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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Contra o Ideb na Escola: "Para além da comunidade-cliente"

Qualidade na educação é mais do que o Ideb, uma medida precária que combina fluxo escolar e desempenho

Luiz Carlos de Freitas
Professor e especialista em avaliação

O ex-ministro da educação do Chile, J. Lavín, recém demitido, desenvolveu um sistema que ficou conhecido como “semáforos de Lavín”. Ele usa o mapa do Chile combinado com geo-referenciamento para localizar a escola e acessar o seu resultado em provas nacionais. A cor da escola revela sua nota. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no Brasil, mais recatado, tem um site que permite identificar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de cada escola pública. Qual a novidade de Gustavo Ioschpe?

Ele quer mais. Ele quer garantir que a comunidade local saiba do Ideb e tenha vergonha ou orgulho de sua escola. A ideia é que se a comunidade souber da nota da escola, então ela vai pressioná-la e, com isso, irá operar-se o milagre da melhoria da escola. Haveria, ainda, uma concorrência entre as escolas que, envergonhadas, procurariam mudar – como ocorre no maravilhoso mundo dos negócios, onde perdedores e vencedores disputam a atenção dos clientes. Nessa visão, a comunidade é um “conjunto de clientes”.

A base dessas ideias tem sempre a mesma fonte: anos 90, nos Estados Unidos. Lá, como se sabe, elas não melhoraram a educação (em 10 anos de Programa de Avaliação Internacional de Estudantes, Pisa, os Estados Unidos continuam na mesma e os testes nacionais não mostram nada diferente; há quem diga que piorou), mas criaram um mercado educacional de US$ 800 bilhões.

É um celeiro que contabiliza outras ideias como dar bônus para escolas, “ensinar” para os testes, privatizar via contratos de gestão (charter schools), lei de responsabilidade educacional com fechamento de escolas e demissão de professores. Não há país algum que tenha testado mais “maldades” contra as escolas e seus profissionais do que os Estados Unidos – sem sucesso.

A questão é o objetivo dessas ideias. Lá como cá, incluindo a filial chilena, os setores empresariais organizaram-se para tentar definir a agenda educacional nacional – aqui, sua forma de organização mais evidente é o Movimento Todos pela Educação. Têm direito.

É sabido que o Brasil cresce a um ritmo que exige formação acelerada de mão de obra e, se isso não ocorrer, o valor do salário vai aumentar afetando o lucro. É fundamental, para segurar o salário, que haja uma base de oferta de mão de obra maior. Some-se a isso que as tradicionais reservas de exploração de mão de obra barata (as mulheres e o campo) estão esgotando-se.

Neste quadro, dependente cada vez mais de produtividade para assegurar o lucro, o que estamos assistindo, hoje, é a uma disputa das corporações pelo controle da agenda educacional – tanto ao nível dos Estados e municípios, como ao nível federal.

Está sendo reproduzida, no Brasil, a estratégia do “business roundtable” dos anos 90 nos Estados Unidos, quando um grupo de cerca de 300 CEOS de diferentes empresas convenceram – com grande apoio da mídia – vários estados a embarcar nestas ideias. O experimento mais famoso, hoje conhecido jocosamente como o “milagre do Texas”, no governo Bush, deu base para o fracassado “No Child Left Behind”, quando ele se tornou presidente. As tabuletas de Gustavo Ioschpe são herdeiras deste ideário. Há muito mais ações em andamento.

O Ideb é uma boa medida? Acadêmicos de todos os matizes dizem que não. O Ideb é uma medida precária, construída quando o Inep se entusiasmou com o No Child Left Behind americano. Baseia-se em uma medida de fluxo combinada com uma medida de desempenho. Qualidade da educação básica é mais que isso. O Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp), em São Paulo, é uma formulação mais exigente e mais problemática ainda, pois acredita que se as escolas tiverem bônus por “carregar” a parte de baixo da curva de rendimento dos alunos usualmente com maiores problemas, então também dedicar-se-ão a ensinar para eles. Há mais causas em jogo.

Quanto mais pressão se faz, mais se cria potencial para “corrupção” da medida. A realidade das escolas não é fácil e como mostra Atlanta (EUA), no desespero, apela-se à fraude para sobreviver. Com o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) em São Paulo não é diferente. Na outra ponta, quanto mais se pressiona, mais se corre o risco do magistério “jogar a toalha”. Em São Paulo o volume de bônus distribuído em 2010 é menor do que em 2009 e as notas do Saresp despencaram em 2010.

Mas, se tivermos um “bom Ideb”, devemos colocá-lo em uma tabuleta nas escolas? Penso que não, apesar de não ter nada contra um bom Ideb. Os resultados devem ser prioritariamente para consumo pedagógico da escola. Precisam ser circunstanciados e validados internamente (técnica e politicamente), antes de produzirem consequências locais.

Além disso, a escola é da comunidade e tudo que não queremos é ver a comunidade contra a escola. Melhor seria apostarmos em processos que a aproximassem da escola e criássemos mecanismos intraescolares concretos que dessem voz à comunidade, de forma organizada e democrática, para discutir a escola e seus resultados junto com seus profissionais – incluindo as demandas que elas têm a fazer ao poder público, chamando a comunidade para a defesa de um bem público. É preciso superar a ideia de “comunidade-cliente” importada da área dos negócios. O desafio é envolver os pais na discussão organizada da qualidade da escola, de forma produtiva e constante.

Devemos utilizar a força da comunidade para fazer com que os governos locais construam uma politica educacional baseada nas necessidades das escolas – trabalhar com as escolas e não contra elas.

A Suécia, por exemplo, combina as notas de avaliação externas (tipo Prova Brasil) com a avali-ação pessoal dos professores sobre seus alunos. Isso aumenta a autoridade dos professores, dá força para a escola e provê uma melhor estimativa do que acontecerá no futuro com os alunos.

A proposta de Ioschpe, de adicionar pressão externa em um País que ainda tem “escolas de lata”, não é uma boa política. Temos que confiar em nossas escolas e em nossos professores; confiar na criação de instrumentos de cobrança e de melhoria da qualidade acordados entre escolas, comunidades e governos. Pressão, não vai ajudar. É como se colocássemos na porta de cada Delegacia de Polícia uma tabuleta com os índices de criminalidade do bairro esperan-do que, com isso, ela reduzisse. Muito cômodo; pouco eficaz.

Quando as escolas e seus profissionais estiverem envergonhados e as comunidades iradas com suas escolas, o que se espera que aconteça? Que mais professores talentosos venham dar aulas nestas escolas? Quando as escolas estiverem com a imagem comprometida na comunidade, o que se espera que aconteça? Que a comunidade olhe para sua escola com respeito? Que se aproxime para ajudar na educação dos filhos?

Em resumo: se os laços entre a escola e a comunidade se romperem, não se espere melhoria na educação. Escolas não são fábricas de sapato e comunidades não são “conjuntos de clien-tes”. A política educacional de Nova York caiu por confiar na “responsabilização por pressão”, não sem antes ter suas medidas de aprendizagem “corrompidas”. No Brasil, a ideia de Ioschpe poderá destruir a pouca credibilidade do Ideb.
Fonte: Portal iG

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