Pe. Antonio Vieira, um
desses personagens que ninguém encaixa numa categoria só
Braulio Tavares*
A certa altura, Bosi
comenta as análises de Otto Maria Carpeaux sobre Vieira, e diz: “Vieira queria
que todos pagassem impostos, inclusive o terceiro Estado, e não tivessem os
privilégios a nobreza e do clero; ele diz coisas muito fortes contra a
desigualdade das contribuições. Finalmente, ele diz que o que vale no homem é o
que ele faz, e não os seus ascendentes, sua linhagem. Parece uma idéia que só
na Revolução Francesa vai ter seu momento tremendo, sua explosão. A idéia de
que somos iguais, filhos do mesmo Adão, e pela teologia não deve haver nobres,
não deve haver hierarquias. Então ele diz, num dos sermões, somos o que
fazemos, não somos o nosso nome, mas a nossa ação. (...) Carpeaux chama isso de
pseudomorfose. É como uma pessoa que tem forma muito conservadora, mas idéias
revolucionárias, ou então uma pessoa que tem palavras muito revolucionárias na
boca, mas ela tem toda uma ação conservadora. Isso é muito comum na nossa
época, como é que uma pessoa tem uma forma que não convém ao seu conteúdo? E
isso é a pseudomorfose”.
Maiakóvski, por exemplo,
dizia que não pode haver idéia revolucionária sem forma revolucionária, e que
as grandes transformações sociais exigem grandes transformações da linguagem
poética. Mas talvez ele dissesse isto porque nele convergiram a Revolução
Soviética (um dos maiores catalisadores de utopias do século 20) e o Formalismo
Russo, um complexo movimento de vanguarda. Vieira não foi vanguarda literária
no sentido de ruptura, como Maiakóvski, mas foi o ponto mais alto de uma
tradição, o que no frigir dos ovos vale muito bem uma vanguarda. Sua linguagem
e sua postura escorregadia foram instrumentos para colocar em xeque a própria
cultura e civilização que produziram aquela linguagem.
*Braulio Tavares é
escritor, poeta e compositor brasileiro. Seus textos são publicados em sua
coluna diária no Jornal
da Paraíba (Campina Grande-PB).
Fonte: Brasil De Fato
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