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sábado, 20 de agosto de 2011

Quem quer uma escola mais interessante

por Bernardete Toneto*
Na cidade paraense de Santarém, situada na confluência dos rios Amazonas e Tapajós, uma tradicional comemoração muda a rotina escolar, todo mês de setembro. As turmas do ensino fundamental da rede pública se envolvem no estudo do Sairé, a mais antiga manifestação cultural popular da Amazônia. Durante o período da festa, os rituais com elementos cristãos e indígenas, a encenação da luta dos botos Tucuxi e Cor de Rosa, e todo o impacto de mais de cem mil turistas que chegam à cidade de 297 mil habitantes viram temas de pesquisa e debate nas salas de aula. Porém, não há uma linha sequer sobre esse assunto nos livros utilizados por professores e alunos da região. Em compensação, eles encontram cinco páginas sobre a imigração japonesa em outra ponta do país, a cidade de São Paulo. E, na mão inversa, não será surpresa que alunos paulistanos desconheçam a riqueza dos 300 anos de história do Sairé. Isto é o que acontece quando redes públicas de ensino adotam um padrão curricular fechado e distante das realidades locais.

Situação oposta acontece no Paraná, primeiro Estado a produzir e distribuir gratuitamente livros didáticos. O material é desenvolvido no âmbito do Projeto Folhas, criado em 2004 pela Secretaria de Estado da Educação. Dentro do projeto, o Livro Didático Público combina os conteúdos das disciplinas curriculares com a realidade de professores e alunos. Em seis anos, foram produzidos 297 livros, com participação do professor-autor, orientadores e colaboradores. O material é considerado pioneiro entre as iniciativas governamentais de produção e circulação de Recursos Educacionais Abertos (REA).

Sete anos depois do Folhas, iniciativas inovadoras como a do Paraná começam a se disseminar pelo Brasil. Em 7 de junho, o município de São Paulo colocou na internet, sob licença Creative Commons, todos os materiais didáticos produzidos pela Secretaria de Educação. No mesmo mês, entrou em tramitação na Câmara Federal um projeto de lei que determina licenciamento e disponibilização à sociedade, em licenças livres, de qualquer obra resultante do trabalho de servidores públicos, incluindo professores e pesquisadores. Também em junho, a Assembleia Legislativa de São Paulo acolheu o seminário “Material Didático Digital”, sob coordenação do deputado Simão Pedro (PT-SP). O parlamentar defende que o governo do Estado, nos seus protocolos de compra de material didático, coloque o conteúdo para acesso livre na internet. A justificativa: os REA, além de ampliar recursos orçamentários, introduzem o compartilhamento de conhecimento na rede de educação e permitem a interação entre conteúdos organizados pelos professores em diálogo com os alunos.

O Projeto Brasileiro sobre Recursos Educacionais Abertos (Projeto REA-Brasil) acompanha de perto essa movimentação. “Há várias obras educacionais abertas e pouquíssimas políticas públicas nesse campo. Mas um caminho está sendo aberto”, avalia a jornalista Bianca Santana. Uma das ativistas do REA-Brasil, integrante da Comunidade que congrega cerca de 120 pessoas, e da Casa da Cultura Digital, ela reconhece que o conceito é novo e ainda não foi incorporado no campo da educação. Mas é um caminho sem volta, principalmente por tratar do compartilhamento de conhecimento, “que é a essência da educação, principalmente a educação pública”.

O conceito de recursos educacionais abertos foi cunhado pela Unesco em 2002, no Fórum sobre o Impacto do Open Courseware para Instituições de Ensino Superior nos Países em Desenvolvimento: “provisão de recursos educacionais abertos, ativada por tecnologias de informação e comunicação (TIC), para consulta, utilização e adaptação por uma comunidade de usuários para fins não comerciais”. Classificam-se como REAs as obras, as ferramentas educacionais e os recursos para sua implementação oferecidos livre e abertamente. Nessas categorias estão incluídos livros e materiais didáticos, cursos completos, tópicos de um conteúdo, temas de aprendizagem, coleções e periódicos, softwares para auxiliar a criação, entrega, uso e melhoria do conteúdo de aprendizagem aberto, comunidades de aprendizado online e licenças livres de propriedade intelectual.

No Livro Verde dos REA, a advogada Carolina Rossini, da coordenação do Projeto REA-Brasil, escreveu que existem três pilares relativos à intersecção das TIC com a política educacional para melhorar o retorno dos investimentos públicos. O primeiro é que “os materiais educacionais de financiamento público, tanto os de ensino como os resultantes de pesquisa, devem ser considerados bens públicos e disponibilizados sob as definições internacionais dos REA”. O segundo trata da transparência: dados, estatísticas e avaliações com relação ao êxito da política de REA devem estar facilmente disponíveis a todos. O terceiro diz respeito ao envolvimento e à colaboração dos educadores, que devem ser incentivados a, junto com as comunidades, se engajar na elaboração e recombinação de conteúdos “a fim de aproveitar ao máximo a combinação de tecnologia e conteúdo aberto”.

Diferença de liberdades

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