*Thomaz Wood Jr.
O livro 84, Charing Cross Road, da norte-americana Helene Hanff, publicado em 1970 e, posteriormente, adaptado para o teatro e o cinema, conta a história da amizade entre a autora e Frank Doel, que trabalhava em uma loja de livros antigos, em Londres. Hanff chega a Doel por meio de um anúncio de livros raros em um suplemento literário. Com o tempo, a amizade estabelece-se e a correspondência floresce, tratando de filosofia, receitas culinárias e política. Hanff e Doel nunca se encontraram.
O livro 84, Charing Cross Road, da norte-americana Helene Hanff, publicado em 1970 e, posteriormente, adaptado para o teatro e o cinema, conta a história da amizade entre a autora e Frank Doel, que trabalhava em uma loja de livros antigos, em Londres. Hanff chega a Doel por meio de um anúncio de livros raros em um suplemento literário. Com o tempo, a amizade estabelece-se e a correspondência floresce, tratando de filosofia, receitas culinárias e política. Hanff e Doel nunca se encontraram.
O livro tornou-se uma curiosidade arqueológica, com o registro de uma prática quase extinta. A comunicação por fone celular, Skype, correio eletrônico e mídias sociais soterrou os prazeres da troca de epístolas: a elaboração cuidadosa e lenta, o suspense da espera, o prazer de receber a carta aguardada e de sua leitura. Em seu lugar, temos hoje o frenesi das mensagens instantâneas.
Nas corporações, o fenômeno ganha dimensão de pandemia. A irritação começa com o junk mail. Todos os dias, recebemos kilobytes de lixo eletrônico. Este escriba não é exceção. Viúvas de ex-ministros africanos do petróleo deixaram de me oferecer 20 milhões de dólares para ajudá-las a recuperar a fortuna da família, mas a assessoria de imprensa do governador Agnelo Queiroz não desiste de me informar os enfadonhos passos do dignatário.
A Cybersul me oferece softwares de gestão multiempresas e multilínguas, que fazem tudo e servem para qualquer empresa, e a Carci me envia imagens promocionais de elevadores de assento sanitário, seguros e de fácil instalação. Um vendedor tenta me empurrar vídeos de treinamento com títulos criativos: “O enterro das desculpas”, “Se o barco afundar, você vai junto!” e “Não faça parte do time que promete e não cumpre”. Irmãos Cohen, se cuidem!
Consultores que passaram as férias em Boston me convidam a conhecer as novas práticas de coaching, mentoring, feedback e bobagens similares. Um guru de gestão envia-me pílulas de sabedoria e ofertas de palestras-show. Segundo o próprio: “O ser humano usa apenas 7% de sua capacidade de pensar”. Deve ser verdade, porque se usasse 8% não haveria público para suas apresentações.
O drama da avalanche de e-mails despertou o interesse da academia. Megan Garber, na revista Atlantic, reporta uma pesquisa conduzida pela Universidade da Califórnia, em Irvine, e as Forças Armadas norte-americanas. Objetivo: medir o estresse causado pelo uso do e-mail. Os cientistas dividiram as “cobaias” em dois grupos: o primeiro ficou sem utilizar o e-mail por cinco dias e o segundo prosseguiu com sua rotina de uso. Para medir o impacto, os participantes tiveram sua condição cardíaca monitorada.
Resultado: os usuários de e-mail mantiveram-se em estado de “alto alerta”, com reflexos negativos sobre sua condição cardíaca. Os não usuários, por sua vez, apresentaram perfis naturais de batimento cardíaco. Eles se sentiram mais produtivos e mais focados em suas tarefas, e sofreram menos estresse causado por interrupções. O estresse, como se sabe, relaciona-se a doenças cardíacas e autoimunes, obesidade e depressão.
Algumas empresas começam a discutir o efeito nocivo das mensagens eletrônicas sobre os indivíduos e sobre a produtividade. Thierry Breton, CEO da empresa francesa de tecnologia Atos, declarou no fim de 2011 ao ABC News que apenas 10% das 200 mensagens que seus funcionários recebem em média ao dia têm alguma utilidade. Breton, que foi ministro das Finanças da França, compara a poluição de informações à poluição ambiental. Ambas têm consequências nefastas sobre nossa qualidade de vida. A Atos está implementando uma política de “e-mail zero”. Seu objetivo é fazer com que seus 74 mil funcionários erradiquem o uso interno de mensagens eletrônicas. Em seu lugar, a empresa pretende utilizar sistemas de mensagens instantâneas e mídias sociais.
O e-mail tornou-se uma praga, mas talvez seja apenas o bode expiatório de uma cultura de trabalho que privilegia a conectividade e a capacidade de reação instantânea, em detrimento da reflexão, do equilíbrio e da capacidade analítica. Suprimir o e-mail poderá alterar atitudes e comportamentos? Ou talvez signifique apenas a troca de um vício por outro? Ou, o que seria pior, a adição de outras distrações, ainda mais indutoras de estresse?
Muitos profissionais já transitam desgovernados entre e-mails, mensagens instantâneas e telefone celular. Situam-se sempre em uma realidade paralela, distante e etérea. Parecem nunca estar disponíveis para tratar do aqui e agora. Distanciam-se de seus interlocutores diretos e deles próprios. Compraram um tíquete somente de ida para o mundo virtual. Boa viagem!
*Thomaz Wood Jr. escreve sobre gestão e o mundo da administração. thomaz.wood@fgv.br
Fonte: CartaCapital
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