, o número dois do FMI e ex alto cargo do banco JP Morgan, preveniu os países desenvolvidos de que têm de preparar a opinião pública para próximas medidas de austeridade, tais como a diminuição dos subsídios de doença e das reformas. Os povos têm de se opor de imediato e com tenacidade às exigências do FMI e dos governos do Norte ao serviço dos mercados financeiros, caso contrário produzir-se-ão grandes regressões sociais. E é urgente impedi-lo.
Até agora tudo continua igual. Até quando?
Tropeçamos no FMI!
Artigo publicado em cadtm.org, traduzido para português por Paula Sequeiros, para esquerda.net
O FMI, ferramenta ao serviço dos grandes emprestadores, espezinha da mesma maneira os direitos humanos fundamentais tanto no Norte como no Sul. Por Jérome Duval
As grandes potências aproveitaram a crise actual para recolocar o Fundo Monetário Internacional (FMI), durante anos totalmente deslegitimado, no centro da política económica. De acordo com a União Europeia, o FMI impõe a sua política de rigor tanto na Europa como no Sul. E, contudo, continua imperturbavelmente com a mesma política neoliberal que exerce desde os anos oitenta nos países empobrecidos, com os seus “planos de ajustamento estrutural” e que no Norte logo foram baptizados como “planos de rigor económico” ou “medidas de austeridade”. No caso de recusa ou insubmissão, como sucedeu na Argentina em 2001, ou na Ucrânia e na Roménia em 2009, o FMI aumenta a pressão bloqueando os seus empréstimos, sem se importar com as consequências sociais. Todavia os estrondosos fracassos destas políticas foram demonstrados uma infinidade de vezes: em todos os lados se aprofunda a desigualdade e a pobreza aumenta.
“Se ao analisar-se o FMI, se considera que o seu objectivo é servir os interesses da comunidade financeira, então os seus actos têm sentido, uma vez que de outro modo parecem contraditórios e intelectualmente incoerentes”
Joseph Stiglitz, prémio Nobel de economia, em 2001. Globalização: A grande desilusão (2002)
As grandes potências controlam o FMI desde a sua criação
O FMI, tal como a sua instituição gémea, o Banco Mundial, nasceu em Bretton Woods (Estados Unidos) em Julho de 1944. Actualmente 186 países são membros de ambas as instituições, cujas sedes em Washington, a dois passos uma da outra, ficam muito perto da Casa Branca. Mas a vizinhança não é só geográfica, é também ideológica: estas gémeas promovem o famoso consenso de Washington,1 cujos dez mandamentos são prescritos aos países sobre-endividados através dos planos de ajustamento estrutural, como contrapartida da concessão de novos empréstimos. O seu funcionamento segundo a regra “1 dólar = 1 voto” permite aos países ricos controlar estas duas poderosas instituições, em especial aos Estados Unidos, que dispõe de uma minoria de bloqueio. No que toca ao FMI, uma norma tácita faz com que o posto de director-geral, eleito por cinco anos, esteja reservado a um europeu, enquanto que o de director-geral adjunto a uma pessoa dos Estados Unidos.
1982: Estala a crise da dívida
A 20 de Agosto de 1982, o México foi o primeiro numa longa lista de países empobrecidos que não podiam pagar uma dívida que se tinha tornado descomunal. O FMI apareceu em cena como emprestador de última instância e, qual bombeiro pirómano, repartiu os seus empréstimos, não para salvar uma população sobre-endividada mas para reembolsar os seus credores. Esses empréstimos têm como condição a aplicação dum programa de ajustamento estrutural que impõe tanto medidas estruturais como medidas de choque: privatizações em massa; liberalização da economia e abertura dos mercados; redução drástica dos orçamentos sociais; supressão das subvenções aos produtos básicos; desenvolvimento de monoculturas de exportação em detrimento das culturas para consumo próprio; incremento das taxas de juro para atrair capitais, etc. Como já prognosticava Michel Camdessus, director do FMI entre 1987 e 2000: “Todos os entraves à liberalização do comércio serão suprimidos, deixando as empresas com liberdade de produzir e exportar os seus produtos como queiram e como decida o mercado”.
