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sábado, 23 de junho de 2012

A pseudomorfose


Pe. Antonio Vieira, um desses personagens que ninguém encaixa numa categoria só

Braulio Tavares*

O jornal literário Rascunho, de Curitiba, publicou em abril uma entrevista de Alfredo Bosi, Ler com a alma (http://bit.ly/ IKEary). Ele examina a figura do Pe. Antonio Vieira (1608-1697), um desses personagens que ninguém encaixa numa categoria só. Vieira, na sua ação política e na expressão ideológica, era um sujeito escorregadio, elusivo, que mordia e assoprava todo mundo no arriscado xadrez político do seu tempo. Se me perdoam a comparação plebeia, ele vivia dando o drible-da-vaca nas autoridades, tocando a bola para a direita e rodeando-as pela esquerda, com um volteio da frase. Vieira foi um dos fundadores do nosso idioma, e fez pela prosa o que Camões fez pela poesia. Ler Vieira é como fazer um passeio de asa-delta com um instrutor experiente. A gente nunca pensaria aquilo sozinho, mas tendo a voz dele como guia fica com a sensação de ser capaz de pensar qualquer coisa.

A certa altura, Bosi comenta as análises de Otto Maria Carpeaux sobre Vieira, e diz: “Vieira queria que todos pagassem impostos, inclusive o terceiro Estado, e não tivessem os privilégios a nobreza e do clero; ele diz coisas muito fortes contra a desigualdade das contribuições. Finalmente, ele diz que o que vale no homem é o que ele faz, e não os seus ascendentes, sua linhagem. Parece uma idéia que só na Revolução Francesa vai ter seu momento tremendo, sua explosão. A idéia de que somos iguais, filhos do mesmo Adão, e pela teologia não deve haver nobres, não deve haver hierarquias. Então ele diz, num dos sermões, somos o que fazemos, não somos o nosso nome, mas a nossa ação. (...) Carpeaux chama isso de pseudomorfose. É como uma pessoa que tem forma muito conservadora, mas idéias revolucionárias, ou então uma pessoa que tem palavras muito revolucionárias na boca, mas ela tem toda uma ação conservadora. Isso é muito comum na nossa época, como é que uma pessoa tem uma forma que não convém ao seu conteúdo? E isso é a pseudomorfose”.

Maiakóvski, por exemplo, dizia que não pode haver idéia revolucionária sem forma revolucionária, e que as grandes transformações sociais exigem grandes transformações da linguagem poética. Mas talvez ele dissesse isto porque nele convergiram a Revolução Soviética (um dos maiores catalisadores de utopias do século 20) e o Formalismo Russo, um complexo movimento de vanguarda. Vieira não foi vanguarda literária no sentido de ruptura, como Maiakóvski, mas foi o ponto mais alto de uma tradição, o que no frigir dos ovos vale muito bem uma vanguarda. Sua linguagem e sua postura escorregadia foram instrumentos para colocar em xeque a própria cultura e civilização que produziram aquela linguagem.

*Braulio Tavares é escritor, poeta e compositor brasileiro. Seus textos são publicados em sua coluna diária no Jornal da Paraíba (Campina Grande-PB).

Fonte: Brasil De Fato

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