*Thomaz Wood Jr.
Em sua edição de 14 de março, o New York Times publicou um texto de Greg Smith, com o título “Por que estou deixando o Goldman Sachs”. As revelações tocaram em um ponto sensível, o desdém de executivos do centenário banco de investimentos por seus clientes, em um momento delicado, marcado pelo desdém do público pelas instituições financeiras.
Smith abre sua carta aberta em tom confessional: “Hoje é o meu último dia no Goldman Sachs. Após quase 12 anos na firma (…) eu acredito ter trabalhado aqui tempo suficiente para entender a trajetória de sua cultura, de sua gente e de sua identidade. E eu posso dizer honestamente que o ambiente está agora tão tóxico como nunca vi”. E segue: “Para colocar o problema em termos simples, os interesses do cliente continuam sendo deixados de lado na forma como a empresa opera e pensa na maneira como ganhar dinheiro”.
Smith argumenta que a cultura sempre foi componente central da empresa. Seus valores fundamentais eram trabalho em equipe, integridade, humildade e uma busca do melhor para o cliente. Nos últimos anos, contudo, a liderança alterou o DNA da empresa para pior. Hoje, vaticina, se você conseguir ganhar dinheiro suficiente, terá pavimentado o caminho para o sucesso. Como chegar lá? É simples: empurre produtos que sejam opacos e podres para os clientes. Mas lucrativos para o banco.
O ex-diretor afirma que ouviu diversos colegas chamarem seus clientes de muppets, em referência, pouco elogiosa, aos personagens da série de tevê. Smith teme pelo futuro da organização, ao constatar que uma nova geração de funcionários, muitos deles brilhantes, está sendo socializada na nova cultura, autocentrada e viciosa. De fato, grandes corporações não têm dificuldade em recrutar os melhores aprendizes e socializá-los em suas práticas. Não deve ser motivo de surpresa que moços e moças de boas famílias e boas maneiras estejam dispostos a trocar ideais e dignidade por status social e bônus anuais.
As reações ao texto de Smith foram variadas. A legião de vítimas de escândalos corporativos aliou-se aos gatos escaldados da crise financeira para apoiar o ex-executivo. No canto oposto postaram-se as viúvas de Milton Friedman. Nathan Vardi, da revista Forbes (que assina o nome seguido do slogan “seguindo a trilha do dinheiro”), sugere que o caso reflete apenas a crise de meia-idade de um executivo frustrado com sua carreira.
Halah Touryalai, da mesma revista, afirma que as revelações de Smith não deveriam causar surpresa e que a culpa é dos clientes. Isso mesmo, a culpa é das vítimas, por sua própria ingenuidade e conduta irresponsável. Embora acintosa, a afirmação não é descabida. Muitas “vítimas” são apostadores gananciosos, que jogam suas fichas em produtos de alto risco. No entanto, Touryalai ignora a enorme assimetria de informação que existe entre profissionais do mercado financeiro e parte considerável de seus clientes.
Mais divertidas foram as sátiras que seguiram o texto de Smith. Em uma delas, o vilão da série Guerra nas Estrelas, Darth- Vader, explica: “Por que estou deixando o império”. Em um vídeo veiculado pelo website Funny or Die, diretores do Goldman Sachs discutem, em uma reunião regada a whiskey e cocaína, como superar a crise gerada por Smith, quando são surpreendidos pela entrada de quatro bonecos representantes da “Liga Antidifamação dos Muppets”, para registrar uma queixa formal pelo uso preconceituoso e ofensivo da palavra muppet.
Somente os inocentes crônicos acreditam que bancos tenham outro objetivo que não seja ganhar dinheiro para seus controladores e executivos. A indignação de Smith pode soar tão crível quanto a eventual indignação de um deputado brasileiro que renunciasse ao mandato popular por ter constatado o declínio dos outrora elevados padrões éticos da Câmara.
Por detrás da denúncia de Smith existe uma cultura do desdém que permeia muitas relações no mundo corporativo. Acionistas desdenham diretores, que desdenham gerentes, que desdenham seus funcionários, que desdenham estagiários. Executivos desdenham seus clientes e fornecedores, e a recíproca pode ser verdadeira.
Nos últimos anos, uma retórica corporativamente correta tentou fomentar o respeito ao cliente e alinhar interesses entre executivos, acionistas, comunidades, fornecedores e outros grupos que podem interferir no desempenho e na lucratividade das empresas. Obviamente, a distância entre a foto e o fato é ainda enorme.
Textos como os de Smith são incomuns. Alguns executivos adorariam ter a chance de listar desaforos contra seu ex-patrão em um veículo de grande alcance. Eles têm, porém, carreiras a preservar, bocas a alimentar e sonhos de consumo. A censura mais eficaz é a autocensura.
*Thomaz Wood Jr. escreve sobre gestão e o mundo da administração. thomaz.wood@fgv.br
Fonte: CartaCapital
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