Como resultado deste processo, estes países endividam-se novamente para poder pagar os antigos empréstimos, mas contudo desta vez os juros são elevados... o mecanismo subtil dum neocolonialismo económico instala-se a longo prazo: o serviço da dívida enriquece os credores e as políticas instauradas nos países com acordos com o FMI passam pelo controle de Washington. Já não há soberania: as instituições financeiras internacionais impõem a vontade dos emprestadores e abrem o caminho às multinacionais, a maior parte das quais tem a sua sede no Norte. Para demonstrar a omnipotência do FMI, recordemos que o presidente brasileiro Lula teve que assinar uma carta comprometendo-se a respeitar os acordos assinados entre o seu país e o FMI antes da sua chegada ao poder em 2002. A sua política económica teve então de seguir os discutíveis preceitos do FMI. A prossecução da austeridade orçamental tinha sido decidida no acordo assinado pelo seu predecessor, o presidente Cardoso, até 2005, qualquer que fosse o candidato eleito em 2002.
Muitos países empobrecidos que eram auto-suficientes em produtos alimentares no princípio dos anos oitenta, actualmente têm de importar os alimentos necessários para a sua população. A agricultura subvencionada dos países ocidentais inundou o Sul, arruinando dezenas de milhares de famílias e expulsando-as das suas terras para bairros de lata. Como exemplos: o Senegal tem de importar todos os ingredientes do seu prato nacional, o frango Yassa, e o Haiti tem de importar dos Estados Unidos o arroz que antes cultivava em quantidade suficiente para alimentar a sua população. Quando os especuladores se abalançam sobre estes produtos na Bolsa de Chicago, como aconteceu em 2008, os preços multiplicam-se nos mercados locais e dezenas de países vêem-se em dramáticas situações de fome.
Os protestos estão a aumentar
Como consequência directa do abandono das subvenções aos produtos de primeira necessidade imposto pelo FMI, os movimentos de oposição a estes peritos ultraliberais multiplicaram-se no último quarto de século. Os distúrbios contra o FMI estalam com intervalos regulares no Sul. Por exemplo, no Peru em 1991, quando o preço do pão se multiplicou por 12 numa noite, ou o de Caracazo (Venezuela), em 1989, com três dias de distúrbios que ocasionaram numerosos mortos, após a aplicação dum plano de ajustamento estrutural.
Face à impopularidade das condições ligadas aos seus empréstimos, vários países (Brasil, Argentina, Uruguai, Indonésia, Filipinas, Turquia...) reembolsaram antecipadamente a sua dívida para com o FMI nos princípios do século XXI com o fim de desembaraçar-se duma tutela muito pesada. O montante dos créditos concedidos pelo FMI caiu a pique e, na primavera de 2008, a instituição viu-se obrigada a despedir a 380 dos seus 2634 empregados e a vender parte do seu stock de ouro. Por outro lado, a instituição enfrenta uma grave crise de legitimidade e os três últimos directores do FMI demitiram-se do antes do fim do seu mandato.
O FMI e a crise
Como consequência das negociações do G-20 em Londres, reunido em Abril de 2009, o FMI viu como triplicavam os seus recursos com o fim de puder multiplicar os seus empréstimos em todo o mundo. Mas as suas condições continuam a ser severas: redução ou congelamento dos salários dos funcionários públicos, redução das pensões de aposentação, privatização das empresas públicas, etc. O FMI abriu linhas de crédito com uma dezena de países da Europa de Leste em menos dum ano. Se a Letónia quer continuar a receber financiamento do FMI e da UE, tem de tomar a decisão de reduzir em 20 % os salários dos funcionários e em 10 % as pensões de reforma. Estas políticas suscitam reacções na população que sai para a rua: greves gerais como as que se sucedem na Grécia, manifestações de professores na Letónia, de funcionários na Roménia, ou a recusa por referendo de 90 % da população islandesa em pagar uma dívida que consideram ilegal...
John Lipsky, o número dois do FMI e ex alto cargo do banco JP Morgan, preveniu os países desenvolvidos de que têm de preparar a opinião pública para próximas medidas de austeridade, tais como a diminuição dos subsídios de doença e das reformas. Os povos têm de se opor de imediato e com tenacidade às exigências do FMI e dos governos do Norte ao serviço dos mercados financeiros, caso contrário produzir-se-ão grandes regressões sociais. E é urgente impedi-lo.
Até agora tudo continua igual. Até quando?
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