Sociedade precisa romper com ideia assistencialista de que escolinha só serve para cuidar dos filhos enquanto os pais trabalham
Pré-escola: debate entre pais e creches sobre a função educativa
As escolas de educação infantil têm sido tratadas quase como uma extensão da casa, um segundo lar. São encaradas por muitas pessoas como o endereço certo para dar às crianças a atenção que pais superocupados não podem dar. As tarefas diárias de cuidado foram sendo transferidas de tal maneira que a escola assumiu até o processo de retirada das fraldas das crianças.
Que a escola de educação infantil é o melhor lugar para as crianças ficarem enquanto os seus pais estão trabalhando pouca gente duvida. Mas um clima de desconfiança e uma troca de acusações contaminam os debates em torno do verdadeiro papel das instituições de ensino para crianças pequenas. Dos dois lados, família e escola, surgem reclamações de que existe um empurra-empurra de responsabilidades.
Ao incluir as crianças de zero a cinco anos de idade na educação básica, a política educacional do país reconheceu as creches e pré-escolas como instituições de ensino. Mas esse entendimento ainda não foi assimilado pela sociedade. Um ingrediente novo surgiu nas últimas semanas: o parecer do Conselho Nacional de Educação favorável ao fechamento das unidades educacionais públicas e privadas que atendem essa faixa etária durante períodos de férias e de recesso, como acontece em todos os níveis e etapas do ensino. O CNE defende o caráter educacional das escolas de educação infantil e afirma que a solução para os pais que trabalham e não têm com quem deixar os filhos deve estar em políticas para a infância nas áreas de assistência social, saúde, cultura, esportes e proteção social.
As reclamações de pais em relação à educação infantil se referem mais às limitações no acolhimento das crianças do que à qualidade do ensino em si. Algumas famílias não conseguem discernir o que é papel delas e o que fica por conta da escola. Querem deixar os filhos com febre na escola porque não podem perder um dia de trabalho, querem entregar a criança de pijama porque a coitadinha foi arrancada da cama dormindo, querem chegar atrasados porque o trânsito é um horror, e há até quem queira que as professoras sejam responsáveis por cuidados básicos como cortar as unhas da criança.
Por outro lado, algumas escolas particulares funcionam até à noite, mas sem estrutura para oferecer atividades pedagógicas e de descanso, ou respeitar as necessidades dessa faixa etária por período tão longo. Algumas deixam as crianças soltas, até vendo televisão. E existe um número imenso de instituições sem as mínimas condições de funcionamento, sem espaço adequado, sem projeto pedagógico, sem profissionais qualificados, que nem deveriam ser reconhecidas como creches e pré-escolas.
É por essas e outras que as escolas de educação infantil vêm sendo chamadas de “depósitos de crianças”. E é nesse clima que somos chamados a construir uma nova cultura para o ensino de crianças tão pequenas. Até 2016, a matrícula em escola de educação infantil será obrigatória para todas as crianças a partir dos quatro anos de idade. A política de educação sinaliza a importância de incluir mais estudantes no sistema de ensino, apoiada nas evidências de que as crianças que frequentam a pré-escola têm um desempenho escolar melhor ao longo da vida.
“A educação infantil é complementar ao trabalho da família. Não é para resolver o problema da mulher que trabalha fora”, afirmou a presidente do Sindicato da Educação Infantil do Município de São Paulo (Sedin), Claudete Alves. Para ela, a sociedade precisa romper com essa visão assistencialista e encarar a educação infantil como a primeira etapa da Educação Básica. “Estão querendo jogar tudo no colo da educação”, reclamou. A professora acha que as crianças que precisam de cuidados na ausência dos pais devem ser acolhidas por estabelecimentos com caráter de assistência social, que não se confundam nem substituam a escola.
Para o presidente do Fórum Nacional pela Primeira Infância, João Figueiró, não existe uma solução fácil nem rápida para a questão. Ele defende uma reformulação ampla para que a escola assuma o seu verdadeiro papel e acha que a educação infantil não pode ser discutida sem considerar as particularidades e as necessidades dessa faixa etária, que precisa de cuidados associados à educação de qualidade. “Existe um jogo de empurra-empurra onde a criança é vista como um transtorno, um estorvo. Os pais querem jogar para a escola, a escola não quer assumir porque acha que não é educação”.
Figueiró disse que a criança tem o direito constitucional de ter assegurada a sua proteção integral como absoluta prioridade por parte da família, do Estado e da sociedade, que precisam convergir e dialogar para encontrar uma resposta. “Não acho que seja uma solução simples para todas as famílias, para todos os estratos sociais, para todas as regiões brasileiras”, afirmou. Eu também não.
Fonte: Portal iG
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